Acórdão nº 00276/16.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:* I.

RELATÓRIO 1.1.

  1. ( 1.ª A.), residente na Avenida (…) e J. ( 2.º A.), residente na Avenida (…), moveram a presente ação administrativa, contra o MUNICÍPIO (...), indicando como eventual contrainteressada M.

, formulando pedido do seguinte teor: “Nestes termos, e nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento do Tribunal, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser verificada a questão prejudicial supra referida, ser declarada a inoponibilidade do acto que determina a demolição à primeira Autora, serem declarados nulos, por ilegais, todos os actos do procedimento tendentes à formação do acto que ordena a demolição parcial da fracção autónoma titulada pelos AA. (marquise) devidamente identificada nos autos, bem como o próprio acto que ordena a demolição, tudo com as devidas e legais consequências.

” Alegam para tanto, em síntese, que são, respetivamente, a 1.ª A., proprietária da raiz e o 2.º A., usufrutuário, da fração autónoma identificada pelas letras “AD” do prédio sito na Av.ª (...), em (...) e que a CI é, por sua vez, proprietária da fração “AC” sita no mesmo prédio; Referem que a CI intentou contra os ora AA. , um outro familiar destes, também titular de uma outra fração naquele prédio, e o respetivo condomínio, uma ação que corre termos com o processo n.º 140/14.9T8VCT na instância local, Secção Cível, J3, do Tribunal da Comarca de (...), tendo em vista obter a reparação dos danos que alega ter sofrido na sua fração em consequência de obras levadas a cabo pelos AA. e seu familiar, nas respetivas frações, que consistiram no encerramento dos respetivos terraços com caixilharia em alumínio e indemnização; Sucede que por despacho do Senhor Vereador da Área Funcional do Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de (...), de 02/02/2015, o 2.ºAutor foi notificado de que será levada a cabo uma nova ação inspetiva à fração autónoma/habitação, com vista à demolição da marquise que faz parte integrante da mesma; Trata-se de marquise que já existia quando a 1.ªAutora adquiriu a propriedade da fração em causa; Entendem que a ordem de demolição dessa marquise deve ser suspensa pelo Réu enquanto estiver pendente a ação movida pela CI; Ademais não cometeram nenhuma ilegalidade, sendo desproporcional, desadequada e injusta a imposição de uma ordem de demolição, a qual constitui uma violação de direitos fundamentais tutelados pelo art.º 18.º/2 da CRP e do princípio da igualdade previsto no seu art.º 13.º, e enferma de erro nos pressupostos de facto, tratando-se, ademais de um ato nulo por se encontrar ferido de usurpação de poderes; Mais alegam, que a 1.ª A. enquanto proprietária da raiz ou nua propriedade da dita fração, devia ter sido notificada do ato impugnado, o que até à presente data não sucedeu, sendo-lhe, consequentemente, inoponível o ato em causa.

1.2.Citado, o MUNICÍPIO (...) contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação, começando por aduzir, em síntese, quanto à questão prévia da inoponibilidade do ato que determinou a demolição resultante da falta de notificação da Autora, que: - a qualidade de proprietária da fração da 1.ª A. nunca foi invocada em sede procedimental; -quando o despacho de 07/11/2014 (ato que determinou a demolição) foi emitido, o 2.º A. não se tinha apresentando como usufrutuário da fração, razão pela qual os serviços do R. desconheciam e não tinham a obrigação de conhecer essa situação, tendo mesmo o 2.º A, chegado a assumir-se como proprietário, em requerimento que apresentou, datado de 20/01/2015; -era ao 2.º A. que incumbia dar conhecimento dessa situação ao Réu se entendesse que a 1.ª A. devia tomar conhecimento e intervir no procedimento, conforme têm entendido a doutrina e a jurisprudência nacional; -a invocação desse facto na ação traduz má-fé e abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, pretendendo o 2.º A. aproveitar-se de uma situação de confiança que legitimamente criou nos serviços do Réu a seu favor, contrariando o comportamento que adotou em sede administrativa; -mais alega que, em caso de existência de um direito real de usufruto, o usufrutuário pode e deve constituir o único e exclusivo destinatário da ordem de demolição, conforme artigos 9.º/1, 102.º, 106.º, 107.º e 108.º do RJUE e artigos 1439.º, 1446.º , 1450.º e 1468.º a 1475.º, todos do Cód. Civil; -o ato que determinou a demolição adquiriu plena eficácia com a notificação do 2.º A., não sendo a 1.ª A. destinatária do procedimento.

A título de defesa por exceção o Réu alegou, em síntese, que o ato impugnado e que os AA. identificam no item 1.º da p.i. não configura um ato administrativo, traduzindo um mero mandato para a realização de uma ação de fiscalização, não sendo, sequer, um ato de execução do despacho que considerou as obras executadas pelo 2.º A. como ilegalizáveis; Trata-se de mera notificação de uma diligência que se pretendia realizar necessária à execução do despacho que ordenou a demolição, sendo o ato em causa inimpugnável; Alega que o despacho de 07/11/2014 que considerou as obras ilegalizáveis e determinou a respetiva demolição já se consolidou na ordem jurídica, e o mesmo não padece de nenhuma ilegalidade que determine a sua nulidade ou anulação; Mais invoca que o 2.º A. aceitou o ato, e por isso, nos termos do art.º 56.º do CPTA encontra-se impedido de reagir contra o mesmo; E que nos termos do art.º 51.º, n.º3 não pode ser impugnado todo o procedimento mas apenas os concretos atos que sejam passiveis de impugnação e o único ato que podia ser impugnado, consolidou-se, não havendo nenhum outro, pelo que se verifica a caducidade do direito de ação.

Quanto à defesa por impugnação, alega, em suma, que na sequência de uma denúncia, verificou que foram realizadas obras sem licença na fração em causa e que, não se podendo imiscuir nos conflitos de natureza privada, apenas tem poderes para licenciar e fiscalizar o cumprimento das normas legais e regulamentares em matéria urbanística e daí que, a que a existência de eventuais inundações, infiltrações e da alegada responsabilidade por tais factos, seja uma questão a que é alheio, pelo que não se encontra impedido de decidir sobre a legalidade urbanística da dita marquise, por estar pendente em tribunal essa discussão entre privados, a qual, seja em que sentido for a decisão, não terá efeitos no procedimento administrativo de legalização/demolição da marquise ( processo n.º 63/13) Mais refere que a construção da marquise, que não existia à data da aquisição da fração dos AA., é ilegalizável, por força do disposto no art.º 15.º do Regulamento do PUC, pelo que a ordem de demolição não viola o princípio da proporcionalidade nem o princípio da igualdade, sendo a demolição o único meio possível de reposição da legalidade; Conclui pugnando pela procedência das exceções da inimpugnabilidade do ato e da caducidade do direito de ação e, caso assim se não entenda, pela improcedência da ação.

1.3.A CI contestou a ação, alegando, em síntese, que o ato que contempla a decisão que determinou a demolição das obras realizadas pela A. é o despacho de 07/11/2014, do qual os AA. foram notificados no pretérito dia 05/02/2015 e que o mandado de notificação de 02/12/2015 não é impugnável; Mais alega que considerando o prazo de impugnação previsto no art.º 58.º, n.º2, al.b) do CPTA e não enfermando aquele ato de 07/11/2014 de nenhum vício gerador da sua nulidade, ocorreu a caducidade do direito de ação, o que constitui exceção peremptória que importa a absolvição do pedido.

Aduz ainda que os Autores levaram a cabo obras ilegais e que, na impossibilidade da sua legalização, em virtude de se encontrar esgotado o índice de construção para o local, não cumpriram voluntariamente a ordem de demolição, a qual não pode ser evitada; No caso, não há qualquer usurpação de poder, competindo ao Réu assegurar a legalidade urbanística, pelo que o mesmo não pode deixar de impor a demolição das obras efetuadas pelos Autores (marquise); O ato que ordena a demolição não ofende o conteúdo essencial de nenhum direito fundamental, constitucionalmente protegido, nem os princípios da proporcionalidade e da igualdade; 1.4. Por despacho de 15/06/2016, ordenou-se a notificação dos Autores para se pronunciarem sobre a matéria de exceção vertida nas contestações apresentadas.

1.5.Os Autores pronunciaram-se, dando por reproduzida a p.i., reafirmando que constitui objeto da presente ação todo o procedimento administrativo n.º 63/13, concretamente, todos os atos preparatórios e inseridos nesse procedimento que tiveram influência no despacho vertido no doc. n.º1 junto com a p.i e concluindo que a presente ação pode ser proposta a todo o tempo, conforme previsto no art.º 58.º/1 do CPTA, e que o ato questionado atenta contra o núcleo essencial do direito à habitação constitucionalmente consagrado.

Concluem que claudicam as exceções invocadas.

1.6. Fixou-se o valor da ação em € 30.000,01.

1.7. A 04/10/2019, proferiu-se sentença, constando da mesma o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, julgo: i. procedente as exceções de inimpugnabilidade e intempestividade da prática do ato processual quanto ao Autor.

ii. procedente a presente ação quanto à Autora, determinando a repetição de todo o procedimento que culminou com a prolação do ato de demolição, mas com participação da Autora.

Condeno o Réu e o Autor no pagamento das custas, na proporção de metade para cada um.

Registe e notifique.” 1.8. Inconformado com o assim decidido, o MUNICÍPIO (...) interpôs a presente apelação, em que formula as seguintes conclusões: «I. Os Acórdãos invocados pela 1ª instância na fundamentação da decisão foram proferidos no âmbito da jurisdição civil, ao abrigo de um regime de Direito Privado, que nada têm que ver com as relações jurídico-administrativas entre a Administração e os particulares, regidas por normas...

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