Acórdão nº 463/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | Cons. Lino Rodrigues Ribeiro |
Data da Resolução | 24 de Junho de 2021 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 463/2021
Processo n.º 64/20
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
Nos presentes autos, vindos do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em que é recorrente A., SGPS, S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC») da decisão do Tribunal Arbitral, de 19 de dezembro de 2019, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante designado «IRC») relativo aos exercícios de 2014 e 2015, na parte em que não se reconheceu o direito a deduzir os montantes suportados com a contribuição extraordinária sobre o setor energético.
Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, admitido pelo tribunal a quo, em que foi requerida a apreciação da inconstitucionalidade da alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, defendendo a recorrente que este preceito «ao impedir a dedução, para efeitos da determinação do lucro tributável, dos montantes suportados a título de contribuição extraordinária sobre o setor energético, consubstancia uma violação dos princípios fundamentais da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, violação essa que ora se pretende que seja sentenciada pelo Tribunal Constitucional.»
2. As partes foram notificadas para alegar, nos termos previstos no artigo 79.º da LTC, tendo a recorrente apresentado, abreviadamente, as seguintes conclusões:
«D. CONCLUSÕES
1º A Recorrente colocou à apreciação do Tribunal Arbitral duas questões concernentes à conformidade constitucional dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE – que impõem a não dedutibilidade do gasto com a CESE no apuramento do lucro tributável daquele imposto – à luz princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, previstos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;
2º Julgou aquele Tribunal Arbitral, na decisão de que ora se recorre, que as aludidas disposições normativas não eram inconstitucionais por violação dos aludidos princípios fundamentais, tendo julgado como improcedente a pretensão da Recorrente;
3º Por não concordar com tal entendimento, a Recorrente interpôs o presente recurso de inconstitucionalidade dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, passando a expor os fundamentos que alicerçam o entendimento de que as normas quid do presente recurso afrontam os identificados princípios constitucionais, impondo a prolação de pronúncia jurisdicional distinta;
(…)
8º A tributação pelo rendimento real traduz a idoneidade para suportar o tributo, sendo uma decorrência do princípio da capacidade contributiva, de acordo com o qual os contribuintes só podem ser tributados pela sua efetiva e real força económica;
9º Tais princípios assentam na noção de que o quantitativo pecuniário para suportar os impostos apenas pode ser retirado de onde efetivamente exista, configurando um pressuposto constitucional necessário à licitude da obrigação tributária;
10º Assim, a obrigação tributária assentará na força económica do sujeito passivo – manifestada pela perceção efetiva e real de determinado rendimento – configurando a capacidade contributiva o limite mínimo lógico exigível ao poder de conformação do legislador fiscal;
11º Nessa medida, o reconhecimento de todas as componentes do rendimento – incluindo as negativas – para o apuramento do IRC devido afigura-se, em regra, essencial para a concretização dos princípios constitucionais do rendimento real e da capacidade contributiva;
12º Pelo que, as normas que obstem à dedução de gastos efetiva e legitimamente suportados pelo sujeito passivo padecerão, à partida, de inconstitucionalidade material por violação daqueles princípios;
13º Uma vez que a CESE configura um gasto legalmente imposto de que depende o regular exercício da atividade de produção de energia impõe-se constitucionalmente a sua relevação negativa no apuramento do lucro tributável;
14º A contrario sensu, proibindo-se a dedução da CESE em sede de IRC, tributa-se um gasto que o sujeito passivo efetivamente suportou no exercício da sua atividade, sujeitando-se a imposto um rendimento deturpado e superior ao realmente auferido;
15º Em face do exposto, conclui-se que ao impor-se a desconsideração do montante suportado a título de CESE, nos termos dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, sujeita-se a tributação um rendimento empolado, à revelia dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva (cfr. artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP);
16º A tal não obsta o facto de o 104.º, n.º 2, da CRP prever que a imposição fiscal deva fundamentalmente incidir sobre o rendimento real, não excluindo terminantemente a introdução de modulações excecionais que divirjam do mero apuramento declarativo-contabilístico do imposto;
17º Isto porque tais modulações devem ser tendentes à tributação da real força económica do sujeito passivo ou à salvaguarda de outros valores constitucionalmente consagrados, sob pena de esvaziar aqueles princípios constitucionais de qualquer sentido útil;
18º Nesse sentido encontra-se vedada a desconsideração absoluta da CESE como gasto sem que exista justificação adequada, razoável e proporcionada para tal (i.e., a eventual derrogação da dedutibilidade fiscal do gasto com a CESE, depende de uma razão justificadora significativa, não podendo ainda exceder o necessário, adequado e proporcional à salvaguarda dessa razão);
19º Contrariamente ao que decorre da decisão arbitral recorrida, não se conjeturam motivos justificativos que validem a derrogação daqueles princípios constitucionais, encontrando-se o regime ínsito nos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, na interpretação que afasta a dedução em sede de IRC dos custos incorridos com a CESE, ferido de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação segundo o lucro real e da capacidade contributiva vertidos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;
20º Um dos motivos justificativos abstratamente admissíveis reporta-se à dificuldade na quantificação aritmética do imposto (consentido a proibição de dedução em IRC da própria coleta do IRC);
21º Todavia, sendo a CES um tributo autónomo e independente do IRC – que nem incide sobre o lucro – tal motivação técnico-prática não se afigura plausível a justificar a disposição legal sub judice;
22º Outro dos motivos reporta-se à proibição de dedutibilidade de despesas que indiciem promiscuidade entre as despesas do foro pessoal e empresarial do sujeito passivo, porquanto não se tratam de verdadeiros gastos incorridas em benefício do interesse societário;
23º Porém, sendo a CESE um tributo legalmente imposto que reverte para o Estado – em concreto, para o FSSSE – não existe qualquer benefício pessoal que o sócio ou funcionário relacionado com o sujeito passivo possa obter com o incurso neste gasto fiscal, não permitindo esta justificação afastar constitucionalmente a dedutibilidade deste tributo no apuramento do rendimento tributável em IRC;
24º Um último motivo justificativo típico prende-se com o vetor moralista e sistémico da ordem jurídica, negando a dedução de gastos consequentes de comportamentos reprováveis sancionados pelo Estado (e.g. multas ou coimas);
25º Porém, derivando a CESE tão-somente do regular exercício da atividade de produção de energia, não se divisa neste tributo qualquer comportamento ilícito ou socialmente reprovável que legitime a adoção desta justificação no caso em apreço.
26º Conclui-se, assim, não existirem motivos justificativos que possibilitem a não dedutibilidade do gasto com a CESE em sede de IRC, padecendo os artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, na interpretação supra descrita, de inconstitucionalidade por preterição dos princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP;
27º Acresce que, por via dos artigos 13.º e 104.º da CRP, o legislador constitucional consagrou o também o princípio geral da igualdade, que impõe uma conformação universal e uniforme do dever de pagar impostos e traduz uma verdadeira igualdade material, erigindo-se também como critério uniformizador deste a capacidade contributiva dos sujeitos passivos;
28º O princípio da igualdade impõe que a capacidade contributiva seja relevada pelo legislador aquando da definição da incidência objetiva dos tributos, atendas as seguintes manifestações de riqueza: (i) a angariada (rendimento); (ii) a possuída (património); e (iii) a despendida (consumo);
29º Em contradição com o princípio da igualdade, na alínea q) n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC e no artigo 12.º do regime que institui a CESE, o legislador previu a não dedutibilidade fiscal de um gasto da atividade do sujeito passivo, gasto este que apenas incide sobre o setor de produção de energia;
30º Todavia, inexiste um efetivo e real motivo para se impedir que a seja considerada como custo fiscalmente dedutível, temos que tais normas traduzem uma (proibida) arbitrariedade;
31º Pelo que, os artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, padecem também de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade;
(…)
46º Em contraste com o exposto perfilha o...
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