Acórdão nº 49/13.3TATMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | MOREIRA DAS NEVES |
Data da Resolução | 22 de Junho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No Juízo Local Criminal de Tomar, do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, procedeu-se a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de MRRF, com os sinais dos autos, tendo a mesma sido condenada como autora pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto no artigo 205.º, § 1.º e 5.º e 30.º § 2.º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; e pela prática como autora de um crime de burla qualificada na forma continuada, previsto no artigo 218.º, § 2.º, alínea a) e 30.º, § 2.º do mesmo código, na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico a arguida foi condenada na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de entregar a MCRF a quantia de 3 000€; e a mesma quantia a MRF, para compensação dos danos causados
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Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «
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Na ata de Audiência de discussão e julgamento de 9 de outubro de 2019, o tribunal a quo indeferiu o pedido de indemnização civil, porém, na douta sentença consta que a demandante reduziu o valor do pedido civil, o que significa que existe um erro na sentença que, nos termos do artigo 380º do Código de Processo Penal, deverá ser corrigido
B) A sentença recorrida está ferida de nulidade, porquanto entende a recorrente que o tribunal a quo incumpriu o dever de fundamentação a que está vinculado nos termos do artigo 374º2 CPP
C) Acresce que a arguida apresentou contestação na qual não se limitou a negar a prática do crime que lhe era imputado, porém na sentença apenas é referido que a arguida apresentou contestação e todos os factos foram dados como não provados, quer em sede de fundamentação da decisão de facto, quer na parte relativa ao direito, o que viola o estipulado no art. 374º, n º 1 d) do CPP
D) Além disso, lendo atentamente a motivação da decisão de facto, verificamos a indicação dos meios de prova, mas não a apreciação crítica para que se perceba porque foram julgados provados os factos supra referidos
E) Na motivação o tribunal a quo indica a prova documental em que fundou a sua convicção e diz terem sido ponderados os depoimentos da ofendida e das testemunhas
F) Porém, desta fundamentação da matéria de facto da sentença não é possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, nomeadamente em relação à autoria dos factos, aos factos integradores dos crimes de abuso de confiança qualificado e de burla qualificada e ao montante apurado a final
G) O tribunal a quo não analisou minuciosamente os documentos que o caso demandava, uma vez que deu como provados factos que não correspondem ao que consta desses documentos, pelo que na decisão em recurso, foi dada como provada, incorretamente a matéria constante, nomeadamente dos pontos 13; 17; 18; 22; 23;25; 26; 28;29; 30; 31; 32;33; 34; 37; 38; 39; 40; 43; 44;45;46; 47; 49 e 52
H) Com efeito, no ponto 9º da matéria de facto dada como provada, diz “… a pedido subscrito pela arguida, o B… procedeu à abertura da conta poupança n.º…, associada à aludida conta de depósitos º…; e no ponto 13 diz “Entre o dia 12-11-2009 e o dia 17 de Outubro de 2010, aproveitando-se de ter livre acesso à mesma, a arguida foi transferindo parte daquelas quantias para a sua conta poupança …, num total de €3.200,00 (nos dias e montantes mencionados na tabela referida na acusação, que se considera reproduzida), …”
I) Ora, estamos perante uma conta associada à primeira, tendo as mesmas titulares, constando dos mesmos extractos e sendo as transferências automáticas entre si, facto que é corroborado pelo documento de fls. 181 e todos os extractos emitidos pelo Banco e juntos ao processo, portanto, não podia ser dado como provado que a arguida transferiu tais montantes para uma conta sua e, consequentemente devia ter sido dado como provado o ponto IV dos pontos não provados da contestação
J) Além disso, da análise dos extratos nºs 11/2009, 1/2010, 2/2010, 3/2010, 4/2010, 5/2010, 8/2010 documentos de fls 353 a 367 conclui-se que esses montantes em causa, ora eram creditados na conta poupança, ora eram debitados, sendo que, em Agosto de 2010 (cfr. doc 367) o saldo era de 0,00€, conforme quadro que se apresenta no corpo deste recurso, no artigo 34º, pelo que também devia ter sido dado como provado o ponto VIII dos factos não provados da contestação
K) No ponto 17 é dado como provado que “A par, entre o dia 24-7-2010 e o dia 31-12-2012, sempre nos concelhos de … e …, com recurso ao cartão de multibanco da aludida conta, a arguida ou alguém a seu mando, levantou um total de €13.610 …” L) Porém, não só não se provou que os mesmos tenham acontecido sempre em … e em …, como se constata da análise dos extratos juntos, como não se provou que tais montantes fossem feitos pela e para a arguida dispor em seu proveito, M) Já que dos depoimentos das testemunhas, irmãos da arguida, conclui-se que a ofendida vivia com a filha arguida, pelo menos durante o tempo em que ocorreram os factos, além de que todos os irmãos viviam com dificuldades económicas, pelo que não podiam prover pelo sustento da mãe, tendo, por isso a ofendida de recorrer ao dinheiro que possuía, N) Assim, do depoimento da testemunha MCRF, prestado na audiência de julgamento de 09/10/2019, o qual se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", contadores 00.00.01 a 00.33.02, gravado no ficheiro 20191009103241_2840025_2871732 do minuto ao minuto 2:18 ao minuto: “…Em 2010 o meu irmão tinha comprado o bilhete para trazer a minha mãe de férias a Portugal mas essa tal minha irmã alegou que a minha mãe não podia vir porque tinha consultas médicas e outras coisas e não deixou vir a minha mãe… ”E do minuto 5:22 ao minuto 5:32 …Agora aquilo que sei é que ela veio uma vez ou duas a Portugal trazer a minha mãe e dessas vezes que veio trazer a minha mãe, a minha mãe foi duas vezes ao banco…E do minuto 8:18 ao minuto 8:34 -… inclusive nesse mesmo, eu não sei se posso falar, mês de Agosto depois o meu irmão regressou a Londres com minha mãe, a minha mãe, nesse mês de Agosto foi para casa dessa tal minha irmã e …E do minuto 13:46 ao minuto 14:08: Procuradora - A sua mãe durante esse tempo todo que viveu em Londres, vivia com quem? Com a Senhora? MCRF – Dra., a minha mãe sempre viveu em casa dos 3 filhos mas ela houve um tempo foi a conclusão a que eu cheguei mais o meu irmão enquanto a minha mãe teve dinheiro ela conseguiu puxar a minha mãe mais para o lado dela
O) E do depoimento da testemunha MRF, prestado na audiência de julgamento de 09/10/2019, o qual se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", contadores 00.00.01 a 00.33.02, gravado no ficheiro 0191009110548_2840025_2871732 do minuto 4:5 ao minuto 4:30: Procuradora -Quando ela vinha cá a Portugal o Sr. sabe onde é que ela ia, se ficava nessa tal casa em …? MRF - Não sei onde é que ela ficava lá no algarve, ela de vez em quando vinha aqui com a minha mãe a Portugal, ficava aí deixava-a aí, por várias vezes, pelo menos uma vez deixou a minha, mãe aqui em Portugal e eu levei-a para Inglaterra agora onde é que ela residia… P) E, ainda do depoimento da testemunha MBMA que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", contadores 00.00.01 a 00.21.17 do minuto 17:32 ao minuto 14:48: M. Juiz: Está bem e ela lá vive com quem? MBMA: Vive com uma filha que tem problemas mentais com (imperceptível) e um ano e tal antes da mãe falecer sempre viveu com a mãe (imperceptível). E do minuto 18:06 ao minuto 19:01, Advogada – …desde já o seu depoimento a senhora diz que sempre teve conhecimento que a R vivia com a mãe daquilo que ela lhe dizia ou ia lá…MBMA – Não, a R quando vinha a Portugal normalmente trazia a mãe. Mandatária: Levava a mãe para …? MBMA – Exactamente. Mandatária: A Sra. não consegue precisar se a mãe estava com ela? MBMA -Estava porque cheguei a falar muitas vezes ao telefone com a mãe, inclusive a mãe gostava muito de falar comigo e chegou a falar muitas vezes comigo ao telefone. Mandatária: Não sabe se ela estava todos os dias com a R, certo? MBMA - Eu sei que a ela estava todos os dias com a mãe eu sei que a R cuidou da mãe durante 16 anos seguidos
Q) E, embora as testemunhas (irmãos da arguida), por um lado afirmassem que a ofendida não “mexia” no dinheiro do banco, acabam por referir que a final vivia da sua reforma e até chegava a dizer aos filhos que levantassem dinheiro para as necessidades, como se constata do trecho seguinte da testemunha MRF, do minuto 12:15 ao minuto 12:49: Procuradora - Nunca levantou, …a sua irmã M. do C a partir de determinada altura acabou por, ao responder ao responder a perguntas que a sua mãe que dizia vai ao banco para comprar isto, a sua mãe não dizia isto? Olha vai lá ao banco levantar dinheiro que é para se comprar isto? MRF - Era capaz de me ter dito algumas vezes. E do minuto 16:47 ao minuto 17:31: Procuradora - Tem conhecimento se ela acabou por depois ir ao banco, por andar a diligenciar porque era muito dinheiro, ao fim e ao cabo se a sua mãe não mexia quem iria lucrar com isto tudo eram os filhos, não era? Quando ela morresse ficavam com este dinheirinho. MRF - Sim, a minha mãe sempre pensou que aquele dinheiro ficasse para a gente penso eu que era o que ela devia pensar, porque se ela não lhe mexia, ela nunca vinha a … desde que eu me lembro ela nunca, tinha a reforma dela, o dinheiro que ela ganhava, o da reforma chegava para ela não tinha mais despesas praticamente nenhumas, chegava bem para ela, nunca vinha levantar dinheiro propriamente ao banco para ela, desde que eu me...
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