Acórdão nº 2898/14.6BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | SUSANA BARRETO |
Data da Resolução | 24 de Junho de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por R..., S.A.
, contra a liquidação adicional de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), do ano de 2008, no montante de € 1.278.140,66, bem como as liquidações adicionais de juros compensatórios de € 183.034,64 e € 10.827,54, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.
Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto na sequência da Douta Sentença proferida no âmbito do processo identificado em epígrafe, a qual, julgou “[a] presente impugnação é procedente”, com o fundamente de se encontrar “verificada a preterição de formalidade consistente na falta de notificação do relatório da inspeção antes da liquidação impugnada sendo que tal preterição vicia o ato de liquidação daí resultante.”; 2. Com todo o respeito, que é muito, como se demonstrará infra, não podemos concordar, de todo, com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, por a mesma padecer de vício de violação de lei (artigo 54.º, n.º 1, alínea b) da LGT, artigo 44.º, aliena b), artigo 59.º, n.º 1, e artigo 62.º, n-º 2, todos do CPPT) e de erro nos pressupostos de facto e de direito, não devendo por isso ser mantida; 3. Para decidir como decidiu, o tribunal a quo, depois de definir as “QUESTÕES A DECIDIR”, efetuar um percurso cognitivo pelos “FACTOS PROVADOS” e uma “ANÁLISE FACTO-JURIDICA”, aplicável aos mesmos, conclui, depois de um percurso cognitivo sobre a legislação, jurisprudência e doutrina que entendeu aplicável, que: “Nos termos do artigo 62.º, n.º 2, do RCPIT, o procedimento de inspeção considera-se concluído na data da notificação do relatório final do contribuinte.”, pelo que, “Houve, assim, preterição de uma formalidade: as liquidações impugnadas foram elaboradas antes da conclusão do procedimento inspetivo.”; 4. Logo, sentenciou: “(…) sem necessidade de mais considerações, encontra-se verificada a preterição de formalidade consistente na falta de notificação do relatório da inspeção antes da liquidação impugnada sendo que tal preterição vicia o ato administrativo da liquidação daí resultante. Termos em que, com este fundamento, a presente impugnação é procedente.”; 5. Com dissemos e reiteramos, não podemos concordar com tal decisão, desde logo por entendermos não ter ocorrido, com a atuação da administração tributária que se descreveu, a preterição de qualquer formalidade, seja ela natureza essencial, ao não essencial, que aliás o tribunal aliás não qualificou 6. Em face dos factos dados como provados, duvidas não existem que a questão a resolver nos presentes autos é a de saber se a AT está, ou não, impedida de após a conclusão do relatório final e da emissão da notificação do mesmo aos sujeitos passivos, como a Impugnante, de exercer o direito à elaboração e emissão da liquidação, a qual só vem a ser formalmente notificada àqueles em data posterior à da notificação do mencionado relatório.
7. Seja ela qual for a natureza de um procedimento, grosso modo, para que ocorra a preterição de uma formalidade é necessário que o aplicador do direito deixe de cumprir as formalidades de conduta previstas na norma legal às quais se encontra vinculado, no fundo, quando o ato administrativo seja emitido sem a observância das formalidades prevista e exigidas por lei, que a doutrina e a jurisprudência classificam de essenciais ou não essenciais, consoante seja ou não dada satisfação aos interesses que a lei tem em vista ao prevê-las; 8. Ao contrário do vício por preterição de forma legal, que respeita ao modo de exteriorização do ato administrativo, os vícios por preterição de formalidades previstas na lei, como sendo a falta de fundamentação do ato ou a omissão de audição dos interessados, têm natureza essencial e são por norma anteriores à prática ato e poderão determinar a sua invalidade, sendo igualmente suscetíveis de anulação nos termos previstos no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA); 9. Dúvidas não existem que sem a previsão legal de uma determinada conduta não se verifica a ocorrência de um qualquer vício, quer de forma, quer por preterição formalidades, que implique a validade do ato administrativo; 10. Para que ocorra a pretensa preterição de formalidades é necessário a existência de uma norma que impeça a Administração tributária de praticar a conduta censurada e, caso exista, se a conduta é geradora de nulidade do ato ou somente da sua anulabilidade, sem descurar por ventura, a eventual aplicação, no caso concreto, do princípio do aproveitamento do ato administrativo inquinado, que o tribunal não fez, tendo presente o disposto no n.º 3 do artigo 162.º do CPA, aplicável ex vi., artigo 2.º alínea c) do CPPT; 11. Percorrendo a legislação aplicável, designadamente a referenciada pelo douto tribunal a quo, resulta claro, que em face do disposto no n.º 2 do artigo 62.º do RCPIT, que o procedimento de inspeção se considera concluído na data da sua efetiva notificação aos sujeitos passivos objeto dessa mesma inspeção, devendo o relatório ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no artigo 60.º, também do RCPIT, que determina, como prazo ordenador, que o relatório definito será elaborado no prazo, também de 10 dias, após a entidade inspecionada se pronunciar, ou não, em sede de audição prévia 12. No caso dos presentes autos, resulta provado, que a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição do projeto de relatório de inspeção, que não exerceu, em 31.10.2012, consequentemente, foi elaborado relatório final, cuja conclusão ocorreu em 22/11/2012, com o despacho de concordância do Diretor de Finanças Adjunto, e para efeitos de conclusão do procedimento inspetivo emitida notificação do relatório final, a qual ocorreu em 27/11/2012; 13. No que respeita ao procedimento de liquidação previsto na alínea b) do artigo 44.º do CPPT, o artigo 59.º, n.º 1, também do CPPT, determina que o mesmo será instaurado tendo por base as declarações dos contribuintes, ou, na falta ou vicio destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente que, no caso de a fixação de matéria ou a revisão da matéria coletável tributável dever ter lugar, por procedimento próprio, como é o caso do procedimento de inspeção, a liquidação efetuar-se-á de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso se esta violar manifestamente competência legais. É o que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 62.º do CPPT.
14. Ora, as normas tributárias aplicáveis nada estipulam no que concerne ao termo inicial do procedimento de liquidação, apenas mencionam que o mesmo será efetuado tendo por base as declarações dos contribuintes, ou, na falta ou vícios desta, em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente e que, no caso de a fixação de matéria ou a revisão da matéria coletável tributável a liquidação efetuar-se-á de acordo com a decisão do próprio procedimento em que ocorreu a fixação ou revisão da matéria tributável, nada se estabelecendo que o mesmo só pode ter inicio após a notificação do relatório de inspeção; 15. Logo, em conclusão, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, por falta de estipulação legal, não pode considerar-se que existe uma preterição de formalidades invalidante do ato de liquidação do tributo controvertido nos presentes autos, pelo facto da a mesma ter sido emitida (elaborada) após a conclusão do relatório final de inspeção, em simultâneo com a emissão da notificação do mesmo à Impugnante, o qual veio a ser formalmente notificado à Impugnante em 27/11/2012, depois da emissão daquela liquidação (mas muito antes da sua efetiva notificação, que apenas ocorreu em 31/12/2012; 16. O que resulta e extrai da lei, é que somente apenas antes da elaboração do relatório final de inspeção, no qual é efetuada a identificação e sistematização dos factos detetados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente, descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, é que a AT está impedida, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que a mesma se deve basear; 17. Após a conclusão do relatório final nada a impede a AT de iniciar e emitir a liquidação resultante de um procedimento de inspeção, antes da notificação do relatório final ao sujeito passivo, mas depois da conclusão do mesmo; 18. Assim ao contrário do decidido pelo douto tribunal a quo, na decisão ora sob recurso, reitera-se, inexiste qualquer preterição de formalidades invalidade da liquidação mediatamente controvertida, dado não resultar de lei a existência de qualquer norma vinculante que impeça a AT emitir uma liquidação em data anterior à notificação do relatório final de inspeção e proceder à liquidação da mesma em data muito posterior; 19. Por assim não o entender, deve a sentença colocada em crise nos presentes autos se revogada e substituída por outra que espelhe uma correta aplicação do direito, que mantenha na ordem jurídica a liquidação adicional de IVA, mediatamente colocada em crise nos presentes autos, tendo presente os inalienáveis princípios da legalidade e do interesse público, consagrados constitucionalmente; 20. Caso assim não se entenda o que por mera hipótese académica se admite sem conceder, sempre a decisão ora sob recurso não poderia proceder dado a necessidade de aplicação à matéria controvertida do princípio de aproveitamento dos atos inválidos, como se demostrará; 21. Como sabemos o procedimento administrativo de liquidação tributária é composto por uma série de atos dirigidos à concreta...
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