Acórdão nº 472/15.9T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. Banco Comercial Português, S.A. instaurou ação declarativa, com processo comum, contra Destinos Aliciantes, S.A., pedindo que a ré seja condenada a entregar definitivamente à autora os imóveis descritos no artigo 1º da petição inicial.

Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré um contrato de locação financeira, que tem por objeto dois imóveis que foram entregues à ré, mas que esta apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato. Em consequência do incumprimento por parte da ré, e de acordo com as condições gerais do contrato, a autora comunicou-lhe a resolução do contrato e interpelou-a para proceder à restituição dos ditos imóveis, o que a mesma não fez, continuando a usá-los, sem qualquer contrapartida para a autora.

  1. A ré contestou, excecionando o pagamento das rendas alegadamente em dívida e sustentando a inexistência do invocado fundamento para a resolução do contrato. Impugnou ainda parte dos factos alegados na petição inicial.

    E, alegando que a autora reconvinda tem tido ao longo dos anos uma conduta contrária aos princípios de direito, atuando de má-fé e em abuso de direito, causando-lhe, desse modo, danos patrimoniais e não patrimoniais, deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de, pelo menos, 250.000,00 euros, acrescida de juros, bem como todas as despesas que se vierem a apurar até ao fim do processo.

    Mais pediu a condenação da autora como litigante de má-fé.

  2. A autora apresentou réplica, excecionando a litispendência e o caso julgado, e impugnando a factualidade alegada na reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma.

  3. Notificada para o efeito, veio a ré reconvinte concretizar os factos que servem de fundamento à reconvenção.

  4. Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedentes as invocadas exceções de litispendência e caso julgado, seguido de despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova.

  5. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, consequentemente, condenou a ré a entregar definitivamente à autora os imóveis objeto do contrato de locação financeira entre elas celebrado.

    Julgou ainda totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo a autora reconvinda do pedido.

  6. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação ……, que por acórdão proferido de 23.11.2017 revogou a sentença recorrida e julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido. Mais julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense. Absolveu a reconvinda do mais peticionado.

  7. Inconformada com este acórdão, a autora (BCP) interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão proferido em 14.6.2018, decidiu: «a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para, com base nos meios de prova já produzidos ou a produzir, decidir da invocada contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados.

    1. Julgar em conformidade ».

  8. Os autos baixaram ao Tribunal da Relação … que, em 08.11.2018, proferiu acórdão que decidiu anular a sentença recorrida, por não constarem do processo todos os elementos que permitissem a reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto reputada contraditória, determinando, nos termos nos termos do art.º 662º, nº 1 e 2, al. c), 1ª parte do CPC, a baixa do processo à 1ª instância para repetição da inquirição das testemunhas cujos depoimentos gravados não eram percetíveis e ainda para determinar a junção aos autos do extrato global dos movimentos a débito e a crédito na conta da ré, a que se refere o contrato celebrado com a autora.

  9. Os autos baixaram à 1ª instância, onde a autora procedeu à junção dos documentos supra referidos e a ré veio juntar dois documentos para prova do pagamento da 1ª renda do contrato.

  10. A instância esteve suspensa a requerimento das partes, com vista à celebração de transação. Malogrado esse objetivo, procedeu-se à reinquirição das testemunhas.

  11. Foi proferida nova sentença que julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção.

  12. Inconformada, de novo, com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação … que proferiu novo acórdão que decidiu não conhecer do objeto da ampliação do âmbito do recurso por versar sobre matéria de facto que não foi objeto de impugnação no primeiro recurso de revista.

  13. A autora interpôs recurso de revista para o STJ, arguindo, para além do mais, a nulidade processual decorrente do facto de não ter sido ouvida quanto ao não conhecimento total da ampliação do objeto do recurso, por si requerida nas contra-alegações (art.º 655ºdo CPC).

  14. Em conferência, o Coletivo de Juízes, julgou verificada a invocada nulidade processual e anulou todos os posteriores atos processuais por ela afetados, incluindo o acórdão em crise.

  15. Cumprido o contraditório, em 17.12.2020, o Tribunal da Relação …… proferiu novo acórdão que julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, e julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido. Julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense, que vierem a ser liquidados. Absolveu a reconvinda do mais peticionado.

  16. Inconformada, de novo, com este acórdão, a autora dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. O Acórdão recorrido incorreu em nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC , uma vez que assenta a sua decisão de alterar a resposta ao ponto 7 da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, retirando a palavra “apenas” no teor da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato de locação financeira porquanto o teor de tal cláusula alegadamente não permitiria ao Banco debitar valores de IMIs referentes a anos anteriores à celebração do contrato de locação quando, na verdade, é precisamente o teor desta a cláusula que legitima a acção do Banco .

  17. O n.º 2 da dita clausula 4.ª expressamente prevê que “serão por conta do locatário todos os impostos – sejam correctivos, retroactivos ou extraordinários – encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou locação financeira”.

  18. À semelhança do que aconteceu com a alteração da resposta dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como assente, o Acórdão incorre em nova nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC, no que se refere à alteração da redacção da resposta dada ao ponto 35 da matéria de facto dada como provada, em que acrescenta a expressão “no entender do Banco”.

  19. Na verdade, o Tribunal volta a estribar a decisão de alteração no contrato de locação financeira junto aos autos, quando é precisamente a redação desse cláusula que impõe a manutenção da resposta dada pelo Tribunal a quo, pois que é o teor das respectivas cláusulas, maxime do teor da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato de locação que resulta a autorização do Banco para debitar os IMIs referentes aos imoveis dados em locação, sejam eles correctivos, retroactivos ou extraordinários.

  20. Ou seja, as alterações às respostas dadas aos pontos 7 e 35 da matéria de facto dada como provada estribam-se no teor de uma cláusula que diz precisamente o contrário do decidido, pelo que devem ser anuladas, mantendo-se a redacção original dada a tais pontos pelo Tribunal a quo, sem prejuízo do que se dirá relativamente ao ponto 7.º no que se refere ao pedido de ampliação do objecto do recurso.

  21. O Acórdão recorrido incorreu em nova nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC, relativamente à alteração da redacção dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada, retirando a expressão “apenas”. De facto, na fundamentação da sua decisão, o Acórdão recorrido expressamente refere que a Ré não satisfez um ónus probatório que era o seu, mas apesar da dúvida que fica “no ar” decide – em contradição com a fundamentação exposta – alterar a redacção do dito ponto 7, favorecendo claramente a Ré em detrimento do Banco recorrente, beneficiário último de tal dúvida.

  22. O Acórdão recorrido, ao vir pronunciar-se sobre os montantes debitados em data anterior a Setembro de 2011, nomeadamente no que se refere aos IMIs, está a cometer excesso de pronúncia, posto que se debruça sobre questões que não constam dos temas da prova, que não foram colocadas à apreciação do tribunal de 1ª instância, tendo apenas surgido já em sede de recurso e que já tinham inclusivamente sido objecto de apreciação por outro Tribunal, em momento anterior, nulidade esta consagrada no artigo 615.º n.º 1 alínea d) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC.

  23. Assim sendo, devem ser anuladas as alterações das respostas dadas quer ao ponto 7.º, quer ao ponto 35.º da matéria de facto dada como provada, pois que os fundamentos utilizados para proceder a tais alterações resultam do facto de o Tribunal da Relação ter conhecido de questões de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT