Acórdão nº 462/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 462/2021

Processo n.º 1206/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., o primeiro veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), interpor recurso da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 13 de outubro de 2019, por entender que nessa decisão se «recusou a aplicação (…) do disposto no art.º 3.º, n.º 1, do [regime do] FGS (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril), nos termos do disposto no art.º 204º da CRP, com fundamento na sua inconstitucionalidade, quando estabelece como critério de fixação do limite de garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador, determinando um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor, por violação do princípio da igualdade (artigos l3.º e 59.º, n." I da CRP)».

A indicada decisão foi proferida no âmbito da ação administrativa para impugnação de atos administrativos intentada pela ora recorrida contra o Fundo de Garantia Salarial, onde esta requereu, para o que aqui mais releva, que: a) fossem anulados os despachos do Sr. Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 4 de outubro de 2016 e de 19 de maio de 2017 que indeferiram parcialmente o requerimento de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pela Autora; e b) fosse o réu condenado a praticar o ato administrativo devido, em substituição do praticado, determinando o pagamento à Autora da quantia de € 9.504,97, a titulo de créditos emergentes do contrato de trabalho, deduzido o valor ilíquido já recebido, de € 5.000.52, e acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação até efetivo e integral pagamento.

2. É o seguinte, para o que aqui mais releva, o conteúdo da decisão recorrida:

«(...)

De acordo com o requerimento apresentado, a autora peticionou, a título de indemnização, o pagamento de € 3067,36.

A decisão impugnada atribuiu à autora o montante de € 1157,89.

Importa desde logo começar por referir que não cabe nas competências da entidade demandada questionar os valores reclamados pela autora. Dos normativos referidos supra resulta que a entidade demandada apenas pode verificar três aspetos: se os créditos reclamados são emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação; se os créditos se venceram nos 6 meses anteriores à propositura da ação; e se os créditos respeitam os limites legais.

Não é atribuída à entidade demandada competência para discutir qual o valor da indemnização devida à autora em decorrência da cessação do contrato de trabalho. Repare-se que tendo a autora reclamado os montantes nos valores que reclamou, e tendo estes sido reconhecidos na insolvência, não pode a entidade demandada negar-se, por entender que o valor da indemnização deveria ser inferior, a que a sub-rogação legal abranja o montante reclamado nos limites legalmente estabelecidos.

Efetivamente, no processo de insolvência não foi questionado o direito da autora ao montante de indemnização no valor reclamado. Assim, no que às competências da entidade demandada respeita, a autora apenas tem que demonstrar que está em causa uma indemnização emergente da violação ou cessação do contrato de trabalho. De outro modo, estaríamos a transformar o procedimento junto da entidade demandada numa instância laboral, sendo que tal possibilidade constitui uma violação dos limites ao disposto nos artigos 387.º, n.º 1 e 388.º, n.º 1 do CT que impõem que as matérias da regularidade, licitude ou ilicitude dos despedimentos só podem ser apreciadas por Tribunal Judicial, ou seja, a admitir-se a possibilidade de a entidade demandada questionar os valores de indemnização (e reduzi-los por alegada aplicação de normas legais, que nem sequer especifica), colocar-se-ia a autora perante uma situação de total desproteção jurídica, já que os Tribunais Administrativos não poderiam reconhecer, por exemplo, a ilicitude do despedimento para efeitos de determinação do valor de indemnização devida ou graduar o valor da indemnização no caso de resolução com justa causa pelo trabalhador. E de qualquer modo, o reconhecimento dos créditos laborais, incluindo o valor da indemnização, sempre tem lugar junto de Tribunal Judicial, e não tendo tal valor sido questionado não pode por imposição dos normativos referidos, colocar-se agora em causa esses montantes.

Assim, não existe qualquer fundamento para que o valor da indemnização reconhecido à autora deva ser de € 1157,89.

Analisada a decisão impugnada, verifica-se que um dos fundamentos expressamente indicados pela entidade demandada é que os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, nos termos do artigo 3.º do regime do FGS.

Como já se referiu supra, o direito da União Europeia permite aos Estados estabelecer limites à garantia oferecida ao trabalhador em caso de insolvência da entidade patronal.

O artigo 3.º do regime FGS determina no número 1 que existem limites quantitativos acima dos quais a entidade demandada não paga ao trabalhador. O normativo referido determina que "o Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida."

Efetivamente, o artigo referido estabelece como limite quantitativo o equivalente a 6 meses de retribuição. Refere ainda que a retribuição a considerar não pode exceder o triplo da retribuição mínima mensal.

No acórdão de 10.05.2019, proc. 0627/17.1BEPRT, o STA, recusando a admissão da revista, refere o seguinte:

(...) a propósito do «quantum» devido à autora pelo Fundo, as instâncias entenderam que ele correspondia a seis meses da retribuição por ela auferida ao serviço da entidade patronal devedora. E é este o único ponto sobre que incide a revista, onde se defende que as instâncias interpretaram mal o estatuído no art. 3º, n.º 1, do novo regime do FGS.

Essa norma estabelece que «o Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida». Ora, a boa hermenêutica do preceito está, sem dúvida, do lado das instâncias. Os créditos cujo pagamento o FGS assegura têm, como limite máximo, seis meses de retribuição - sendo esta, como é óbvio, a prevista no contrato de trabalho; mas a retribuição, por sua vez, só é atendível até um «limite máximo mensal» - correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida. E, como o salário da autora estava aquém do referido «limite máximo mensal», o FGS só pode assegurar-lhe um «quantum» correspondente à multiplicação desse salário por seis (meses) - tal e qual as instâncias julgaram.

Face ao referido, parece pacífica a aceitação de que a interpretação do artigo 3.º, n.º 1 do Regime do FGS deve ser a de que o limite mensal a ter em consideração é calculado em função da multiplicação por 6 da retribuição mensal (salário) do trabalhador.

Afigura-se, no entanto, que tal interpretação é de afastar pelas razões que de seguida se aludirá.

O regime do FGS visa transpor para o direito nacional a Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22.10.2008 relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador. De acordo com os considerandos da Diretiva referida, o regime a instituir visa concretizar o ponto 7 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adotada em 09.12.1989, estabelecendo um regime de proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador que lhes assegure «um mínimo de proteção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade e um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade». E importante notar que a própria Diretiva nos seus considerandos prevê a possibilidade de existirem «limites à responsabilidade das instituições de garantia, que devem ser compatíveis com o objetivo social da diretiva e podem tomar em consideração os diferentes valores dos créditos.»

Ora, o artigo 3.º, n.º 1 do regime do FGS estabelece um limite máximo à responsabilidade da entidade demandada que é variável em função do salário dos trabalhadores: quanto maior o salário maior a responsabilidade que o FGS assume no pagamento dos créditos laborais em caso de insolvência.

É certo que há um limite máximo intransponível que é 6 vezes o triplo da retribuição mínima mensal garantida, o que significa que em nenhuma situação a entidade demandada deve assegurar o pagamento de montantes superiores a € 9540,00. Portanto, relativamente a todos os trabalhadores que recebam salário superior ao triplo do salário mínimo nacional, apenas está garantido o pagamento do montante máximo de € 9540,00. Mas para quem aufira mensalmente de salário inferior ao triplo do salário mínimo, a garantia de pagamento pelo FGS vai variar em função unicamente do salário recebido pelo trabalhador: quanto menor o salário menor o nível de proteção.

Para estes últimos, não se estabelecendo um limite máximo fixo para todos os trabalhadores, o legislador faz variar a responsabilidade da entidade pública criando um sistema que oferece um menor nível de proteção quantitativo aos trabalhadores que recebem salários mais baixos.

Exposto...

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