Acórdão nº 01159/04.3BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCristina da Nova
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* 1. RELATÓRIO G., Lda.

, vêm recorrer da sentença que julgou improcedente a ação administrativa especial, com fundamento em extemporaneidade do pedido de revisão dos atos de liquidação do imposto automóvel submetido ao Diretor da Alfândega de Aveiro.

* Formula a recorrente, G., Lda.

, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem: «1 - A sentença recorrida é nula porque não especifica todos os fundamentos de facto que justificam a decisão. Com efeito, embora especifique as datas em que se verificaram as liquidações do IA, não especifica a data em que ocorreu a sua comunicação ao contribuinte, para que, assim, começasse a ser contado o prazo legal para o respectivo pagamento e, a partir do termo final deste, o prazo para a apresentação do pedido de revisão da liquidação do imposto à Administração Aduaneira.

2 - Desconhecendo-se o termo a quo para a contagem do prazo estabelecido para o pedido de revisão, também se desconhece o seu termo ad quem e, por consequência, não se sabe se foi ou não respeitado o prazo para formular validamente o pedido de revisão do acto de liquidação do IA.

3 - Impunha-se ao julgador, para decidir no sentido em que decidiu, que tivesse sido dada como provada a data em que se verificou a notificação de cada uma das liquidações do IA, o que não sucedeu.

4 - Assim, é sem fundamento suficiente de factos que o julgador concluiu e decidiu que os pedidos de revisão foram apresentados fora de prazo, pois se ignora quando terminava o prazo para formular tais pedidos.

5 - Tal vício consubstancia causa de nulidade de sentença, prevista na al. B) do n.º 1 do art. 669.º do CPC, por sua vez, determina a anulação do julgamento.

6 - Por outro lado, a sentença recorrida incorreu em erro quanto à matéria de direito, no tocante ao prazo aplicável ao pedido de revisão do acto de liquidação do IA, ao não aplicar o prazo de 4 anos, previsto no art. 78.º n.º 1 da LGT para os pedidos de revisão de um acto tributário, considerando aplicável, em seu lugar, o n.º 2 do art. 236.º do CAC, que estipula para o prazo de 3 anos para os casos de reembolso em que seja aplicável.

7 - Porém, a mencionada norma do CAC não é aplicável, por várias razões, passando-se a elencar algumas delas.

  1. - porque o próprio CAC não é aplicável ao caso de reembolsos de IA de veículos usados importados de outros Estados Membros da EU, pois que, como determina o n.º 1 do seu art. 1.º, aquele compêndio de direito comunitário apenas se aplica às trocas entre a Comunidade e países terceiros.

  2. - o prazo de três anos fixados no art. 236 n.º 2 do CAC diz respeito à comunicação do montante dos direitos ao devedor, sendo um prazo de caducidade da iniciativa de cobrança; ora, o que aqui se passa diz respeito ao prazo em que a AT pode revogar um acto ilegal, acto esse que já foi de cobrança e, assim, pressupostamente eficaz, como não é qualquer acto praticado para além de qualquer prazo de caducidade.

  3. - o prazo aplicável é o de quatro anos, previsto ao artigo 78.º da LGT, cujas norma se aplicam em geral às relações jurídico tributárias sem prejuízo da aplicação das normas especificas vigentes para o direito comunitário e noutras normas de direito internacional vigentes na nossa ordem jurídica interna, encontrando-se estas numa relação de especialidade com as normas da LGT, detendo primazia de aplicação nos concretos casos que regulam de acordo com o regime instituído na norma do art. 7.º n.º 3 do CC que determina que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se for outra a inteção inequívoca do legislador.

  4. - a norma do art. 236.º do CAC, que prevê o prazo de três anos para requerer o reembolso de direitos ilegalmente liquidados, não é aplicável aqui ao caso, por a mesma apenas abarcar o regime dos reembolsos dos direitos de importação ou exportação de mercadorias, não abarcando no seu âmbito o Imposto Automóvel (IA) como imposto interno que é, que, por isso, se encontra fora do seu campo de aplicação, e a que se aplicam as normas gerais sobre esta matéria, como a do art. 78.º da LGT.

  5. - mesmo que se pudesse entender que ao caso era aplicável a norma do n.º 2 do art. 236.º do CAC, o que apenas se admite como necessidade de raciocínio, ainda assim a pretensão da recorrente merecia provimento, pois que o prazo de três anos tem o seu termo inicial, não com o acto de registo da liquidação, mas sim a contar da data da comunicação dos referidos direitos ao devedor, como expressamente o n.º 2 do art.º 236.º impõe.

    Ora, o registo de liquidação ou inscrição contabilística da liquidação não é constitutivo dessa liquidação, mas sim o acto de contagem dos direitos pela autoridade aduaneira, o qual só é eficaz após a notificação ao responsável pelo seu pagamento.

    Como os pedidos de revisão dos actos de liquidação do IA foram apresentados à AT no prazo de 4 anos, a contar da própria liquidação do imposto, foi respeitada a norma aplicável, que é o n.º 1 do art. 78.º da LGT, pelo que, ao preferir o prazo de 3 anos, previsto em norma inaplicável, o art. 236.º do CAC e, em consequência, considerar extemporâneos os pedidos de revisão, o julgador incorreu em erro de direito.

  6. - o DL n.º 398/98, nos n.ºs 5 e 6 do art. 5.º, determina a aplicação retroactiva dos prazos de caducidade do direito de liquidação e de revisão do acto tributário aos factos ocorridos a partir de 01.01.1998, sem distinguir entre a revisão de actos tributários aduaneiros e não aduaneiros, pelo que a interpretação natural desta norma é a de que se aplica a todos os actos, uma vez que a LGT, por ele aprovada, está vocacionada para regular a generalidade das relações jurídicas tributárias, inclusivamente as aduaneiras, como expressamente se refere nos n.ºs 1, 2 e 3 do seu art. 1.º.

  7. - à face do art. 78.º da LGT e da regra especialíssima do art. 5.º do DL n.º 398/98, impõe-se concluir que o «reembolso» previsto no art 101.º da RA desapareceu, sendo substituído pelo novo regime, mais garantístico em relação aos direitos do contribuinte, mais consentâneo com a acentuação das preocupações legislativas com as garantias dos contribuintes, que são a directriz primacial da LGT.

  8. - a LGT é aplicável aos pedidos de revisão de actos tributários praticados pelas autoridades aduaneiras, uma vez que o seu art. 1.º determina a sua aplicação às relações jurídicas tributárias, englobando no conceito de administração tributária a DGAIEC e as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos.

    Não se pode afastar do campo da sua aplicação as normas tributárias contidas na RA, com base na ressalva da «legislação especial» feita na parte final do n.º 1 do art. 1.º da LGT, pois a RA e o RAL eram os diplomas gerais que regulavam as relações jurídicas estabelecidas com as autoridades aduaneiras que não eram reguladas pelo direito comunitário, isto é, os diplomas aplicáveis à generalidade das relações desse tipo sempre que não houvesse norma aduaneira especial.

  9. - a RA e o RAL são diplomas tão «gerais» como o era o CPT (o diploma «geral» para as relações jurídicas não aduaneiras) e, seguramente, mais «gerais» do que o CIRS, ou o CIVA, ou CIRC ou o CCA.

    Se se entendesse que a LGT não revogou as normas da RA e do RAL que com ela fossem incompatíveis, também se teria de concluir que não teria revogado as normas também incompatíveis contidas em todos estes códigos dos impostos, o que conduziria à conclusão de que as novas soluções contidas na LGT, que o legislador pretendia que fossem aplicadas generalizadamente, teriam um campo de aplicação bastante exíguo.

  10. - o art. 101.º da RA nem sequer é aplicável, por não se verificar, para requisito de que depende a sua aplicação, que sejam devidos simultaneamente «direitos de importação e outros impostos a cobrar pela alfândega».

    Não é aceitável afirmar-se que é «comum, na linguagem jurídica, a troca da disjuntiva pela copulativa». Tal cominação equivale a negar a interpretação correcta, em que tem de presumir-se que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º n.º 3, do CC). E naturalmente que, perante o arrolamento de vários requisitos ligados pela disjuntiva, se está perante requisitos alternativos e no caso de uso da copulativa se está perante requisitos cumulativos. E isso que se tem de presumir, uma vez que a interpretação das normas se faz à luz dos critérios enunciados no art. 9.º do CC.

  11. - sendo a hipótese prevista no art. 101.º da RA, na redacção dada pelo DL n.º 472/99, de 8 de Novembro, a de que «em consequência do mesmo facto tributário, forem devidos direitos de importação e outros impostos a cobrar pela alfândega», o campo de aplicação desta norma são as situações em que cumulativamente são devidos direito de...

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