Acórdão nº 048/21.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução01 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A……………..

, LDA, devidamente identificada nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega, para o efeito, que o acórdão ora recorrido, proferido pelo TCAS em 29.10.2020, já transitado, está em contradição com o acórdão proferido igualmente por esse TCAS, em 10.05.2018 (Proc. n.º 229/11.6BELLE), também ele transitado em julgado, consubstanciando este último o acórdão fundamento.

  1. A A., ora recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 4 a 18 – paginação SITAF): “I – O Acórdão recorrido (processo 343/11.8BELLE) e o Acórdão fundamento (processo 229/11.6BELLE) foram ambos proferidos pelo TCA Sul, respectivamente em 29.10.2020 e 10.05.2018, ambos já devidamente transitados em julgado, no âmbito da mesma situação fáctica e relativamente à mesma questão fundamental de direito, e decidiram de forma oposta, pelo que entre eles existe contradição que justifica a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152º do CPTA.

    II – A situação fáctica no âmbito da qual os referidos Acórdãos se pronunciaram é exactamente a mesma ou seja: Em ambos os casos o Mercado Municipal de Faro, SA, celebrou com operadores do Mercado Municipal de Faro um contrato de utilização do espaço exactamente do mesmo teor, designadamente o da sua cláusula 2ª que previa um prazo de 12 meses renovável automaticamente até à sua caducidade em 11.12.2025, podendo ser denunciado pelo operador com 60 dias de antecedência relativamente a cada uma das renovações, sendo que em ambas as situações o MMF, SA, denunciou o contrato por carta de 13.11.2010 dirigida aos operadores com efeitos para 31.01.2011.

    III – A questão fundamental de Direito em ambos os Acórdãos é a mesma, ou seja, a qualificação jurídica do contrato de utilização de espaço celebrado e respectivo regime jurídico aplicável, no sentido de saber se o aludido contrato, face ao disposto na sua cláusula 2ª, nº 1, pode ser denunciado (oposição à renovação) pelo Mercado Municipal de Faro, SA, antes do prazo da sua caducidade (11.12.2025) ou se tal faculdade está apenas reservada ao operador.

    IV – Apesar de em ambos os Acórdãos ter sido entendido que o contrato em causa não se configura como contrato de arrendamento mas antes como contrato atípico sujeito às regras próprias de funcionamento dos centros comerciais, aliás na esteira da jurisprudência firmada pelo STJ sobre tal matéria (AC do STJ de 1.07.2010 – processo 4477/05.0TVLSB.L1.S1), a decisão desta questão fundamental foi oposta: a) O Acórdão fundamento decidiu que o contrato não está sujeito às regras dos contratos de arrendamento, mas apenas as regras das suas próprias cláusulas acordadas em obediência ao princípio da liberdade contratual (artigo 405º e 406º do CC) e que, por isso, interpretada a cláusula 2ª do contrato, de acordo com as regras dos artigos 236º a 239º do CC, este vigorará até ao dia 11 de Dezembro de 2025, podendo ser denunciado no final de cada uma das renovações apenas e só pelo operador.

    1. O acórdão recorrido decidiu que, não obstante o nº 1 da cláusula 2ª do contrato não prever a possibilidade de denúncia do contrato por parte do Mercado Municipal de Faro, SA, a mesma encontra-se prevista no artigo 1054º do Código Civil, aplicável subsidiariamente, pelo que o mesmo Mercado Municipal de Faro, SA, podia opor-se à renovação do contrato, como o fez por carta de 13.11.2010.

    V – Verifica-se assim que os referidos Acórdãos do TCA do Sul decidiram a mesma questão fundamental do Direito, no âmbito da mesma situação de facto, de forma oposta pelo que se verifica contradição insanável entre eles, que justifica, nos termos do artigo 152º do CPTA, a admissão do presente recurso para prolação do Acórdão pelo Pleno da Secção deste Colendo Tribunal para uniformização de jurisprudência.

    VI – A questão é relevante, não só para as dezenas de operadores no Mercado Municipal de Faro que negociaram e celebraram contratos nesta parte absolutamente idênticos e viram os Tribunais proferir decisões antagónicas, mas também para os milhares de operadores espalhados pelos Mercados Municipais dos diversos concelhos, o que justifica a uniformização da jurisprudência sobre esta matéria.

    VII – A jurisprudência decorrente do Acórdão fundamento é a única que dá cumprimento ao princípio da liberdade contratual, prevista nos artigos 405º e 406º do CC, que decorre da qualificação jurídica dos contratos desta natureza (utilização de espaços em complexos comerciais) como contratos atípicos, subtraídos ao regime dos contratos de arrendamento por a eles se não coadunarem, na esteira da jurisprudência pacífica e firmada sobre os mesmos (vide AC. Acórdão do STJ citado), permitindo adequar os contratos às especificidades dos complexos comerciais como é o Mercado Municipal de Faro com mais de 50 operadores.

    VIII – Pelo contrário, o douto Acórdão recorrido mostra-se contraditório na sua fundamentação uma vez que depois de aceitar que o contrato em causa “não comporta um contrato de arrendamento (...) mas antes um contrato atípico”, entende que ao mesmo contrato se aplicam as regras próprias dos contratos de arrendamento previstas no artigo 1054º do CC (direito de oposição à renovação) e ainda por entender, por um lado que as regras do arrendamento se aplicam a este contrato atípico subsidiariamente e ao mesmo tempo que tais regras, afinal, se lhe aplicam imperativamente (artigo 1080º do C.C).

    IX – O douto Acórdão recorrido violou ainda as regras previstas nos artigos 236º e 238º do CC por as não ter aplicado na interpretação da citada cláusula 2ª do contrato em causa, no sentido que um declaratário normal apreenderia, ou seja, que o contrato deveria durar até 11.12.2025, a não ser, apenas, que o operador, e só este, o denunciasse antes dessa data.

    XI – É, aliás, esta interpretação que também dá maior equilíbrio aos interesses de ambas as partes, sendo certo que, porque que os operadores tiveram que efectuar grandes investimentos com os acabamentos e equipamentos do espaço, tinham a legítima expectativa que o contrato se prolongasse (salvo a sua vontade) até 11.12.2025 a fim de poderem obter retorno do investimento feito o que naturalmente nunca ocorreria ao fim de 12 meses.

    Termina pedindo que o presente recurso para uniformização de jurisprudência seja admitido e mereça provimento, “uniformizando a jurisprudência conforme ao Acórdão fundamento do TCA Sul de 10.05.2018 tirado no processo 229/11.6BELLE, determinando-se, face à contradição existente, a anulação do douto Acórdão recorrido e decidindo a questão controvertida”.

  2. Devidamente notificada, veio a R., ora recorrida, Mercado Municipal de Faro, EM, produzir contra-alegações, que conclui da seguinte forma (cfr. fls. 131 a 141 – paginação SITAF): “1. No caso em apreço, a Recorrente defende a existência de contradição entre o acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo, a 29.10.2020 (que julgou improcedente a ação intentada pela Recorrente), e o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal a 10.05.2018, nos autos do processo n.º 229/11.6BELLE.

  3. Sucede que, ao contrário do alegado pela Recorrente para fundamentar o presente recurso e a procedência da sua pretensão, não existe, em bom rigor, qualquer contradição entre os referidos acórdãos, pelo que presente recurso para uniformização de jurisprudência é, na verdade, inadmissível ao abrigo do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA.

  4. O facto de ambos os acórdãos em análise caracterizarem o contrato como um “contrato atípico de utilização de espaço público” não basta para que se possa concluir que estes acórdãos se debruçam sobre factualidade idêntica e, portanto, teriam de merecer a mesma solução jurídica.

  5. De resto, basta proceder à leitura e análise do acórdão fundamento, de 10-05-2018, para concluir que a tese da Recorrente falha desde logo num aspeto essencial: é que o motivo pelo qual a decisão entre estes dois acórdãos de jurisprudência diverge nada tem a ver com a natureza atípica do contrato em causa, mas sim com a prova que foi produzida no âmbito do processo n.º 229/11.6BELLE relativamente à autonomia das partes na elaboração do contrato, que não foi provada ou sequer invocada pela ora Recorrente, e que levou a que, naquele outro processo, se tenha concluído pela prevalência da vontade das partes, e não – como aconteceu nestes autos – pela prevalência do regime legal aplicável.

  6. Concretizando melhor, a divergência de soluções entre o acórdão proferido nestes autos e o acórdão proferido no processo n.º 229/11.6BELLE não resulta de um entendimento jurídico diferente para uma mesma factualidade.

  7. No caso concreto da ação da Recorrente, não foi invocado por esta em momento algum que o teor da cláusula em apreço teria resultado de uma negociação entre as partes, em que estas pretenderam impedir especificamente que o Recorrido pudesse denunciar o contrato antes do seu termo previsto para 2025.

  8. Essa prova foi realizada apenas (!) no âmbito do processo do acórdão fundamento, tendo, por isso, conduzido ao entendimento jurídico desse acórdão de que aquela cláusula não representa para o Recorrido “uma manifestação típica de abuso de direito por parte da recorrente” atendendo a que ficou demonstrado (nesse processo) que aquele específico sacrifício foi negociado e aceite pelo recorrido e, portanto, prevalecendo a vontade das partes ao abrigo do princípio “pacta sunt servanda”.

  9. No caso dos autos, como já se destacou, não foi pretendido nem aceite pelo recorrido qualquer sacrifício, e muito menos foi produzida qualquer prova neste sentido – possibilidade legal que, de resto, atualmente já se encontra excluída.

  10. Por conseguinte, andou bem o acórdão recorrido ao limitar-se a subsumir o direito aos factos efetivamente provados neste processo, o que fez...

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