Acórdão nº 618/20.5T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução01 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Nos presentes autos veio C. T. intentar contra I. M. e LAVANDARIA X, Unipessoal, Lda, ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma de processo especial pedindo para o efeito que se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo e a condenação das RR. no pagamento das quantias indemnizatórias daí decorrentes. Para o efeito a aqui demandante veio apresentar o formulário correspondente ao seu pedido de impugnação judicial do despedimento que lhe foi aplicado enquanto sanção disciplinar, acompanhado da respetiva decisão.

As demandadas vieram deduzir o seu articulado inicial, alegando que a A. celebrou contrato de trabalho com a R. pessoa singular em 1993, para exercer as funções correspondentes à categoria de rececionista/engomadora, tendo-se mantido no exercício das suas funções até dezembro de 2019. Em 21/11/2019 a R. constituiu uma sociedade unipessoal, tendo transferido para a mesma os vínculos laborais que mantinha com os seus funcionários, entre eles a A.

Quanto ao objeto do procedimento disciplinar instaurado à demandante, afirma a R. que foi elaborada nota de culpa, onde constam os factos imputados à mesma que pela sua gravidade são, no entender da demandada, incompatíveis com a manutenção do vínculo laboral e que reiterou no articulado em apreço.

Conclui, assim, no sentido de que a presente ação deverá ser julgada improcedente e as RR. absolvidas, considerando-se o despedimento lícito.

Por seu turno, a A. veio deduzir articulado de contestação/reconvenção, alegando para o efeito e em síntese, que a R. pessoa singular deverá ser julgada parte legítima para intervir na presente lide e quanto ao procedimento disciplinar que lhe foi instaurado a demandante afirma que foi sempre uma trabalhadora responsável e zelosa, nunca se tendo dirigido à R. de forma desrespeitosa. Tendo-lhe sido comunicado em 17/01/2020 que deveria ir de férias no dia 20 desse mesmo mês, a A. recusou-se a fazê-lo, por não ter organizado a sua vida pessoal nesse sentido. Tendo-se apresentado ao serviço naquele dia, foi impedida de retomar o seu posto de trabalho pela R. e pelo seu cônjuge que a forçaram a sair. Quanto aos demais factos que lhe são imputados, a A. nega a sua veracidade e afirma que alguns daqueles se encontram já caducados face ao prazo de 60 dias imposto pelo art. 329º nº 2 do Cód. do Trabalho.

Em sede de pedido reconvencional a A. alega que trabalhou para a R. pessoa singular durante 27 anos e 4 meses de forma ininterrupta, até 28/03/2020, sendo que o seu último montante de remuneração mensal ascendia a € 635,00, pelo que em termos de indemnização pela antiguidade, decorrente da ilicitude do seu despedimento, a respetiva indemnização ascenderá a € 34.713,33.

A este montante acrescem ainda as retribuições vencidas e vincendas desde a data do seu despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão final aqui a proferir.

Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente.

Inconformada a autora interpôs recurso apresentado em extensas conclusões e resumidamente as seguintes questões: … 2º A recorrente insurge-se contra a matéria de direito, considerando quo o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta aplicação da lei, e quanto à matéria de facto, considerando-se que verificou uma incorreta análise e valoração da prova e, consequentemente, incorreta interpretação e aplicação da lei, pois deveria ter dado como não provado os factos n.º 2, 22, 29 e 30 e como provado o facto n.º 1.

3º A Autora não tem quaisquer antecedentes disciplinares.

… 6º O despedimento com justa causa imputável à aqui Autora consubstanciou-se no único facto de esta se ter recusado a gozar férias no seguimento da Ré ter ordenado, numa sexta-feira ao final da tarde, o início do gozo de férias na segunda-feira seguinte.

7º A Autora recusou-se a gozar férias pelo facto de as mesmas não estarem agendadas no mapa de férias, além da Ré ter ordenado a Autora a gozar férias de um “dia para o outro.” 8º. Portanto, o processo disciplinar instaurado à Autora e resultando na decisão de despedimento com justa causa foi consequência, apenas, por esta ter reivindicado junto da Ré o direito à marcação do gozo de férias no mapa de férias e com a devida antecedência.

9º O Tribunal a quo, na sentença, deu indevidamente importância a uma suposta não utilização de um crachá identificativo da Autora.

10º Do depoimento de parte da Autora, resulta, desde logo, a forma como a Ré marcava as férias das suas funcionárias, inclusive da aqui Autora.

11º Tendo a Autora comunicou e fundamentado à Ré os motivos pelos quais se recusou a gozar férias ordenadas de um dia para o outro.

12º As únicas férias agendadas e marcadas no mapa de férias eram aquelas que a Autora e demais funcionárias escolhiam para o gozo de férias, o que não acontecia com as férias agendadas pela entidade patronal, pois ordenava o gozo de férias de forma arbitrária e a seu belo prazer e de acordo com as suas conveniências de circunstância.

… 14º No entanto, ao atendermos às declarações da testemunha I. C. ficamos totalmente elucidados quanto à forma arbitrária como o gozo das férias eram ordenadas pela Ré e contrária à vontade das suas funcionárias, incluindo a Autora, tendo sido manifestado a devida discordância, ao contrário da interpretação do Tribunal a quo… … 16º No que diz respeito à alegada não utilização do crachá por parte da Autora, a Ré no articulado da Petição Inicial não faz qualquer referência temporal (hora/dia/mês/ano) ao momento em que supostamente não cumpriu as ordens da Ré ao não utilizar à lapela do crachá identificativo.

17º Além de, não é verdade que a Autora, em momento algum, se tenha recusado a usar o crachá identificativo com o seu nome na sua lapela, tendo este alegado facto sido contestado através do artigo 39º da Contestação… … 20º No entanto, o Tribunal a quo relevou este facto indevidamente ao considerar que “o mesmo se diga quanto à inobservância da obrigação na utilização do crachá com o seu nome, que embora não se possa considerar como uma transgressão grave em termos da análise do comportamento da A. é ainda assim relevante para que se pondere do modo como claramente não acatava todas as instruções/diretivas emitidas pela sua entidade empregadora, persistindo numa conduta violadora dessas instruções que reiteradamente lhe eram transmitidas.” … 28º O facto de a Ré ter tido permanentemente este comportamento ao longo da sua atividade empresarial de ordenar às suas trabalhadoras, de um dia para o outro, para irem gozar férias não pode significar que fosse aceitável infinitamente por parte da Autora e, sobretudo, caucionado legalmente pelo Tribunal a quo.

29º O Tribunal a quo fundamentou a licitude do despedimento com justa causa imputável à Autora, essencialmente, com a justificação de que esta ao recusar-se a ir de férias de um dia para o outro e ao apresentar-se ao trabalho nos dias seguintes desafiou “…a autoridade da sua entidade empregadora e tentando fazer prevalecer a sua vontade, quer quanto ao gozo de férias, quer quanto ao uso do crachá identificativo das trabalhadoras da R.” 30º Desde logo, já se demonstrou na impugnação da matéria de facto que nunca houve qualquer desentendimento entre a Autora e a Ré quanto ao uso do crachá identificativo.

31º Pelo que, o Tribunal a quo considerou este alegado facto indevidamente como justificação para fundamentar a licitude do despedimento.

32º Quanto à marcação do período de férias, o Tribunal a quo faz uma interpretação e aplicação da lei inadequada ao presente caso concreto.

33º Resulta claramente provado da audiência de julgamento que a Ré nunca afixava o mapa de férias com o agendamento das férias por si estipuladas.

34º Ou seja, apenas era afixado no mapa de férias o agendamento do gozo das férias das funcionárias e da aqui Autora.

35º No entendimento do Tribunal a quo, o facto de “…a R. empregadora logrou demonstrar que o procedimento nesta comunicação foi sempre o mesmo ao longo dos 26 anos de vigência do contrato de trabalho…” é motivo suficiente para a mesmo continuar a violar o estipulado na lei quanto à marcação do período de férias.

… 39º Ora, este entendimento não pode nem deve ser aceitável à luz da norma do art.º 241º do Código do Trabalho.

… 42º Ou seja, competia à entidade patronal encetar, anualmente, um acordo com a Autora para a marcação do período de férias a ser gozado por esta.

43º E, na eventualidade de não ser possível este acordo, então, a Ré podia marcar o período de férias por sua iniciativa e afixando o mesmo no mapa de férias dentro do período de férias entre 1 de maio e 31 de outubro (n.º 3 do art.º 241º do Código do Trabalho), o que nunca aconteceu.

44º Nem tão pouco a Ré tomou a iniciativa de chegar a acordo na marcação do gozo das férias Autora após esta se ter oposto ao gozo das férias ordenadas de um dia para o outro.

45º No entanto, no entendimento, errado, do Tribunal a quo, este acordo parece poder ser vitalício, ou seja, durante toda a vigência do contrato de trabalho.

46º O facto de durante muitos anos seguidos a Ré ter ordenado arbitrariamente o gozo de férias da Autora e esta ter gozado as férias, apesar de mostrar a sua discordância, no entendimento do Tribunal a quo, significa que existia um acordo vitalício quanto ao agendamento da marcação do período de férias.

47º Ora, esta interpretação da lei não pode nem deve ser aceitável.

48º Por outro lado, no entendimento do Tribunal a quo, a Autora nunca poderia opor-se, de forma perentória, quanto ao método arbitrário da Ré de marcar o gozo de férias.

49º A partir do momento em que a Autora se opôs ao gozo das férias nas circunstâncias provadas em julgamento, competia à Ré cumprir o estipulado legalmente, pois “na falta de acordo, o empregador marca as férias…” (n.º 1 do art.º 241 do Código do Trabalho).

50º Significa isto que a Ré deveria agendar as férias da Autora com a devida antecedência, afixando-as...

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