Acórdão nº 2214/20.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO S…..

intentou ação administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, peticionando a declaração de nulidade do despacho do Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 02/11/2020, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que havia apresentado e determinou a sua transferência para Itália, bem como o deferimento do pedido de proteção internacional pelo Estado Português.

Por decisão de 12/12/2020, o TAC de Lisboa rejeitou liminarmente a petição inicial.

Inconformado, o A. interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. O requerente é nacional da Nigéria, tendo nascido em Benin City, a 16.11.1993 e saiu do seu país, sozinho, em 2014, tendo residido em Itália, onde chegou em Lampedusa, por via marítima e onde foi sujeito a recolha de informações e de impressões digitais, tendo ai vivido desde essa data, durante seis anos, até ter vindo para Portugal (passando por Espanha) de autocarro.

  1. Não tem residência em nenhum país europeu e não tem documentação, mas recusa-se a ser enviado de novo para Itália porque aí foi abordado por um grupo mafioso (“group of cuties”), que o convidou para se juntar, o qual é um grupo perigoso, que vinha de Bari para Taranto recrutar indivíduos ou ameaçar outros.

  2. O grupo juntava-se em reuniões em Bari, onde decidiam as pessoas que iriam procurar, perseguir e tentavam forçar emigrantes desprotegidos a juntar-se ao grupo visando a execução de crimes e rejeitou essa hipótese, pois não queria ser forçado a cometer crimes. O Recorrente compreendeu que tal envolvia a execução de crimes e rejeitou essa hipótese, pois não queria ser forçado a cometer crimes. O requerente não queria, em qualquer instância, ser um suspeito de crime e por este motivo, considerou que a sua vida estava em perigo e decidiu que seria melhor sair de Itália. Durante os seis anos que esteve em Itália, trabalhou ilegalmente e o estado italiano com as suas políticas restritivas contra refugiados não cuidou de o ajudar a inserir-se na sociedade italiana, pelo que, não quis continuar nestas condições, a correr riscos junto das autoridades por trabalhar sem documentos e sem contrato de trabalho, pois que, na Itália há muito aproveitamento da situação dos refugiados para os usar nas redes de escravatura, no tráfico humano e na prostituição e que esse país não consegue há já largos anos por termo, antes perseguindo - os atuais dirigentes políticos - os refugiados que chegam a Itália; 4. Considera que pagava impostos e que merecia mais segurança, mas o sistema italiano nunca o reconheceu como potencial pessoa a ser merecedora da sua proteção e decidiu deixar Itália, a qual sendo governada por um governo de cariz autoritário, vê com maus olhos os refugiados e não lhes reconhece direitos. Veja-se: https://expresso.pt/sociedade/2019-12-10-Miguel-Duarte-A-recolocacao-de-refugiados-foi-uma-fachada.-Salvo-algumas-excecoes-a-integracao-e-patetica-1; 5. Não pode o Recorrente ser enviado para Itália e não pode ser envido para o seu país de nacionalidade, pois que, é filho único, tendo os seus pais sido mortos pelo Boko Haram, pelo que, não tem família no seu país de origem para o apoiar ou o salvaguardar. O Boko Haram quer obrigá-lo a juntar-se ao seu grupo de assassinos, porém o recorrente não é muçulmano, é cristão o que o transforma ao olhar dos seguidores daquela religião num alvo a abater num país muçulmano como a Nigéria, em que estes têm perseguido os crentes de outros credos religiosos. Os muçulmanos na Nigéria tem levado a cabo ações no país de perseguição religiosa e de matança de cristãos, pois, segundo, eles Alá terá dito: “Os cristãos são todos hereges. Pelo que podem ser mortos como cães.”. Os seus pais morreram num ataque a uma igreja católica, a dia 25 dezembro, pelo grupo do muçulmano do Boko Haram e o recorrente sabe que se regressar à Nigéria teme ela sua vida e que o matem, pelo que, não pode o requerente ser enviado para a Nigéria, resultando o seu direito ao Asilo em Portugal.

    1. O requerente peticionou junto do SEF pedido de proteção Internacional, nos termos do art. 37, n.º 2 e 38 da Lei do Asilo e dos art. 3.º, 23.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 e 2 do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho.

    2. A decisão do douto tribunal a quo e a do SEF vai contra a lei portuguesa e contra as regras do Direito Comunitário porque pretende enviar o recorrente para um país que não está (porque não pode ou porque não está a conseguir) a dar resposta aos vários milhares de pedidos de asilo que tem sido efetuados em Itália e não consegue, como é de conhecimento oficioso, dar cumprimento aos direitos, liberdades e garantias das pessoas que tem-se socorrido do seu território.

    3. É notório, em todo o mundo e especialmente nas notícias portuguesas acerca da situação de catástrofe do que se passa com os refugiados em Itália, que nos tem dado conhecimento dos escândalos vários em Itália que surgem da incapacidade (por omissão ou ação) do país em socorrer todos quantos dele necessitam.

    4. O SEF pretende transferir o requerente para Itália sem analisar previamente, ao contrário do que determina o direito Comunitário, se esse país é capa de receber mais refugiados, mesmo os que dele tenham saído.

    5. Ora, a resposta é a de que Itália está para além do limite da sobrecarrega e isso tem-se refletido no facto de as pessoas estarem aí a passar fome, sub nutridas, sem condições dignas de repouso ou de estadia e serem perseguidas pelos grupos de extrema direita no país.

    6. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul Processo n.º: 1322/19.2BELSB, data do Acórdão: 30-01-2020, relator: SOFIA DAVID, o qual determina: “I - Por força do art.º 5.º do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26-06, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional deve ocorrer uma entrevista pessoal com o requerente da proteção, que é acompanhada de um resumo escrito, que lhe será entregue. Essa entrevista serve para ouvir o requerente, para colher as suas informações, mas também para o informar acerca do seu pedido e respetivo enquadramento legal. Tal entrevista servirá, ainda, para recolher do requerente a sua pronúncia acerca da própria decisão a tomar se no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional; II - O art.º 3.º, n.º 2, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, determina uma verdadeira obrigação legal dos Estados Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento; III - Por conseguinte, uma vez apresentado um pedido de proteção, o respetivo Estado-Membro terá primeiramente que aferir, nos termos determinados no art.º 3.º, n.º 1 e no Capítulo III do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, qual é o Estado responsável pela apreciação de tal pedido. Sendo identificado como responsável pela apreciação do pedido um outro Estado Membro, há, então, que avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06.

      ”.

    7. A douta sentença do tribunal a quo, posta aqui em causa, e a douta decisão do SEF, são ambas nulas, pois que, violam o art.º 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, o qual obrigado à apreciação prévia da eventual impossibilidade em proceder à transferência para outro estado e nas condições desse estado para receber a pessoa.

    8. Efetivamente incumbia ao SEF, antes de ter tomado a decisão impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país, recorrendo a fontes credíveis e consolidadas, dada a dificuldade de prova que assiste ao recorrente, mas que é notória tendo em conta todas as noticias que vêm a público e que fizeram do prova do processo em apreço.

    9. No caso em apreço, a decisão do tribunal a quo, agora posta em causa com o presente recurso, nada refere a propósito do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado Membro, na aceção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE.

    10. Verifica-se por isso que há indícios que permitem concluir pela probabilidade séria de o Requerente, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4. da CDFUE.

    11. Verifica-se que a sentença do tribunal a quo e o ato do SEF objecto de impugnação incorre ambos em deficit de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de proteção.

    12. No caso incumbia ao SEF averiguar acerca do procedimento de asilo e das condições de acolhimento em Itália, aferindo sobre as invocadas falhas sistémicas nas condições de acolhimento, antes de determinar a transferência do A. e Recorrido para este país.

    13. Incumbia ao douto tribunal a quo ordenar o SEF a realização dessas mesmas diligência antes de decidir a presente questão.

    14. Deveria o SEF ter instruído oficiosamente o presente procedimento, nele fazendo introduzir informação fidedigna e atualizada sobre aquele procedimento e aquelas condições, por forma a verificar se, no caso concreto, existiam motivos que determinassem a impossibilidade da transferência do A., conforme indicado no art.º 3.º, n.º 2, do Reg. (UE) 604/2013, de 26-06.

    15. Para o efeito, deveria o SEF recorrer a fontes credíveis, obtida junto do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de...

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