Acórdão nº 02794/15.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M. instaurou acção administrativa especial contra o Município (...), ambos melhor identificados nos autos, pedindo a anulação da decisão, datada de 12 de outubro de 2015, que lhe ordenou, na qualidade de proprietário de prédio locado, a execução de obras de conservação, a completar no prazo máximo de 45 dias úteis, sob pena de execução coerciva, com os custos a seu cargo, para além de responsabilidade contraordenacional e criminal.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e anulado o acto impugnado, proferido pelo Vereador do Município (...), no âmbito do procedimento 832/VT/2014.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões: 1)O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 31 de Janeiro de 2020, que julgou a ação procedente, anulando, em consequência, o acto impugnado, de 12.10.2015, proferido pelo Vereador, Dr. M., que ordenou ao proprietário, Recorrido, a execução de obras de conservação no prédio sito na Rua (…), ao abrigo do n° 2 do artigo 89° do R.J.U.E..

1) Porém, não pode o aqui Recorrente, Município (...), conformar-se com a sentença proferida nos autos, por entender que não foi feita uma correcta apreciação e aplicação do direito aos factos em discussão, padecendo de erro de julgamento na aplicação do direito por violação, entre outros, do disposto nos artigos 89° n° 1, 2 e 3 e artigo 89ºA n° 1 ambos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, e do disposto nos artigos 3°, 7° e 8° do C.P.A. por incorrecta interpretação e aplicação dos princípios da Legalidade, da Proporcionalidade e da Justiça e Razoabilidade.

2) Com efeito, o aqui Recorrente não pode aceitar o entendimento expresso na sentença recorrida «que as obras coercivas impostas ao Autor não se afiguram necessárias para satisfazer os interesses públicos, nem proporcionais em sentido estrito, por ser patente que a lesão sofrida pelo Autor transcende amplamente os fins efectivamente prosseguidos com as obras» na medida em que esta decisão desvaloriza as funções de polícia urbanística que incumbem às autoridades administrativas municipais, colocando-as numa excessiva dependência das necessidades de uma justa arbitragem de interesses nas relações de inquilinato urbano - matéria esta que é do foro estritamente privado e civilístico - que não compete às autarquias apreciar, nem dirimir.

3) Refira-se que a ordem para realização de obras de conservação do prédio ora em questão foi proferida ao abrigo do disposto no n° 2 do artigo 89° do R.J.U.E. tendo sido precedida de uma Vistoria Administrativa (art. 90° R.J.U.E.) e que as obras preconizadas no Auto de Vistoria para correcção das condições de salubridade e de utilização que afectam as condições de uso do edifício em questão, tiveram por base a análise das deficiências e patologias construtivas observadas e presenciadas in loco pelos Peritos, as quais não foram negadas, nem contestadas pelo proprietário, aqui Recorrido.

5) Aliás, dos factos provados resulta que as razões que levaram à prática do acto administrativo impugnado prenderam-se, justamente, com a segurança, salubridade e condições de habitabilidade do prédio, bem como o arranjo estético: “… EXTERIOR c) Fachadas e empenas: Degradação das paredes da fachada frontal e empenas laterais, causadas por falta de impermeabilização e deterioração dos rebocos e pintura.

d) Cobertura: degradação geral com apodrecimento da estrutura da cobertura, em armação de madeira; deterioração parcial de telhas apodrecidas por envelhecimento natural e com deficiente estanquicidade, permitindo infiltrações de águas pluviais no interior das paredes e dos tectos da habitação; deficiente revestimento da cobertura causado pelo desalinhamento, deficiente assentamento/encaixe e ausência de telhas em zonas do telhado INTERIOR degradação do reboco e pintura das paredes e tectos com manchas de humidade, na sala/entrada, cozinha e quartos, causada por infiltrações de águas pluviais, incluindo deformação acentuada do quatro (NE); ausência de instalação/equipamento sanitário, integrado no interior da habitação; ausência de chaminé de evacuação de fumos e gases na cozinha; deficiente calafetagem do postigo do quarto da empena (NE) …” 6) Por isso, considerando o estado de deterioração geral do prédio propriedade do Recorrido, resulta comprovadamente estar em causa não só a segurança das pessoas assim como as condições de salubridade do prédio e até o arranjo estético 7) Pelo que, as obras determinadas pelo acto impugnado foram apenas e tão- somente obras de conservação necessárias e indispensáveis à correcção de más condições de segurança e salubridade do prédio, bem como o arranjo estético.

8) Sendo, por isso, irrefutável, que as obras determinadas pelo acto impugnado são razoáveis, necessárias e estritamente indispensáveis a conferir segurança, condições de salubridade e de habitabilidade com o mínimo de dignidade humana.

9) Em suma, fica demonstrada à saciedade que é, justamente, a segurança das pessoas e a salubridade do prédio que estão em causa, atendendo ao estado de degradação geral em que se encontra o prédio propriedade do Recorrido.

10) Para além disso, o procedimento administrativo não é o meio, nem a sede própria, para se atribuir responsabilidades pela execução das obras de conservação a outrem que não seja o próprio proprietário da edificação vistoriada.

11) Na situação vertente, é inegável que a Câmara Municipal ao determinar a realização das obras mencionadas no Auto de Vistoria não está a prosseguir qualquer interesse privado e particular, mas o interesse público da melhoria das condições de segurança e de salubridade das edificações, bem como o arranjo estético dos edifícios, porquanto as obras impostas são indispensáveis para correcção de más condições de salubridade e de utilização do prédio.

12) Por conseguinte, não se prosseguem outros interesses que não os de ordem pública que por imposição legal cumpre ao Município, aqui Recorrente, prosseguir.

1 3) Como se estabeleceu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.03.2015 (proc. n° 01552/11.5BEPRT, disponível em www.dgsi.pt "O artigo 89° do RJUE versa sobre as competências que são atribuídas à Administração Municipal no âmbito do dever de conservação do património edificado, reconhecendo-lhe o poder de ordenar a realização de obras de conservação necessárias, seja no âmbito das obras de conservação que devem ser efectuadas em todos os edifícios, pelo menos, uma vez por cada período de 8 anos (n° 1/89°), seja no âmbito das obras necessárias à correcção de más condições de segurança e salubridade (n° 2/89º)" 14) Refira-se que do citado artigo 89° resulta, precisamente, que a simples melhoria do arranjo estético pode ser razão bastante para se determinar imperativamente a realização de obras pelo proprietário, não se exigindo, forçosamente, que esteja em causa a salubridade ou a segurança das pessoas - entendimento que o Tribunal "a quo" tão-pouco admite.

15) Precisamente neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.04.2014 (proc. n° 8063/11, disponível em www.dgsi.pt) do qual consta que “As competências previstas no artigo 89° n° 2 do RJUE, são competências próprias da Câmara, que se fundam no interesse público na conservação dos edifícios, do património edificado do Município, interesse que pode concorrer com o dos particulares, ora inquilinos, mas que não se confunde, nem sobrepõe com os interesses próprios destes”: 16) E o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.07.2019 (proc. n° 00003/15.3BEBRG, disponível em www.dgsi.pt), cuja jurisprudência acompanhamos, nos termos do qual «... a administração está adstrita ao princípio da legalidade, não lhe restando outra opção, à luz dos imperativos legais decorrentes do artigo 89° do DL. n° 555/99, citado, senão determinar a realização de obras sempre que se constate que o prédio não possui condições de habitabilidade, segurança ou salubridade.» tal como sucede in casu.

17) Por outro lado, é inegável que a defesa do interesse público da existência de um parque de edificações urbanas em bom estado de conservação trata-se de uma função indeclinável das Câmaras Municipais.

18) Por isso, não podemos aceitar que, como sustenta a sentença recorrida, a Câmara Municipal antes de proferir uma ordem para realização de obras de conservação, tenha de apurar e ponderar todos os rendimentos que o proprietário aufere mensalmente, ou até o montante da renda actualmente recebida pelo imóvel, ou mesmo todo o histórico anterior dessa relação de arrendamento. Bem pelo contrário! 19) Essa ponderação exigida à Câmara Municipal ocorre em momento posterior à determinação das obras e na eventualidade do incumprimento na execução das obras coercivas por parte do proprietário, sendo o Município forçado a realizar as obras pelos seus próprios meios.

20) Somente, nesse momento, a autoridade administrativa tentará minorar o esforço exigido ao proprietário na cobrança das quantias em dívida, tal como previsto no n° 1 do artigo 18° do DL. n° 157/2006, de 8 de Agosto, ou seja, nas situações em que ocorrendo coincidente carência económica do proprietário, e "demonstrado que as rendas são indispensáveis para o sustento do seu agregado familiar a entidade promotora das obras coercivas pode autorizar o levantamento de 50% do valor do valor do depósito da renda vigente aquando do inicio das obras, acrescida das actualizações ordinárias anuais, revertendo o restante para a entidade promotora das obras coercivas." 21) Seja como for, na situação dos autos, não foi quantificado, nem provado o custo das obras para se aferir se o mesmo é desproporcionado, injusto ou irrazoável.

22) Independentemente disso, manda a razoabilidade e é ensinamento da doutrina mais autorizada, que...

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