Acórdão nº 0756/08.2BELLE 0990/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1– Relatório Vem interposto recurso de revista excepcional por Z………., Lda.

, com os demais sinais dos autos, ao abrigo do artigo 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 12/01/2017, que negou provimento ao recurso que deduzira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, por sua vez, julgara improcedente a impugnação judicial instaurada contra os actos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2003, 2004 e 2005.

Inconformada nas suas alegações, formulou a recorrente Z…………, Lda.

as seguintes conclusões: a. O Acórdão recorrido, ao não notificar a Recorrente para se pronunciar antes da prolação do Acórdão emanado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do nº 3 do artigo 665º do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, comprometeu a discussão do mérito da causa, na medida em que impossibilitou a Recorrente de, oportunamente, nesta instância (Tribunal superior), expor, aditar ou complementar, as razões de facto e de Direito sobre a questão (substantiva) que veio a ser apreciada pelo Acórdão, razão pela qual padece de irregularidade, configuradora de uma nulidade processual, com consequências anulatórias dos termos subsequentes a tal omissão e dela absolutamente dependentes, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil (ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário); b. A falta de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia antes da prolação da decisão determina que o Acórdão recorrido padeça de irregularidade, configuradora de nulidade processual, com consequências anulatórias dos termos subsequentes a tal omissão e dela absolutamente dependentes, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil (ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e, ainda, viole manifestamente o artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia e do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra o princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno; c. Nos termos do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando verificados os seguintes requisitos: i) estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou ii) ser a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. De acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo quanto a cada um dos anteditos requisitos legais, verifica-se que, revestindo as questões em apreço nos autos uma relevância manifestamente prática, em atenção à suscetibilidade da questão controvertida de se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, resultando da mesma a possibilidade de repetição da questão noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial tributário, estão reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente Recurso de Revista; e. No caso vertente está em causa a apreciação, por parte do Supremo Tribunal Administrativo, (i) da natureza da inspeção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003 e (ii) da aplicação dos métodos indirectos no caso sub judice.

  2. Em concreto e, no que concerne à natureza da inspeção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003, está-se perante uma questão em que se denota a manifesta necessidade e utilidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, dada a evidente forma errada e juridicamente insustentável com que o Tribunal de primeira instância e o Tribunal a quo trataram a relevante matéria aqui em apreço, não se compadecendo a ordem jurídica com os clamorosos erros interpretativos plasmados na decisão a que, verificando-se estar preenchido o segundo requisito a que alude a 2.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (necessidade de garantir a “melhor aplicação do direito”) para efeito de admissão do Recurso de Revista; g. Acresce que esta questão não tem natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, que de facto é extensível a todas as situações em que a Administração Tributária, socorrendo-se de elementos que não estão efetivamente na sua posse, qualifique a inspeção como de natureza interna, com vista a possibilitar uma nova inspeção a um período já anteriormente inspecionado, conclui-se, igualmente, que se está perante uma situação de relevância social fundamental, prevista na 1.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que estão preenchidos os pressupostos legais para a admissão do presente Recurso de Revista, interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual deverá ser admitido por Vossas Excelências.

h.

No que respeita à aplicação dos métodos indiretos no caso sub judice há que concluir que nas decisões proferidas em sede de primeira instância e pelo Tribunal recorrido “as instâncias [trataram] a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão da regulação do sistema”; i. De facto, também é objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema na definição do que é que se considera de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 87º e n.º 1 do artigo 90º, ambos da Lei Geral Tributária), isto é, se essa impossibilidade é uma verdadeira impossibilidade ou uma mera dificuldade (com algum trabalho acrescido); j. No caso concreto, constata-se que a análise e resolução da referida questão revela especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico e reveste relevância superior à comum, na medida em que a operação em causa - correção da contabilidade com base em métodos indiretos, quando, na realidade, a base da argumentação dessa mesma correção é a alegada existência de preços de transferência - requer a necessidade de compatibilização do regime jurídico que lhe é aplicável, constatando estar preenchido o segundo requisito a que alude a 2.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (necessidade de garantir a melhor aplicação do direito) para efeito de admissão do Recurso de Revista; k. Por outro lado, a questão subjacente ao presente recurso não tem uma natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, que de facto é extensível a todas as situações em que a Administração Tributária aplica os métodos indiretos em face da mera dificuldade na reconstituição da contabilidade dos sujeitos passivos, razão pela qual se está perante uma questão de relevância social fundamental, verificando-se estarem preenchidos os requisitos a que alude a 1.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para efeito de admissão do recurso de revista, o qual deverá ser admitido por Vossas Excelências; l. A inspeção efetuada aos 1º e 2º trimestres de 2003 é ilegal uma vez que o exercício de 2003 já tinha sido inspecionado até ao 2º trimestre, aquando do pedido de reembolso de € 94.771,60, sendo que nos termos do nº 3 do artigo 63º da Lei Geral Tributária apenas pode existir uma segunda inspeção externa, sobre os mesmos factos tributários, caso existam "factos novos" situação que tem que ser devidamente fundamentada, o que não se verificou no caso em apreço: m. Os pedidos de reembolso operados no alegado procedimento inspetivo interno tiveram por base, não apenas a documentação à disposição e na posse da Administração Tributária, mas ainda toda a documentação solicitada e fornecida pela Recorrente em relação aos períodos a que respeitavam (até ao 2º trimestre de 2003), pelo que a mesma consubstanciou uma verdadeira inspeção externa à Recorrente, devendo retirar-se as respectivas consequências desse facto; n.

As liquidações de imposto efetuadas por recurso à avaliação indireta são ilegais, na medida que sendo a avaliação indireta um método subsidiário e excecional, nos termos do nº 1 do artigo 85º da Lei Geral Tributária, a interpretação correta a efetuar é a de que só se não for possível corrigir os elementos que permitam apurar a matéria tributável corretamente é que se poderá avaliar indiretamente o rendimento, sendo que no caso em apreço a contabilidade da Recorrente merece credibilidade; o. O facto de o arrendamento dos terrenos à sociedade B…….., Lda, não estar refletido na contabilidade da Recorrente não valida o recurso, por parte da Administração Tributária, aos métodos indiciários, uma vez que era possível reconstruir a contabilidade da Recorrente, dado que a Administração Tributária teve acesso ao contrato de arrendamento, o qual foi efetuado pelo prazo de 6 anos e com a renda anual de € 498.80.

Assim sendo, a contabilidade da Recorrente era facilmente corrigida através da avaliação direta (através da consideração do valor do arrendamento), pelo que a Administração Tributária, ao efetuar correções, com base na aplicação de métodos indiretos – quando, na realidade, fundamenta com base na existência de relações especiais entre a Recorrente e a sociedade B…….. – violou o disposto no nº 1 do artigo 85º e artigo 87º da Lei Geral Tributária; p. Os bens e serviços adquiridos pela Recorrente no período em apreço (2003 a 2005), consubstanciados na edificação...

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