Acórdão nº 02088/10.7BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;# I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença, proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, datada de 22 de janeiro de 2021, que julgou parcialmente procedente impugnação judicial, de decisão de indeferimento (parcial) de recurso hierárquico, deduzido contra atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), dos exercícios de 1997, 1998 e 1999, apresentada por Banco A…………….., S.A., … A recorrente (rte) produziu alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 22/01/2021, a qual julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação do acto tributário de liquidação de Imposto de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2002 8310003115, referente ao período de tributação de 1999, na parte respeitante à aplicação da taxa agravada de tributação autónoma às despesas não documentadas ou confidenciais incorridas pela Impugnante, ora recorrida.

  1. Considerando a factualidade julgada provada, com a devida vénia, mal andou o Ilustre Tribunal “a quo” na interpretação das normas ínsitas nos n.ºs 1 e 2 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 09 de Junho, alterado pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro e da alínea c) do n.º 1 do art. 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na versão em vigor à data dos factos (que corresponde à alínea c) do n.º 1 do art. 33.º do EBF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/01, de 03 de Julho), bem como dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea h), todos do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos, padecendo, portanto, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, a douta Sentença de erro de julgamento da matéria de direito.

  2. Desde logo, com a devida vénia, o douto Julgador não fez a melhor interpretação da norma do n.º 2 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação dada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro.

  3. Com efeito, ao fazer corresponder a noção de “sujeitos passivos total ou parcialmente isentos” à noção de incidência subjectiva de imposto, prevista no art. 2.º do Código do IRC, o Ilustre Tribunal “a quo”, com a devida vénia e salvo devido respeito por melhor opinião, confunde os conceitos de incidência fiscal e de isenção fiscal.

  4. Uma vez enquadrados nas normas de incidência subjectiva e objectiva previstas nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Código do IRC, os sujeitos passivos de IRC poderão beneficiar de isenções fiscais que se encontram previstas não só no próprio Código do IRC, como no EBF, em Legislação avulsa ou até mesmo no Orçamento do Estado anual.

  5. As isenções fiscais subdividem-se em: i) pessoais ou subjectivas, quando estão relacionadas com a natureza do sujeito passivo; ii) reais ou objectivas, estabelecidas em função do tipo de rendimento obtido; iii) mistas, quando a sua consagração depende não só da natureza do sujeito passivo como do rendimento obtido.

  6. Pelo exposto, e apenas do ponto de vista das noções de sujeição subjectiva e isenção subjectiva, que aqui nos interessam, conclui-se, desde logo, que o raciocínio expendido pelo Ilustre Tribunal “a quo” padece de erro de direito quando não atende ao carácter naturalmente mais amplo das normas de incidência subjectiva face às normas de isenção subjectiva.

  7. Assim sendo, é natural que o legislador utilize, em normas que não consagrem isenções, como é o caso da norma do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação dada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, a expressão “sujeitos passivos isentos”, pois que, efectivamente, apenas os sujeitos passivos de IRC, enquadrados no art. 2.º do Código do IRC, poderão ser isentos.

    I. Não obstante, e contrariamente ao que entende o douto Julgador, a utilização de tal expressão – “sujeitos passivos isentos” - não significa necessariamente que o legislador se queira referir a sujeitos passivos isentos ao abrigo de uma isenção subjectiva (e não objectiva).

  8. A norma do n.º 2 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação dada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, não constitui norma de isenção mas sim norma de sujeição a uma tributação autónoma, conforme melhor veremos adiante, pelo que não se poderá extrair a partir da sua redacção a mesma interpretação que se faz de uma norma de isenção.

  9. Por outro lado, é hoje indiscutível o entendimento, na jurisprudência e na doutrina, de que a “ratio” da tributação autónoma reside na sujeição à tributação de determinadas despesas que não decorram, de forma clara, da sua atividade normal ou que, mesmo decorrendo, possam ser de uso não exclusivo no desempenho dessa mesma atividade, assim desencorajando a realização das mesmas (com o intuito de diminuir o rendimento tributável em sede de IRC).

    L. Não obstante, tal desiderato não estaria atingido enquanto se excepcionasse de tais tributações autónomas, de forma genérica, os sujeitos passivos isentos, de forma subjectiva ou pessoal, de IRC, ou seja, em função da sua natureza, nos termos do disposto nos artigos 8.º e 9.º do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos (conforme acontecia na redacção da norma do artigo 4.º conferida pelo Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho).

  10. E por esse motivo se explica que, ao abrigo do n.º 1 do referido art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, alterado pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, em geral, todos sujeitos passivos de IRC, fossem tributados autonomamente à taxa de 32%, sem prejuízo da não dedutibilidade prevista na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do Código do IRC, N. e que o n.º 2 da mesma disposição legal abrangesse i) quer os sujeitos passivos totalmente isentos, ii) quer os sujeitos passivos apenas parcialmente isentos, iii) quer os sujeitos passivos que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola: precisamente porque nos dois primeiros casos (i e ii) não opera a regra da não dedutibilidade no lucro tributável ou do impacto na matéria colectável das despesas não documentadas ou confidenciais, sendo que, que no último caso (iii), a não dedutibilidade não se torna possível considerando que a forma de apuramento da base do imposto é efectuada de acordo com o rendimento global, de acordo com o código do IRS.

  11. Por outro lado, não poderemos olvidar que quando falamos em tributação autónoma está em causa tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários, pelo que a norma do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação dada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, constitui uma norma de sujeição a tributação autónoma de um determinado facto tributário.

  12. Beneficiando a ora recorrida, no período de tributação de 1999, da isenção temporária prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 41.º do EBF, na versão em vigor à data dos factos, dever-se-á considerar que a mesma é sujeito passivo de IRC (na medida em que se encontra enquadrado na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do Código do IRC), isento no que respeita aos rendimentos obtidos na actividade exercida na ZFM, pelo que, tendo suportado efectivamente nesse ano despesas não documentadas ou confidenciais, encontra-se sujeito a tributação autónoma sobre as mesmas à taxa agravada de 60% prevista no n.º 2 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação dada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, por se enquadrar no conceito de sujeito passivo parcialmente isento.

  13. Sem prescindir, ainda que assim não se entenda e se considere que a norma do n.º 2 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação dada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, apenas se aplica a sujeitos passivos isentos do ponto de vista subjectivo, o que apenas por mera hipótese académica se concede, sempre se dirá que a interpretação que o Ilustre Tribunal “a quo” faz da norma da alínea c) do n.º 1 do art. 41.º do EBF, na versão em vigor à data dos factos não é a mais acertada, ocorrendo também aqui, em nosso entendimento, erro de julgamento da matéria de direito.

  14. Ora, socorrendo-nos das regras da hermenêutica jurídica, supra enunciadas, sempre se dirá que, conforme a AT defendeu nos autos de primeira instância, a norma da alínea c) do n.º 1 do art. 41.º do EBF configura uma isenção de natureza subjectiva ou pessoal.

  15. Com efeito, desde logo, a própria redacção da norma é clara ao consagrar que a referida isenção é atribuída em função da natureza /qualidade do sujeito passivo, sendo, portanto, aplicável às entidades instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, nomeadamente às instituições de crédito e as sociedades financeiras.

  16. Por outro lado, apelando à unidade do sistema jurídico e trazendo à colação algumas normas do Código do IRC que se encontravam vigentes à data dos factos, constata-se que o tipo de isenção fiscal se depreende, de forma global e transversal no sistema jurídico, a partir da forma como as normas se encontram redigidas.

  17. Da leitura das disposições legais dos artigos 8.º, 9.º e 10.º do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos, é notória a diferença de redação entre as normas do Código do IRC que consagram as isenções subjectivas - começando estas por se referir aos sujeitos passivos destinatários das mesmas e a respectiva natureza e qualidade em que o são - e as normas do Código do IRC que consagram as isenções objectivas - e que começam por enunciar os rendimentos que se consideram isentos.

    V. Ora, o EBF, na versão em vigor à data dos factos, seguiu precisamente a mesma senda, conforme se pode confirmar, meramente a título de exemplo, pela redacção das normas dos artigos 20.º e 33.º do EBF, na versão vigente à data dos factos, que consagram isenções objectivas.

  18. Face ao exposto, salvo...

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