Acórdão nº 098/19.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução30 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A………………………, SGPS, SA, melhor identificada nos autos, vem ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), na redação dada pela Lei n.º 119/2019 de 18 de Setembro, apresentar recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo nº 322/2019-T, o qual julgou totalmente improcedente os pedidos por ela formulados contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2014, no montante de 1.692.278,47.

Considerou que a referida decisão arbitral recorrida está em oposição com a decisão arbitral proferida no processo n.º 223/2018-T, datado de 10 de Dezembro de 2018.

  1. A recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 67 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: A) Na decisão arbitral ora recorrida estava em causa saber se era legal a autoliquidação de IRC (tributações autónomas) de 2014 da A…………, na medida, entre o mais e para o que aqui interessa, correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito SIFIDE, RFAI e CFEI.

    1. De onde que a questão principal que a recorrente pretendia ver esclarecida era se tinha ou não a A……………… o direito de proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, dos créditos de IRC por benefícios fiscais de que dispunha.

    2. A decisão arbitral decidiu, não obstante não negar que a tributação autónoma em IRC também é IRC, que a previsão normativa das deduções à colecta de IRC não se lhe aplicaria.

    3. E não se aplicaria, se bem se entendeu – e isto já releva do plano da apreciação do mérito da decisão recorrida (erro de julgamento ou julgamento acertado?) – porque em razão da particular natureza do IRC constituído pela tributação autónoma, o parâmetro das deduções à colecta inserido no artigo 90.º do CIRC não se lhe aplicaria.

    4. Este entendimento está em oposição com a decisão arbitral fundamento, proferida no processo arbitral n.º 223/2018-T.

    5. Com efeito, esta decisão arbitral fundamento transitada em julgado, decidiu a mesma questão fundamental de direito (dedução de benefícios fiscais, e por coincidência SIFIDE e RFAI também, à colecta da tributação autónoma em IRC) com respeito ao mesmo exercício fiscal de 2014 (entre outros), no âmbito do mesmo quadro legal, concluindo de modo oposto.

    6. Constatando igualmente que a colecta da tributação autónoma em IRC é IRC (nesta conclusão coincidem as decisões arbitrais em colisão), mais concluiu a decisão arbitral fundamento que o artigo 90.º do CIRC (e não só) se aplica a todas as parcelas de IRC (colecta do IRC de base, colecta da derrama estadual e colecta da tributação autónoma), não havendo por conseguinte base legal para afastar a dedução à colecta da tributação autónoma em IRC de créditos de IRC detidos pelo contribuinte, designadamente créditos adquiridos no âmbito de regimes de benefícios fiscais (como o SIFIDE, o RFAI, etc.).

    7. Uma vez que a previsão do artigo 90º (n.º 2) do CIRC de deduções à colecta de IRC de benefícios fiscais que operem desse modo, não exclui parcela alguma da colecta de IRC.

      A improcedência do argumentário específico da decisão arbitral recorrida, e seu contraste com o acórdão fundamento I) A decisão arbitral recorrida viola o artigo 90.º do CIRC, mais especificamente a alínea c) do seu n.º 2 (na numeração em vigor em 2014).

    8. A decisão arbitral recorrida esquece-se que o artigo 88.º do Código do IRC se limita à especificação da matéria tributável e das taxas das tributações autónomas, do mesmo modo que os artigos 87.º, e anteriores, do CIRC, recortam a matéria colectável e taxas do IRC sobre o lucro, e bem assim a matéria colectável e taxas da derrama estadual.

    9. Daí que para todas as parcelas da colecta de IRC (as resultantes dos artigos até ao 87.º, e a resultante do artigo 88.º), seja incontornável a aplicação dos artigos 89.º e seguintes, incluindo por conseguinte o artigo 90.º do CIRC, ou de outra forma não haveria modo procedimental (e isso é reserva de lei) de proceder à liquidação das tributações autónomas.

    10. Daí que, isso é incontornável, quando os artigos 89.º e 90.º do CIRC se referem ao IRC, designadamente ao seu apuramento, à liquidação da respectiva colecta, se estejam necessariamente a referir a todo o IRC, incluindo o gerado pelas tributações autónomas.

    11. Nas palavras da decisão arbitral fundamento, citando e aderindo para o efeito ao que se raciocinou no acórdão arbitral proferido no processo n.º 134/2017-T (Conselheiro José Baeta de Queiroz, Dr. Luís Pereira da Silva e Dra. Eva Dias Costa), que se passam a transcrever (sublinhados nossos): “Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria colectável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

      Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. (...) Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.

      Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação.

      Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.”.

    12. Este trecho diz muito. Sobretudo, para o que aqui agora interessa, mostra as fragilidades e falta de resposta da decisão arbitral recorrida para esta questão: se não considera que no artigo 90.º se fala da liquidação do IRC como um todo, onde estão então as normas que lidariam com a liquidação das tributações autónomas em IRC em especial? O) Normas que se não confundem com as normas de incidência e taxas, que essas sabemos bem onde estão para as tributações autónomas (artigo 88.º do CIRC), e para as outras parcelas de IRC (artigos 87.º e anteriores do CIRC), nem isso alguma vez foi controvertido.

    13. Recorde-se que a decisão arbitral recorrida começa por tomar posição acerca da natureza das tributações autónomas, no sentido de que estas são ainda IRC, em linha com a jurisprudência unânime, quer arbitral quer do STA (um IRC acessório, que gravita em torno do IRC dito principal, contribuindo para a função deste, como se expressa a decisão arbitral recorrida).

    14. Mas depois, num salto para o qual nenhuma base legal é capaz de apontar, acrescenta que a sua qualificação como IRC não tem de conduzir à conclusão de que o apuramento das tributações autónomas segue o regime-regra da liquidação do IRC. Que regime segue então, se nenhum outro há no IRC e estamos perante matéria de reserva de lei? Sobre isto, silêncio.

    15. A decisão arbitral recorrida parece igualmente não querer compreender que as normas de liquidação são reserva de lei, e por conseguinte não podem ser consagradas senão por lei. Lei esta que consagrava à data dos factos um único e unitário processo de liquidação para todo o IRC (incluindo derramas e tributações autónomas), no seio do qual regulamentou também (sem excepcionar parte alguma do IRC) as deduções à colecta.

    16. Um intérprete-tipo como o da decisão arbitral recorrida pode ir tão longe quanto quiser, pode ignorar as leis que quiser, bastando-lhe para tanto invocar a finalidade da tributação e corolários que daí subjectivamente lhe pareça ser de retirar, para afastar lei aplicável e pôr no seu lugar norma especial em matéria de reserva de lei, por si erigida em substituição da lei.

    17. A este intérprete-tipo seria igualmente possível, por exemplo, assentar em que a derrama estadual foi criada para acudir a uma crise financeira e orçamental (e isso é inteiramente verdade), e por conseguinte não faz sentido aplicar-se-lhe deduções à colecta, ou, dito eufemisticamente, não seria de lhes aplicar o regime geral de liquidação do IRC, e por conseguinte não o aplicar, impedindo as deduções à colecta previstas por quem de direito, sem qualquer excepção até 2015 inclusive.

    18. Faz algum sentido ir por aí? Isso não é um claro e grave erro de julgamento? Não configura isto uma substituição do legislador por potenciais dezenas ou centenas de aplicadores da lei e respectiva casuística de cada um? V) Com a agravante de no caso da tributação autónoma não haver sequer aquela desculpa que se poderia arranjar para efeitos da derrama estadual.

    19. Que desculpa para ignorar lei expressa (e sem excepções à data dos factos – exercício fiscal de 2014) invoca então a decisão arbitral recorrida...

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