Acórdão nº 149/09.4BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA FLORA
Data da Resolução24 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que julgou procedente a impugnação apresentada por I... – S…, Lda, contra a liquidação de IVA e juros compensatórios referentes aos períodos tributários compreendidos entre 0509T e 0703T, no valor total de € 220.800,43.

A Recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: I. A sentença recorrida definiu que a "questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se os contratos celebrados pela impugnante que foram objecto de análise pela Administração Fiscal devem, ou não, ser isentos de IVA." II. E alicerçando o decisório nos factos apontados, julgou "não restam dúvidas que não estamos perante verdadeiros contratos de locação de imóveis ..." (§ 6.° da pág. 27 da sentença), "o contrato celebrado com a V..., Lda. é um contrato de "locação" sui generis, diferente dos contratos típicos que o legislador pensou no art. 9º do CIVA" (§ 5.° da pág. 27 da sentença), e " Relativamente aos outros contratos celebrados pela impugnante, nomeadamente com a S..., Lda., por maioria de razão também não se subsumem ao nº 29 do art. 9º - este é claramente um contrato de utilização de espaço comercial" (§ 2.° da pág. 28 da sentença), III. Não podemos deixar de dissentir da decisão proferida por duas ordens de razões: seja por erro na apreciação da matéria de facto, seja por erro na apreciação da matéria de Direito, mas também, pela aparente contradição entre o facto dado como provado na alínea I) - leia-se fundamentação do RIT - e a decisão proferida em sentido totalmente oposto ao que resulta provado.

  1. Orientando-nos por uma necessária sequência cronológica dos factos que para aqui relevam, temos o seguinte.

  2. A 21-07-2005, a Ite assumiu o encargo de pagamento de imposto (IVA) de € 165.118,64, liquidado na factura n.° 1394, correspondente à contrapartida da cessão de posição contratual da locatária S... - Supermercados, Lda, no contrato de locação financeira que esta detinha com a C... - Intituição Financeira de Crédito S.A, e, ampliação de objecto do mesmo em face da aquisição da propriedade plena pela instituição financeira efectuada no mesmo negócio.

  3. Cerca de um mês após o primeiro contrato, concretamente a 26-08-2005, celebrou um contrato denominado de "Contrato de sublocação comercial de duração limitada", com a sociedade V... - Vestuário e confecções Lda.

  4. E a 01-01-2006 outorgou com a sociedade S... - Supermercados, Lda, um contrato designado de "Contrato de utilização de espaço em área comercial.

    VIII.

    Em sede de IVA, a Ite deduziu o imposto suportado nos pagamentos efectuados no âmbito da locação financeira e liquidou IVA no respeitante aos recebimentos no âmbito destes identificados contratos. E desse modo solicitou à AT o reembolso de IVA que entendeu ser-lhe devido pelas operações que realizou e contabilizou.

  5. Quanto à questão essencial, a discordância entre a AT e a Ite reside efectivamente na qualificação de ambos os contratos celebrados, i.é, se locações isentas de IVA, nos termos do à data n.° 30 do artigo 9.° do CIVA (actual n.° 29 do mesmo artigo), se prestações de serviços a que se referem os artigos 1.° e 4.°, n.° 1 do mesmo Código, sujeitas e não isentas de IVA.

  6. Tendo presente os direitos e deveres que emergem das cláusulas dos contratos examinados, bem como dos elementos da contabilidade, não merecem quaisquer reparos as conclusões da AT, plasmadas no RIT e reproduzidas na sentença proferida no Tribunal a quo.

    Tratam-se de verdadeiros contratos de locação de imóvel, tal como previstos nos artigos 1022.° do CC e 9.°, n.° 30 (actual 29) do CIVA.

  7. Concede-se que possam ter sido outorgadas cláusulas nesses contratos que ultrapassam o clausulado de um simples contrato de locação, porém tais cláusulas, não fazem desconsiderar a natureza de locação inerente a esses contratos, tratando-se apenas de meras cláusulas acessórias (neste sentido, porém numa perspectiva mais abrangente por se referir a prestações de serviços e não apenas clausulas contratuais, reproduzimos acima, excertos colhidos na mui douta e esclarecida jurisprudência - (Ac. STA de 29-06-2011, Proc. 0497/11) XII. E, em face da extrema importância que o direito à dedução do IVA encerra, traduzindo mesmo, uma das principais características do mecanismo essencial de funcionamento do tributo, bem como, ao seu formalismo legalmente determinado, por imposição, tem de ser comunicada a opção expressa, do sujeito passivo, de serem tributadas as suas operações isentas, como condicionante para que a renúncia possa ser conhecida e reconhecida pelos competentes serviços da AT, o que in casu não sucedeu.

  8. Centrando-nos agora no primeiro contrato (celebrado com a sociedade V...), destacámos acima o seu clausulado (com sublinhado nosso), para efeito de comprovação, da precisão, rigor e legalidade das alterações processadas pela AT e impugnadas pela recorrida, clausulas que encerram efectivamente a celebração de um contrato de locação.

  9. Ficou comprovado que a sublocatário arrendou por dez anos (contrato renovável), com a contrapartida de pagamento de uma renda mensal, um imóvel inacabado, por isso, sem licença de utilização (logo, "paredes-nuas"), assumindo todas as responsabilidades e deveres de um locatário (sublocatário), para instalar/criar ele próprio, um estabelecimento comercial (inexistente à data). Este contrato rege-se pelas disposições contidas no artigo 110.° e seguintes do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), pelo que fica sujeito ao disposto nos Artigos 98° a 101° do RAU, por força do n.° 2 do Art. 117° do mesmo, assim como pelas demais disposições do Código Civil aplicáveis.

  10. E, mesmo a cláusula que na douta sentença recorrida vem destacada como capaz de distinguir uma qualificação diversa do contrato, que sublinhe-se, as próprias partes quiseram qualificar como locação, que diz — "Aliás, paradigmática, é a cláusula décima segunda do contrato celebrado com a V..., a qual refere o seguinte: «Quatro A Locatária não pode concorrer comercialmente com a Sublocatária (…) § Ora se bem atentarmos, tal clausula tem uma forte componente de gestão (...)" (in pág. 27 da sentença recorrida), não logra tal efeito.

  11. Salvaguardando a consideração pela conclusão proferida, diremos que a referida cláusula acessória, mais não é do que uma simples cautela a fim de se precaver a concorrência, susceptível de causar prejuízo ou menor lucro do que seria expectável pela sublocatária, e que fará todo o sentido que conste num contrato de locação de um imóvel destinado a comércio. É normal que o arrendatário por exemplo, acautele, que um senhorio, no arrendamento de duas ou mais lojas num mesmo espaço ou prédio, não lhe faça concorrência ou sequer permita a criação por ulteriores arrendatários, de estabelecimentos comerciais que desenvolvam a mesma actividade. Não se trata de uma condicionante de gestão do próprio negócio que irá ser criado e desenvolvido pelo sublocatário XVII. E se pensarmos na alegada função de gestão da Recorrida, ainda menos se compreende o sentenciado, considerando que, se fosse efectivamente uma norma de gestão, i.é de administração ou gerência, seria de auto - gestão, porquanto vincula ou condiciona apenas a Locatária.

  12. Em suma, não é devido IVA. porque o locador não está propriamente a prestar um serviço, mas apenas a arrendar um espaço vazio que outrem irá explorar, criando ele próprio um estabelecimento comercial (inexistente à data), e só este receberá dos utentes a contraprestação do serviço prestado, dos quais deverá receber o respectivo imposto.

  13. Já no concernente ao segundo contrato igualmente fundamento da controvérsia nos presentes autos, verificamos que também foi pretendido, assemelhá-lo, desde logo pela sua denominação, a um contrato de loja em centro comercial, para os quais resulta assente na AT, que são sujeitos e não isentos de IVA.

  14. Porém, resulta do probatório, maxime RIT (que colheu junto do Parecer 51/2005 do Centro de Estudos Fiscais algumas das características que logram distinguir estes contratos de lojistas em centros comerciais, dos contratos de arrendamento), que também este contrato não pode revestir esta natureza de utilização ou cedência de loja em espaço ou centro comercial, (vd conclusões acima reproduzidas em 72., fixadas na mui ilustre jurisprudência - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 2357/07.3TVLSB.L1-1 de 24-04-2012) XXI. Concretizando, quanto ao outorgado no segundo contrato em referência (celebrado a 01-01- 2006 com a "S... - Supermercados Lda"), destacámos acima o seu clausulado (com sublinhado nosso), cláusulas que o descaracterizam, que o distinguem de todos os outros contratos não abrangidos pela correcção da AT, impossibilitando quanto ao mesmo a sua consideração como utilização de um espaço enquadrado num conjunto comercial.

  15. Ficou comprovado, que através do referido contrato foi locado um imóvel pelo prazo de dez anos (contrato renovável), com a contrapartida única de pagamento de uma renda, que se encontrava vazio (logo, "paredes-nuas"), sem quaisquer contrapartidas adicionais e autonomizadas respeitantes às prestações de serviços da entidade gestora, presentes em todos os contratos de cedência de loja em centro, espaço ou unidade comercial.

  16. As diferenças existentes, são a nosso ver, efectivamente suficientes para não ser susceptível de enquadramento na noção de lojista em numa unidade comercial ou centro comercial este segundo contrato em análise, pese embora a idêntica designação.

  17. Acresce, conforme RIT (e já antes sublinhado em sede de contestação com junção dos balancetes gerais da Ite, de 2005 a 2007), que a recorrida não contabilizou custos de gestão capazes de fazer face ás necessidades do alegado "conjunto...

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