Acórdão nº 8373/19.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça* As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo Aguirre Newman Portugal - Mediação Imobiliária, Lda., com a actual denominação social de Savills Portugal - Mediação Imobiliária, Ldª, intentou a presente acção com processo declarativo e forma comum contra Novo Banco, S.A., pedindo a condenação deste a pagar-lhe: a) a quantia de € 1.483.380,00 a título de honorários acordados e devidos nos termos da prestação de serviços contratada, ou sem conceder, subsidiariamente a título de comissão devida nos termos do contrato de mediação imobiliária; b) Ainda subsidiariamente, caso venha a ser declarada a nulidade do contrato de mediação imobiliária por falta de forma, deve o Réu ser condenado a pagar-lhe igual quantia a título de remuneração compensatória, correspondente ao valor de retribuição acordada; c) em juros de mora calculados à taxa legal aplicável aos juros comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou ser uma sociedade comercial que se dedica à mediação imobiliária, e que em Junho de 2016 o Réu incumbiu-a de, em regime da exclusividade, proceder à prestação de serviços de consultadoria a assessoria para a alienação do imóvel sito na Praça do ………, em ….., ou para a venda das acções da sociedade Praça do Marquês - Serviços Auxiliares, S.A., detidas pelo Réu, sociedade essa a proprietária do imóvel.

A A. apresentou ao Réu e este aceitou uma proposta de comercialização de alienação do imóvel, tendo ficado acordado o pagamento de honorários que variavam entre uma comissão de 1,3% e 1,8% sobre o preço de venda do imóvel consoante o valor da transacção e a data de contacto dos investidores.

A A. desenvolveu intensa atividade entre Junho de 2016 e 01/02/2017, e deu conhecimento ao Réu dos investidores que manifestaram interesse inicial no negócio.

O Réu, em 01/02/2017, através de um e-mail, comunicou à A. a cessação da colaboração, perante o que a A. manifestou o seu inconformismo junto do Réu.

Mas, em Setembro de 2017, a A. tomou conhecimento de que a Merlin Properties acabara de concretizar a compra ao Réu, por 60,3 milhões de euros, do edifício da Praça ………., através da aquisição da sociedade Praça do Marquês - Serviços Auxiliares, S.A.

Sucede que a Merlin Properties teve conhecimento do imóvel e do negócio exclusivamente através da A. e inclusive o seu diretor visitou o imóvel acompanhado de consultores da A. O interesse da Merlin na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A. e culminou com a aquisição do imóvel.

A A. interpelou o Réu para o pagamento dos honorários acordados mas o Réu não reconhece tal direito.

O acordo escrito deve ser reconduzido a um contrato de prestação de serviços de consultoria e que as partes acordaram que a A. teria direito à remuneração com a conclusão do negócio. Se se entender que o acordo é subsumível a uma mediação imobiliária, assiste à A. o direito a ser remunerada nos termos acordados, tendo o Réu incumprido o contrato ao cessar unilateralmente o contrato. Mais defende que a sua atuação foi determinante para a concretização da venda, pelo que deve receber uma comissão de 2% sobre o valor de € 60.300.000,00, conforme acordado, o que corresponde ao montante de € 1.206.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, num total de € 1.483.380,00.

Contestando, o Réu sustentou que só em Junho de 2017 foi abordado pela Merlin, através da Hudson Advisors que a apresentou ao acionista principal do Réu, a Lone Star.

Os “relatórios de comercialização” que a A. foi apresentando ao Réu consubstanciavam a única informação que o Réu recebia ao longo do tempo e deles resulta, quanto à Merlin, que a apresentação do projeto lhe teria sido enviada, ainda se aguardando uma resposta, e que teria assinado um NDA (Non Disclosure Agreement) o que lhe conferia acesso a um VDR (Virtual Data Room). Nega existir qualquer relação direta ou causal entre a aquisição da sociedade pela Merlin ao Réu em Setembro de 2017 e as alegadas visitas e manifestações de interesse perante a A. cerca de um ano antes. As únicas propostas que a A. lhe comunicou foram apresentadas pelas entidades Aerium e CR Management/Oaktree, não tendo conhecimento de qualquer proposta da Merlin.

Acrescentou ainda que a A. aceitou pacificamente a retirada do imóvel do mercado.

Defende que, não sendo para si um ponto de ordem a exclusão de qualificação do contrato como mediação imobiliária, independentemente da correta qualificação - mediação imobiliária ou outra prestação de serviços - a obrigação de pagamento de uma comissão, acrescida ou não de success fee, tinha como pressuposto a celebração de um contrato como resultado do serviço até aí desenvolvido pela A., e no caso inexiste o nexo de causalidade entre a atuação do mediador e a celebração do contrato pretendido, assim como a não celebração de contrato com a Merlin na sequência da mediação da A. não é imputável ao Réu, tanto que a Merlin não apresentou na altura qualquer proposta muito menos vinculativa.

Acrescenta que, após o período inicial de três meses que a A. propôs como duração do contrato, não houve acordo expresso quanto à sua prorrogação.

As Decisões Judiciais Julgada a acção em 1ª instância, a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Tendo a Autora recorrido de apelação, a Relação revogou a sentença e, na procedência da acção, o Réu foi condenado a pagar à A. a quantia de € 1.206.000,00, acrescidos de IVA à taxa em vigor (23%), no valor de € 277.380,00 (duzentos e setenta e sete mil, trezentos e oitenta euros), tudo no total de € 1.483.380,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e três mil, trezentos e oitenta euros), acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Inconformado agora o Réu, vem o mesmo recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões recursórias: A. O Tribunal a quo começou por qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestação de serviços genérico, previsto no artigo 1154.º do Código Civil e sujeito, por força do artigo 1156.º, à disciplina aplicável ao contrato de mandato.

  1. Cita depois um Acórdão deste Colendo Tribunal no qual é feita uma distinção entre os contratos de mediação imobiliária e as prestações de serviços genéricas (e.g. de consultoria), contudo, o Tribunal a quo falhou claramente na transposição dessa distinção para o caso dos autos.

  2. A distinção que este Colendo Tribunal aí defendeu depende, fundamentalmente, de se aferir se a obrigação do prestador de serviços é uma obrigação de meios ou de resultado.

  3. A chave da distinção é, afinal, a natureza da contrapartida contratualmente acordada para os serviços a prestar: no primeiro caso, uma contrapartida não condicionada; no segundo, uma comissão, indexada, quer quanto ao valor, quer quanto à sua exigibilidade, à celebração de um negócio final.

  4. No caso, não só o valor a pagar seria variável de acordo com o valor do negócio final, como a mesma apenas seria devida pelo Recorrente “em caso de concretização do negócio”.

  5. Que a contrapartida eventualmente devida à Recorrida era uma comissão dependente da celebração de um negócio final entre o Recorrente e um dos investidores não oferece dúvidas ao abrigo de nenhum dos critérios de interpretação de declarações negociais previstos no artigo 236.º do Código Civil, seja o da impressão do destinatário previsto no n.º 1, seja o da vontade real, previsto no n.º 2.

  6. Qualificar o contrato nos termos em que o Tribunal a quo o fez é redutor e enganador, pois apenas considerou parte dos serviços que a Recorrida se comprometeu a prestar, desconsiderando a questão decisiva do resultado ao qual as partes condicionaram o pagamento da contrapartida.

  7. O Tribunal a quo incorreu, assim, num primeiro erro de julgamento quando defendeu que o Recorrente estava obrigado a pagar uma contrapartida à Recorrida independentemente do resultado da sua actuação, como consequência da qualificação do contrato como uma prestação de serviços genérica, sem subordinação desses serviços à obtenção de um resultado, o que corresponde a um erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1154.º e 1156.º do Código Civil, bem como do disposto no artigo 236.º do mesmo Código, I. Seja porque (i) ficamos sem compreender em que termos o Tribunal a quo aplicou ao caso dos autos a distinção a que este Colendo Tribunal aludiu no Acórdão citado, seja porque (ii) a vontade contratual das partes foi clara no sentido de a contrapartida pelos serviços da Recorrida ser uma comissão dependente da celebração de um negócio final.

  8. O segundo erro do Tribunal a quo decorre da ideia de que, por se tratar de um contrato oneroso, a contrapartida seria sempre devida, desde que a Recorrida prestasse todos os serviços com que se comprometeu perante o Recorrente, independentemente de ser ou não obtido o resultado acordado.

  9. Uma vez que os termos da comissão acordada e a sua natureza condicional são tão claros (vide factos provados sob os pontos 14 e 15), impunha-se ao Tribunal a quo que tivesse atentado no que dispõe o n.º 2 desse artigo 1158.º, o qual é inequívoco ao estabelecer que apenas se atende a critérios legais de fixação da contrapartida “não havendo ajuste entre as partes”.

    L. Havendo, como havia, um consenso contratual quanto aos termos e condições da retribuição potencialmente devida pelo Recorrente, era a esses que o Tribunal a quo devia ter atendido e, se o tivesse feito, facilmente alcançaria que a cláusula relativa à comissão é cristalina no sentido de a mesma estar – como está, por natureza, qualquer comissão – dependente da efectiva “concretização do negócio”.

  10. A retribuição acordada apenas seria devida à Recorrida se esta, por força dos serviços por si prestados, obtivesse um determinado resultado, ou conduzisse a que ele fosse obtido, correspondente à celebração de um negócio, o que não sucedeu.

  11. O que vem de dizer-se não é invalidado, ao contrário do que parece sustentar o Tribunal a quo, pelo disposto...

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