Acórdão nº 01815/15.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I. RELATÓRIO O MUNICÍPIO (...) (devidamente identificado nos autos), autor na ação administrativa comum que instaurou em 09/07/2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra a sociedade C., SA (igualmente devidamente identificada nos autos), inconformado com a decisão datada de 29/05/2018 (fls. 591 SITAF) da Mmª Juíza do Tribunal a quo que julgando verificada a ilegal cumulação de pedidos absolveu a ré de todos os pedidos, nos termos do artigo 4º nº 3 do CPTA, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 598 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: a. O objeto do presente recurso é a sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual é julgada a verificação da ocorrência de cumulação ilegal de pedidos e, consequentemente, absolvida a ré dos pedidos.

  1. Assim e mesmo sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos formulados nas alíneas a) e b) da Petição Inicial dependem essencialmente da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

  2. Ora, o que o recorrente pretende uma indemnização decorrente do incumprimento das obrigações resultantes dos contratos de empreitada de remoção de amianto de várias escolas do concelho de (...) e, por outro lado, uma indemnização por danos emergentes causados pelo abandono da empreitada de “Adaptação de arquitetura do Auditório Municipal de (...)”.

  3. Assim, as duas causas de pedir prendem-se, de forma evidente, com dois contratos de empreitada de obras públicas, diferentes é certo, mas que obedecem ao mesmo regime plasmado no capítulo I, do Título II do Código dos Contratos Públicos – CCP - (Cfr. artigos 343.º a 406.º).

  4. Ora, o abandono mais não é do que uma forma de incumprimento contratual do contrato de empreitada, ou qualquer outro contrato público.

  5. Portanto, o que se pede ao Tribunal é que julgue dois pedidos aplicando os mesmos princípios e regras do direito, ou seja, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos - pacta sunt servanda – e que também tem consagração legal no CCP, designadamente nos artigos 325.º n.º 1 e 326.º.

  6. Para a apreciação deste princípio do direito (pact sunt servanda), pode ser necessário a apreciação de vários conceitos, nomeadamente o abandono da obra (no caso da empreitada de “Adaptação de arquitetura do auditório Municipal de (...)”) e o incumprimento contratual ( no caso dos contratos de empreitada de remoção de amianto de várias escolas do concelho de (...)) conforme se concluiu nos pedidos formulados na Petição Inicial.

  7. Neste sentido, decorre da obra de JORGE ANDRADE DA SILVA, Dicionário dos Contratos Públicos, Almedina, 2010, págs. 29, 245 e 246, onde refere como matérias conexas a noção de abandono da obra e a noção de incumprimento do contrato.

  8. Assim, a cumulação de pedidos efetuada pelo autor, ora recorrente tem o seu fundamento legal na alínea b), segunda parte, do n.º 1, do artigo 4.º do CPTA, visando esta disposição dar cumprimento ao princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrado na Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 268.º.

  9. Assim e caso as empreitadas não tivessem designações diferentes, todas as outras questões de facto a apreciar são as mesmas, ou seja, as partes são as mesmas (MUNICÍPIO (...) e C., S.A.), os contratos obedecem ao mesmo regime (empreitada de obras públicas), o fundamento da pretensão da tutela jurisdicional formulada pelo autor é a mesma (incumprimento daqueles contratos), e o pedido é também o mesmo (pedido indemnizatório).

    Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que nos termos da alínea b), segunda parte, do n.º 1, do artigo 4.º do CPTA admita a cumulação de pedidos deduzida pelo autor, seguindo a ação os seus ulteriores trâmites.

    A recorrida contra-alegou (fls. 611 SITAF) defendendo a improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando, a final, o seguinte quadro conclusivo nos seguintes termos: 1. Os pedidos indemnizatórios A) e B) da petição inicial do Recorrente, além de terem causas de pedir diferentes e pressupostos e regimes legais de resolução dos respectivos contratos diferentes, reportam-se a formas diferentes de incumprimento: enquanto que o pedido B) se reporta a uma alegada situação de incumprimento definitivo, o pedido A) considera uma alegada situação de cumprimento defeituoso.

    1. E, enquanto que o regime jurídico aplicável ao incumprimento definitivo se encontra previsto artigos 333.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, e 405º, alínea b), do Código dos Contratos Públicos (CCP), e 798º e 801º, nº 2, do CC, já o regime jurídico aplicável ao cumprimento defeituoso está previsto nos artigos 325º do CCP e 1218.º e ss. do CC.

    2. Assim, estando em causa regimes legais diferentes de cumprimento ou incumprimento das obrigações, não é possível a cumulação entre si dos pedidos deduzidos pelo A., nos termos do artigo 4.º, n. º 1, alíneas a) ou b) do CPTA.

    3. Face a tudo o que antecede é manifestamente evidente, pelo menos no entender da Recorrida, que a douta sentença não merece qualquer censura, devendo ser confirmada por este digníssimo tribunal.

    *Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer (cfr. fls. 628 ss. SITAF).

    *Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.

    *II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

    No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo ao absolver o réu da instância com fundamento na verificação da ilegal cumulação de pedidos incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do artigo 4º nº 1 alínea b) do CPTA, devendo a mesma ser revogada com prosseguimento dos autos.

    *III. FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Da decisão recorrida Pela decisão recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgando verificada a ilegal cumulação de pedidos absolveu a ré de todos os pedidos nos termos do artigo 4º nº 3 do CPTA, com a seguintes fundamentação, que se passa a transcrever: «Por despacho prolatado em 06/11/2017 foi ordenada a notificação do A. para emitir pronúncia no que concerne à ilegalidade de cumulação dos pedidos formulados na presente ação, bem como para, nos termos do preceituado no art.º 4.º, n.º 3 do CPTA, proceder à indicação do pedido que pretende ver apreciado no presente processo, sob pena de, não o fazendo, ser a R. absolvida da instância quanto a todos os pedidos.

    Notificado o A. do sobredito despacho, veio o mesmo, através de requerimento apresentado em 20/11/2017, sustentar a legalidade da cumulação dos pedidos que formulou no petitório inserto na petição inicial, bem como peticionar o prosseguimento dos presentes autos com vista à apreciação e julgamento de todos os referenciados pedidos.

    Importa, pois, apreciar e decidir.

    Em 06/11/2017 foi emitido despacho com, além do mais, o seguinte teor: “Compulsados os autos, mormente a petição inicial, constata-se que o Autor alega a verificação objetiva de fundamento para a resolução dos contratos de empreitada identificados nos artigos 1.º e 2.º, pedindo que a Ré seja condenada a:

  10. Liquidar ao Autor a competente indemnização decorrente do incumprimento das obrigações resultantes dos contratos definidos no art.º 1.º da petição inicial, em face dos danos patrimoniais, não patrimoniais causados e juros de mora respetivos, num montante total de € 230.342,85; b) Indemnizar a Autor, decorrente dos danos emergentes que lhe causou pelo abandono da empreitada de “adaptação de arquitetura do auditório municipal de (...)”, cujo montante nunca poderá ser inferior à quantia de € 463.008,00; c) Acrescidos dos competentes juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

    Com efeito, vem o Autor alegar que se verifica fundamento para a resolução dos contratos de empreitada de “Remoção de Amianto das Escolas Básicas – Escola Básica 1.º Ciclo e Jardim de Infância de (…), Escola Básica 1.º Ciclo e Centro de Recursos da (...), Escola Básica 1.º Ciclo e Jardim de Infância de (...) e Escola Básica e 1.º Ciclo de (...)” e de “Remoção de Amianto das Escolas Básicas – Escola Básica 1.º Ciclo e Jardim de Infância de (...), Jardim de Infância de (...), Escola Básica 1.º Ciclo e Jardim de Infância de (...), Escola Básica 1.º Ciclo (...), Escola Básica 1.º Ciclo (...) e Escola Básica 1.º Ciclo (...)”, bem como, do contrato de empreitada de “Adaptação de Arquitetura do Auditório Municipal de (...)”, outorgado em 14 de outubro de 2014.

    Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 4.º do CPTA, “é permitida a cumulação de pedidos sempre que: a) a causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material; b) sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito” O art.º 4.º do CPTA estabelece, pois, os elementos de conexão objetiva exigíveis para que a cumulação de pedidos seja possível, e que podem resultar de quatro fatores distintos: (i) identidade de causa de pedir, (ii) relação de prejudicialidade ou dependência entre...

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