Acórdão nº 2261/17.7T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA, BB e CC intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca ….. - Juízo Central Cível ….., ação declarativa, sob a forma de processo comum, com base na responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia total de € 200.957,72, acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.

  1. Para tanto alegaram, em síntese, que em virtude de acidente de viação – atropelamento - ocorrido a … de outubro de 2014, cerca das 19h35m, na Rua ….., em …. – ….., ocasionado por culpa única e exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-PB-…, DD, o seu pai, EE, sofreu graves lesões físicas que, a 2 de março de 2015, lhe vieram a determinar a morte.

  2. Mais alegaram que o Autor AA sofreu danos patrimoniais pelas despesas que suportou com o internamento e funeral do seu pai e que o falecido - EE - sofreu danos não patrimoniais antes da morte; sofreu danos pela perda do direito à vida; e que todos os Autores sofreram danos não patrimoniais com a perda de seu Pai.

  3. Invocaram ainda que a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    , é responsável pelas consequências do acidente, por via do contrato de seguro, titulado pelo certificado provisório n.º …76, pelo qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PB-..., que no momento da colisão era conduzido pelo respetivo proprietário, DD, único causador do acidente.

  4. Terminaram pedindo que FF fosse notificada para intervir nos presentes autos como demandante, em virtude de ser também herdeira (filha) do falecido EE, ao abrigo do disposto no art. 33.º do CPC.

  5. Regularmente citada, a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    , apresentou contestação, pedindo a improcedência da ação.

  6. Para o efeito, começou por excecionar a ilegitimidade ativa dos Autores, por ausência de uma das filhas do falecido, como demandante.

  7. Depois, excecionou a caducidade do direito à ação por parte dos Autores, pois que um deles foi assistente no processo-crime e aí não deduziu pedido de indemnização civil. Sustentou que o direito dos Autores se mostra caducado.

  8. No mais, negou qualquer responsabilidade do condutor do veículo de matrícula ...-PB-..., seu segurado, na eclosão do acidente, sendo que, em sua opinião, o acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta do peão EE, ilícita e culposa, sem qualquer contribuição da conduta do condutor do PB ou dos riscos próprios do veículo.

  9. Referiu outrossim que o peão EE sofreu determinadas lesões, esteve internado no Hospital …. e que depois foi transferido para a Clínica …, em …, onde passou a receber cuidados continuados e que veio a falecer a … de março de 2015. Atendendo ao relatório da autópsia, é evidente que a causa da morte foi uma miocardiopatia isquémica, ou seja, a causa da morte foi natural, e não foram encontradas lesões traumáticas mortais, pelo que defendeu que a morte não se ficou a dever ao acidente dos autos.

  10. Finalmente, defendeu que os valores peticionados a título de danos não patrimoniais dos herdeiros, de dano vida e de danos não patrimoniais pelo sofrimento da própria vítima são manifestamente excessivos, atendendo aos critérios estabelecidos na Portaria n.º 377/2008 e a mais recente jurisprudência.

  11. Depois de ouvida a Ré, por despacho de 7 de dezembro de 2017, foi admitida a intervenção principal provocada da outra herdeira do falecido - FF - por força do disposto nos arts. 33.º, n.º 1, e 316.º, do CPC.

  12. Citada, FF apresentou articulado próprio, onde terminou pedindo a condenação da Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    , a pagar-lhe a quantia de € 67.500,00 (encontrando-se o montante de € 27.500,00 incluído no pedido deduzido pelos Autores), acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.

  13. Os Autores juntaram articulado de resposta e, em suma, mantiveram os factos por si alegados na p.i..

  14. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da caducidade do direito à ação por parte dos Autores (e da Interveniente). Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

  15. Por fim, foi proferida sentença, segundo a qual: “Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) Condenar a ré, “Lusitânia Companhia de Seguros, SA”, a pagar ao autor, AA, a quantia total de €957,72, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

    b) Condenar a ré “Lusitânia Companhia de Seguros, SA” a pagar aos autores, AA, BB, CC e interveniente, FF, a quantia total de €120.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados da presente sentença até integral pagamento.

    1. Absolver a ré “Lusitânia, SA” do restante pedido (…)”.

  16. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que condenasse a Ré/Recorrida Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    a pagar, para além das quantias não impugnadas neste recurso, as seguintes quantias: a) - € 80.000,00, pela perda do direito à vida; b) - € 30.000,00, pelo dano não patrimonial próprio da vítima e c) - € 30.000,00, pelo dano não patrimonial próprio de cada um dos Autores/Recorrentes (e da Interveniente, sua irmã).

  17. Também a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    , irresignada cm tal decisão, interpôs recurso de apelação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que a absolva dos pedidos formulados nos autos.

  18. A Ré e os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando reciprocamente pela improcedência dos recursos da contraparte.

  19. Por seu turno, a Interveniente Principal FF aderiu ao recurso interposto pelos Autores, apresentando as suas contra-alegações ao recurso da Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., e, quanto a este, deduziu recurso subordinado.

  20. A Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    , juntou aos autos as suas contra-alegações relativamente ao recurso subordinado, pugnando pela sua improcedência.

  21. Por acórdão de 8 de setembro de 2020, o Tribunal da Relação … decidiu o seguinte: “Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação da ré seguradora parcialmente procedente e a apelação dos autores e o recurso subordinado improcedentes, alterando-se consequentemente a decisão recorrida, por forma a que, julgando-se parcialmente procedente a acção, condena-se a ré Lusitânia Companhia de Seguros, SA: a) - a pagar ao autor, AA, a quantia total de €718,29 (setecentos e dezoito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

    b) - a pagar aos autores, AA, BB, CC e à interveniente, FF, a quantia global de €116.250,00 (cento e dezasseis mil, duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados da presente sentença até integral pagamento.

    No mais, mantem-se a absolvição da ré Lusitânia Companhia de Seguros, SA quanto ao demais peticionado.

    Custas pelos apelantes, na proporção do respectivo decaimento.

    ” 23.

    Não conformada, a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.

    , interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1.ª Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo e é o mesmo apresentado na firme convicção de que a matéria de direito sujeita à apreciação do douto Tribunal merecia outra decisão.

    1. A Recorrente discorda, salvo o devido respeito, da decisão do Tribunal a quo quanto à responsabilidade na eclosão do acidente, ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte e ao quantum indemnizatório atribuído.

    2. No que respeita ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte, a Recorrente invoca – para além do mais e subsidiariamente – a violação pelo Tribunal a quo dos limites traçados pela lei para exercer os poderes de modificação da matéria de facto que lhe incumbem nos termos do artigo 662.º do CPC [matéria que, como este mesmo Supremo Tribunal vem entendendo reiteradamente, não lhe está vedada, por se tratar de saber se o Tribunal da Relação se conformou ou não com a lei (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 02/03/2011, no proc 667/06.8TBOHP.CS.S1, e de 06/07/2011, no proc. 45/05.2TBVCD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt)].

      1. Da responsabilidade pelo acidente dos autos 4.ª Dos factos provados 1 a 12 resulta que que EE irrompeu pela via repentinamente, sem antes se se certificar se havia quaisquer veículos a circular na mesma, limitando-se a abandonar o passeio e introduzir-se na estrada, iniciando a travessia sem previamente atentar no trânsito.

    3. A travessia da via foi feita fora da passadeira, embora existisse uma a distância inferior a 50 metros.

    4. Os peões são conhecedores da perigosidade dos veículos automóveis, das consequências de um atropelamento e, mais do que isso, de que a faixa de rodagem, destinando-se, por regra, exclusivamente ao trânsito de veículos, é um local de grande perigo para a sua integridade física, razão pela qual a sua presença no local deve ser antecedida de especiais cuidados e de grande prudência.

    5. Era ao peão que mais se exigia que tivesse avistado o veículo, pois que, por entre os diversos elementos existentes no campo de visão dos intervenientes estradais capazes de captar a sua atenção, é inequívoco que um veículo automóvel é mais facilmente percepcionável por um peão do que o contrário.

    6. O excesso de velocidade instantânea do condutor do PB é irrelevante para a produção do acidente, dado que a causa do mesmo foi o facto de o peão não ter atentado no trânsito que se fazia sentir e ter irrompido na via sem qualquer cuidado, aparecendo na via num momento em que o veículo estava muito próximo, pelo que sempre seria impossível ao condutor do veículo impedir o embate.

    7. O condutor do PB acabava de passar por uma passadeira, pelo que não podia...

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