Acórdão nº 2840/20.5T8STR-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2840/20.5T8STR-B.S1 Habeas Corpus Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA, progenitora e representante legal da menor BB (nascida a 13.08.2004), veio, através de mandatária, requerer a providência de habeas corpus com fundamento em privação ilegal da liberdade, com os seguintes fundamentos: «1º — No caso em apreço foi decretado a 18 de dezembro de 2020, por ordem judicial, medida tutelar mais gravosa, o internamento em comunidade terapêutica, à menor BB.

  1. — A 29 de dezembro de 2020, através de mandato de condução, que agora se junta e se dá por integralmente reproduzido, foi a menor retirada bruscamente à progenitora pelas assistentes sociais e conduzida à Clínica ….. sita na Travessa ……. (DOC.1) 3º — Salvo melhor opinião, o Tribunal fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada das declarações prestadas apenas pelas assistentes sociais, nunca tendo tomado declarações da menor ou de seu defensor, ou sequer da sua progenitora, violando claramente o disposto no artº 59 nº 2 da Lei Tutelar Educativa que agora se transcreve: “artº 59 nº 2 LTE 2 - A aplicação de medidas cautelares exige a audição prévia do Ministério Público, se não for o requerente, do defensor e, sempre que possível, dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto do menor. ...”, o que constitui uma nulidade insanável processual.

  2. — Formou também o Tribunal “a quo” a sua convicção sem nunca ter tomado depoimentos das testemunhas e familiares da menor, relevando gravemente que se fundamentou em factos sem que estes tenham sido verificados da sua veracidade ou falta dela.

  3. — A presente medida aplicada além de não acautelar de maneira nenhuma a segurança da menor veio sim pôr em causa toda a sua estrutura familiar, escolar e de saúde, o que de forma alguma se coaduna com a salvaguarda da protecção dos superiores interesses da criança a que o Tribunal e Estado Português se propõem, como em seguida se demonstrará.

  4. — A presente medida cautelar deveu-se a supostos consumos excessivos de estupefacientes, no entanto, tal suposição é baseada apenas em ilações, sem que para tal tenham sido recolhidos depoimentos, ou sequer provas documentais bastantes para que se chegue a tal conclusão.

  5. — Também sobre estes alegados consumos nunca a menor foi ouvida, na presença de um defensor, perante a autoridade judicial competente, constituindo também aqui uma grave violação ao disposto nos artº 59 nº 2, artº 77 nº 1 e aos artº 46 e seguintes da LTE.

  6. — A aplicação de medida cautelar exige determinados pressupostos cumulativos enunciados no artº 58 da LTE que agora se transcrevem para melhor compreensão: “ 1- A aplicação de medidas cautelares pressupõe: a) A existência de indícios do facto; b) A previsibilidade de aplicação de medida cautelar e; c) A existência fundada de perigo de fuga ou de cometimento de outros factos qualificados pela lei como crime.”, assim terão de se encontrar preenchidos e fundamentados todos os requisitos exigidos legalmente o que, no caso concreto, não acontece pois não há como anteriormente demonstrado a existência de indícios do facto, mas tão somente ilações por parte das assistentes sociais encarregues do processo, pelo que não deveria ser previsível a aplicação de uma medida cautelar, antes pelo contrário, assim como não existe qualquer indicativo de que houvesse perigo de fuga ou de cometimento de qualquer acto ilícito, na medida em que à altura da aplicação da medida cautelar a menor se encontrava estável e inserida regularmente no seu seio familiar, social e escolar.

  7. — Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada, apenas e somente, das declarações erróneas prestadas pelas assistentes sociais sem ter tomado qualquer depoimento de testemunhas ou sequer de familiares da menor, relevando o facto de gravemente se ter fundamentado nesses mesmos factos sem que estes tenham sido devidamente integrados temporalmente, o que demonstra desde já que a presente medida aplicada para além de não acautelar de maneira nenhuma os interesses da menor BB, por extemporânea e desproporcional, veio pôr em causa toda a sua estrutura familiar, escolar e de saúde, o que de maneira alguma se coaduna com a salvaguarda da protecção dos superiores interesses da criança e menor a que o Tribunal e Estado Português se propõem.

  8. — Tendo a menor sido conduzida à instituição a 29/12/2020, não se percebe o porquê de apenas lhe ter sido nomeada defensora durante o mês de maio de 2021, mais de quatro meses após a menor se encontrar desprovida da sua liberdade e fora do seu contexto familiar, social e escolar.

  9. — O direito e obrigatoriedade de defensor é um direito basilar para a defesa dos cidadãos, que toma especial relevo nestes casos em particular, direito esse que foi negado à menor ab initio deixando assim a menor desprotegida e sem possibilidade de ser assegurado o seu bem-estar e superior interesse.

  10. — “A audição prévia do menor para a aplicação de uma medida tutelar constitui a regra, como decorre dos arts. 77º a 110º da LTE, visto estar em causa a ponderação da aplicação de uma medida tutelar.” Acórdão de 27 de Fevereiro de 2013 (Processo n.º 219/09.9T2AMD-B.L1-3) do Tribunal da Relação de Lisboa, o que no caso em apreço não se verificou.

  11. — Consagra o diploma aprovado pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, mais conhecido pela Declaração dos Direitos Universais da Criança, no seu princípio nº 2 que “A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.”, o que não acontece no caso em apreço pois os superiores interesses da criança, mais em específico a sua liberdade não foram de todo protegidos.

  12. — A menor encontra-se à guarda da comunidade terapêutica desde dia 29 de dezembro de 2020, ou seja, há precisamente 4 meses e 24 (vinte e quatro) dias.

    15º — Dispõe a Lei Tutelar Educativa no seu artº 60 nº 1 que: “1 - A medida de guarda de menor em centro educativo tem o prazo máximo de três meses, prorrogável até ao limite máximo de mais três meses em casos de especial complexidade devidamente fundamentados. ...” , visto que a menor se encontra tal como referido anteriormente à mais de quatro meses na comunidade e até a este momento não se demonstrou aqui qualquer tipo de complexidade no processo ou sequer devidamente se fundamentou a necessidade de tal internamento, encontra-se neste momento a menor privada da sua liberdade e fora do seu seio familiar indevidamente e em excesso, pelo que deverá esta ser imediatamente restituída ao seu ambiente familiar, social e escolar, devolvendo-lhe assim o seu mais básico direito à liberdade.

    Mais, 16º — Foi em sede de audiência de julgamento, no dia 23 de março de 2021, proposto à menor uma continuação da medida cautelar por 6 meses, o que esta discordou frisando mais uma vez que tudo o que quer é a sua liberdade e vida normal no ambiente do qual foi tão bruscamente retirada.

  13. — Sendo crucial de referir que após a sua audição a menor foi confrontada pelo Diretor Clínico Dr. CC por este ter achado que a menor teria informado o Tribunal de detalhes sobre a clínica que não deveria ter falado, tendo-lhe sido retirado, por aproximadamente, uma semana o direito a video-chamadas aos seus familiares como forma de punição e retirados 5 (cinco) minutos aos 15 (quinze) minutos de chamada telefónica a que a menor tinha direito 3 vezes por semana.

  14. — Mais uma vez se demonstra que a menor não tem os seus direitos acautelados e mais uma vez o Estado Português não tem os seus superiores interesses em conta, o que nunca deveria acontecer.

  15. — Uma proposta que não se encontra bem fundamentada nem tão pouco foi dado qualquer forma de especial complexidade ao processo agora em apreço, o que consubstancia uma clara violação ao disposto no artº 60 nº 1 da LTE.

  16. — A menor foi retirada à sua progenitora sem estas terem sido previamente ouvidas, o que constitui uma grave violação e atropelo aos seus básicos direitos, assim como não lhes foi dada qualquer opção de qual a instituição para onde seria conduzida acabando por ser institucionalizada na Clínica …., sita na Travessa …...

  17. — Importa salientar que a menor reside na cidade ….. e foi levada para uma clínica situada a 310 km de distância, o que não se entende nem se concebe como benéfico, tanto para a menor quer como para a própria progenitora, pois tal como o senso comum nos diz, constrange, como é óbvio, as deslocações para visitas da sua progenitora.

  18. —É de extrema relevância salientar vários...

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