Acórdão nº 464/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 464/2021

Processo n.º 170/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em que é recorrente A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC») da decisão do Tribunal Arbitral, de 15 de janeiro de 2020, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante designado «IRC») relativo ao exercício de 2016, na parte em que não se reconheceu o direito a deduzir os montantes suportados com a contribuição sobre o setor bancário.

Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, tendo sido requerida a apreciação da inconstitucionalidade da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), defendendo a recorrente que este preceito «ao impedir a dedução, para efeitos da determinação do lucro tributável, dos montantes suportados a título de contribuição sobre o setor bancário, consubstancia uma violação dos princípios fundamentais da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, violação essa que ora se pretende que seja sentenciada pelo Tribunal Constitucional.»

2. As partes foram notificadas para alegar, nos termos previstos no artigo 79.º da LTC, tendo a recorrente apresentado, abreviadamente, as seguintes conclusões:

«D. CONCLUSÕES

1º A Recorrente colocou à apreciação do Tribunal Arbitral duas questões concernentes à conformidade constitucional dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE – que impõem a não dedutibilidade do gasto com a CESE no apuramento do lucro tributável daquele imposto – à luz princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, previstos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;

2º Julgou aquele Tribunal Arbitral, na decisão de que ora se recorre, que as aludidas disposições normativas não eram inconstitucionais por violação dos aludidos princípios fundamentais, tendo julgado como improcedente a pretensão da Recorrente;

3º Por não concordar com tal entendimento, a Recorrente interpôs o presente recurso de inconstitucionalidade dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, passando a expor os fundamentos que alicerçam o entendimento de que as normas quid do presente recurso afrontam os identificados princípios constitucionais, impondo a prolação de pronúncia jurisdicional distinta;

(…)

9.º A tributação pelo rendimento real traduz a idoneidade para suportar o tributo, sendo uma decorrência do princípio da capacidade contributiva, de acordo com o qual os contribuintes só podem ser tributados pela sua efetiva e real força económica;

10.º º Tais princípios assentam na noção de que o quantitativo pecuniário para suportar os impostos apenas pode ser retirado de onde efetivamente exista, configurando um pressuposto constitucional necessário à licitude da obrigação tributária;

11.º Assim, a obrigação tributária assentará na força económica do sujeito passivo – manifestada pela perceção efetiva e real de determinado rendimento – configurando a capacidade contributiva o limite mínimo lógico exigível ao poder de conformação do legislador fiscal;

12.º Nessa medida, o reconhecimento de todas as componentes do rendimento – incluindo as negativas – para o apuramento do IRC devido afigura-se, em regra, essencial para a concretização dos princípios constitucionais do rendimento real e da capacidade contributiva;

13.º Pelo que, as normas que obstem à dedução de gastos efetiva e legitimamente suportados pelo sujeito passivo padecerão, à partida, de inconstitucionalidade material por violação daqueles princípios;

14.º Uma vez que a CSB configura um gasto legalmente imposto de que depende o exercício da atividade bancária impõe-se constitucionalmente a sua revelação negativa no apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos (em linha, aliás, com o que sucede em relação às restantes contribuições bancárias para o Fundo de Resolução e Fundo Único de Resolução);

15.º A contrario sensu, proibindo-se a dedução da CSB em sede de IRC, tributa-se um gasto que o sujeito passivo efetivamente suportou no exercício da sua atividade, sujeitando-se a imposto um rendimento deturpado e superior ao realmente auferido;

16.º Em face do exposto conclui-se que o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p) do CIRC sujeita a tributação um rendimento empolado, à revelia dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva (cfr. artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP);

17.º A tal não obsta o facto de o 104. º, n.º 2, da CRP prever que a imposição fiscal deva fundamentalmente incidir sobre o rendimento real, não excluindo terminantemente a introdução de modulações excecionais que divirjam do mero apuramento declarativo - contabilístico do imposto;

18.º Isto porque tais modulações devem ser tendentes à tributação da real força económica do sujeito passivo ou à salvaguarda de outros valores constitucionalmente consagrados, sob pena de esvaziar aqueles princípios constitucionais de qualquer sentido útil;

19.º Nesse sentido encontra-se vedada a desconsideração como gasto da CSB caso inexista justificação adequada, razoável e proporcionada para tal (i.e. a eventual derrogação da dedutibilidade, para efeitos fiscais, do gasto com a CSB, depende de uma razão justificadora significativa, não podendo ainda exceder o necessário, adequado e proporcional à salvaguarda dessa razão);

20.º Contrariamente ao exposto na decisão arbitral recorrida, não se conjeturam motivos justificativos que validem a proibição de dedução da CSB, encontrando-se o regime ínsito no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do CIRC ferido de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação segundo o lucro real e da capacidade contributiva vertidos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;

21.º Um dos motivos justificativos abstratamente admissíveis reporta-se à dificuldade na quantificação aritmética do imposto (consentido a proibição de dedução em IRC da própria coleta do IRC);

22.º Todavia, sendo a CSB um tributo autónomo e independente do IRC - que nem incide sobre o lucro - tal motivação técnico-prática não se afigura plausível a justificar a disposição legal sub judice;

23.º Outro dos motivos reporta-se à proibição de dedutibilidade de despesas que indiciem promiscuidade entre as despesas do foro pessoal e empresarial do sujeito passivo, porquanto não se tratam de verdadeiros gastos incorridos em benefício do interesse societário

24.º Porém, sendo a CSB um tributo legalmente imposto que reverte a favor do Estado não existe qualquer benefício pessoal que algum sócio ou funcionário relacionado com instituição bancária possa obter com o incurso neste gasto, não permitindo esta justificação afastar constitucionalmente a imposição de dedutibilidade da CSB no apuramento do rendimento tributável em IRC;

25.º Um último motivo justificativo típico prende-se com o vetor moralista e sistémico da ordem jurídica, negando a dedução de gastos consequentes de comportamentos reprováveis sancionados pelo Estado (e.g. multas ou coimas);

26.º Porém, derivando a CSB tão-somente do regular exercício da atividade bancária não se divisa neste tributo qualquer comportamento ilícito que legitime a adoção, no caso em apreço, desta justificação;

27.º Conclui-se, assim, não existirem motivos justificativos que possibilitem a não dedutibilidade do gasto com a CSB em sede de IRC, padecendo o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do CIRC, na interpretação supra descrita, de inconstitucionalidade por preterição dos princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP;

28.º A conclusão de que se impõe a dedução dos gastos incorridos é, aliás, adotada pelo legislador ordinário, ao permitir a dedução das demais contribuições bancárias - que partilham com a CSB as incidências subjetiva e objetiva e visam a dotação de recursos financeiros de idênticas entidades públicas -suportadas pelo sujeito passivo;

29.º Atenta a semelhança entre as contribuições a disparidade de tratamento denota, inclusive, um tratamento arbitrário de realidades economicamente semelhantes, afrontador, a fortiori, dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva;

30.º Acresce que, por via dos artigos 13.º e 104.º da CRP, o legislador constitucional consagrou o também o princípio geral da igualdade, que impõe uma conformação universal e uniforme do dever de pagar impostos e traduz uma verdadeira igualdade material, erigindo-se também como critério uniformizador deste a capacidade contributiva dos sujeitos passivos;

31.º O princípio da igualdade impõe que a capacidade contributiva seja relevada pelo legislador aquando da definição da incidência objetiva dos tributos, atendas as seguintes manifestações de riqueza: (i) a angariada (rendimento); (ii) a possuída (património); e (iii) a despendida (consumo);

32.º Em contradição com o princípio da igualdade, na alínea p) n.º 2 do artigo 23.º-A, do CIRC, o legislador ordinário previu a dedutibilidade fiscal de um gasto da atividade do sujeito passivo, gasto este que apenas incide sobre o setor bancário;

33.º Todavia, inexistindo um efetivo e real motivo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT