Acórdão nº 4456/16.1T8VCT.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e marido BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os RR.

(1ª) Algarismo Mágico - Unipessoal, Ldª, (2º) CC e (3ª) Ageas Portugal - Comp. de Seguros, SA.

Alegaram que acordaram com a 1ª R. a construção de uma moradia unifamiliar e, paralelamente, com o 2º R. um contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto de arquitetura, acompanhamento, fiscalização e direção técnica da obra e instrução e acompanhamento do respetivo processo de licenciamento.

A obra iniciada foi embargada pela Câmara Municipal de .........., vindo os AA. a constatar que não respeitava o projeto e, além disso, apresentava diversos defeitos de execução, com risco de ruína.

Alegaram também que o 2º R. é arquiteto e encontra-se inscrito na Ordem dos Arquitetos Portugueses, tendo esta entidade celebrado com a R. Seguradora um contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, mediante o qual esta assumiu a obrigação de responder por todos os prejuízos causados a terceiros pelo 2º R. no exercício da sua atividade profissional de arquiteto, “até ao limite do capital contratado”.

Terminaram pedindo: - A declaração de que aos AA. assistia o direito de procederem à resolução dos contratos com os RR.; - A condenação dos 1º e 2º RR. a demolirem todos os trabalhos executados, com demolição da estrutura construída, reposição da terra removida, nivelação e assentamento da terra resposta e reposição do campo de cultivo aí existente; - A condenação de todos os RR. a pagarem aos AA.: - a quantia de € 144.502,85, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da resolução contratual até efetivo e integral pagamento; - a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento; e - a quantia que vier a liquidar-se posteriormente respeitante a danos futuros que os AA. sofrerem em consequência do incumprimento contratual da 1ª e do 2º RR.

Os 1º e 2º RR. apresentaram contestação, tendo negado a existência dos defeitos e que o 2º R. se limitou a assumir a direção técnica da obra, na qualidade de trabalhador da 1ª R.

A R. Seguradora contestou e, aceitando a existência do contrato de seguro, alegou duas cláusulas de exclusão da responsabilidade, uma a excluir as reclamações relacionadas com o licenciamento da obra e outra as derivadas de perdas e danos relacionados com a vertente da fiscalização de obras quando a mesma não se fundamente em documentos, pareceres, conselhos, relatórios e comunicações escritas enviadas ao dono da obra e demais intervenientes.

Além disso, em termos subsidiários, invocou a Seguradora que a sua responsabilidade está limitada a € 25.000.00, quantia sobre a qual deve ser deduzida uma franquia de 10% que foi contratada.

Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente em relação aos 1º e 2º RR. e, em consequência: 1. Declarou que aos AA. assistia o direito de procederem à resolução dos contratos com os 1ª e 2º RR. e condenou os 1ª e 2º RR. a:

  1. Demolirem todos os trabalhos executados no prédio dos AA., com demolição da estrutura construída, reposição da terra removida, nivelação e assentamento da terra resposta e reposição do campo de cultivo aí existente; b) Pagarem aos AA. a quantia de € 140.151,65, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da resolução contratual (até efetivo e integral pagamento; c) Pagarem aos AA. a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento; d) Pagarem aos AA. a quantia que vier a liquidar-se posteriormente respeitante a danos futuros que os AA. sofrerem em consequência do incumprimento contratual da 1ª e do 2º RR.

    2. Absolveu a R. Seguradora do pedido, com fundamento na aplicação de cláusulas de exclusão, mais concretamente com base no facto de o 2º R. nunca ter informado os donos da obra dos defeitos que foram detetados.

    Os AA.

    apelaram da sentença na parte em que absolveu a R. Seguradora, tendo a Relação confirmado a mesma sentença, embora com fundamentação diversa, já que concluiu que o contrato de seguro não abarcava, afinal, a responsabilidade civil contratual, mas apenas a responsabilidade civil extracontratual do 2º R. perante terceiros.

    Tal conclusão teve subjacente a assunção de que, não resultando do contrato de seguro a “delimitação da responsabilidade civil coberta, se a contratual, se a extracontratual, é legítima a interpretação de que o seguro apenas cobre a responsabilidade civil extracontratual, atento o facto de se tratar de um seguro obrigatório, imposto pelo art. 24º, nº 1, da Lei nº 31/09, de 3-7, o qual limita a obrigatoriedade de segurar à responsabilidade civil extracontratual”.

    Sobre o acórdão da Relação que absolveu a Seguradora os AA. interpuseram recurso de revista que este Supremo Tribunal de Justiça, através do mesmo coletivo que subscreve este acórdão, veio a julgar procedente, por considerar que não existia fundamento para limitar a responsabilidade da seguradora aos danos decorrentes da responsabilidade civil extracontratual.

    No acórdão foi inserido o seguinte sumário: “… 4. Um contrato de seguro de grupo outorgado com uma associação pública profissional (no caso, uma Secção Regional da Ordem dos Arquitetos) mediante o qual foi assumida pela Seguradora a responsabilidade pelo pagamento de indemnizações decorrentes da “responsabilidade civil profissional” dos membros inscritos na associação abarca, na falta de qualquer elemento adicional, tanto os danos decorrentes da responsabilidade civil extracontratual como da responsabilidade civil contratual.

    5. A diferenciação das garantias relativas a cada um dos dois tipos de responsabilidade (extracontratual e contratual) está prevista no art. 24º da Lei no 31/09, de 3-7, porém, tal regime ainda não é aplicável ao caso, uma vez que, atento o disposto no art. 29º, está dependente da entrada em vigor da Portaria prevista no nº 3 do art. 24º. Neste contexto, o âmbito do contrato de seguro fica dependente do que, em concreto, tiver sido convencionado.

    6. A maior amplitude do contrato de seguro de “responsabilidade civil profissional” dos arquitetos encontra ainda sustentação adicional no facto de o art. 51º do Estatuto da Ordem dos Arquitetos, republicado pela Lei nº 113/15, de 28-8 (na sequência ao disposto no art. 31º da Lei nº 2/13, de 10-1, sobre o regime jurídico das associações profissionais), ao prever a obrigatoriedade de subscrição de um contrato de seguro de responsabilidade civil ou a prestação de garantia ou instrumento equivalente, se reportar também, de forma genérica, à responsabilidade civil emergente do exercício da atividade profissional.

    Todavia, uma vez que a Relação, ao admitir uma diversa interpretação do contrato, considerou prejudicadas as questões que as partes haviam suscitado no recurso de apelação, foi determinada a remessa dos autos à Relação, tendo sido proferido novo acórdão em que julgou o recurso parcialmente procedente e condenou a R. Seguradora a pagar aos AA. a quantia de € 22.500,00, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.

    Para o efeito considerou que a responsabilidade da Seguradora estava limitada ao valor do capital segurado, de € 25.000,00, com dedução de uma franquia correspondente a 10%.

    Os AA. interpuseram novo recurso de revista em que concluíram que: 2. O art. 51º do Estatuto da Ordem dos Arquitetos, republicado pela Lei nº 113/15, de 28-8, impõe aos arquitetos a celebração de seguro de responsabilidade civil, o que torna esse seguro um seguro obrigatório, com os efeitos legais daí decorrentes.

    3. Estando em causa um seguro obrigatório, a previsão contratual de franquia não poderia ser oposta aos AA., o que significa que se impunha a condenação da R. Seguradora no pagamento da indemnização que viesse a ser fixada, sem dedução dessa franquia (sem prejuízo, claro está, da oponibilidade da mesma ao tomador do seguro e consequente direito da R. Seguradora a exigir o seu pagamento, em direito de regresso).

    4. Ao decidir em sentido diverso, operando a dedução dessa franquia, a decisão recorrida violou a citada disposição do art. 51º do Estatuto da Ordem dos Arquitetos, o que impõe a sua revogação, na parte em que condenou a R. Seguradora a pagar aos AA. a quantia de € 22.500,00, e substituição por acórdão que condene a R. Seguradora no pagamento da totalidade da indemnização que vier a ser fixada, sem dedução dessa franquia.

    5. Visando a celebração do seguro em referência, pela Ordem dos Arquitetos, o cumprimento da obrigação legal de contratação desse seguro por todos os arquitetos com inscrição em vigor, o âmbito e objeto do mesmo são similares ao daquele seguro obrigatório, o que o enquadra no regime do seguro obrigatório subjacente à sua celebração.

    6. Estando em causa um seguro obrigatório de responsabilidade civil, o mesmo raciocínio expendido quanto à inoponibilidade ao lesado de cláusula que preveja uma franquia é também válido para a instituição de um capital contratado de € 25.000,00.

    7. A instituição de um limite de capital de € 25.000,00 frustra o propósito visado pelo legislador com a instituição do seguro obrigatório.

    8. A previsão de uma cláusula contratual que fixa um capital máximo contratado de € 25.000,00 é, pois, contrária à norma do art. 146º, nº 5, do DL nº 72/08, de 16-4.

    9. Daí que tal cláusula não possa ser oposta aos AA., sem prejuízo do direito de...

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