Acórdão nº 112/20.4T8TNV-E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 112/20.4T8TNV-E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Cível de Torres Novas – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por (…) contra (...) e (…), a Autora veio interpor recurso do despacho saneador que julgou verificada a excepção de ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade entre um dos pedidos formulados e a causa de pedir.

* A Autora pede: a) a declaração de constituição de uma servidão legal de passagem, em que os prédios dominantes são os prédios da Autora, os prédios rústicos designados E…, E…, E…, E… e E…, e o prédio serviente é o prédio dos Réus, o prédio designado E….

  1. o reconhecimento do direito da Autora ao uso pleno de uma servidão de passagem, sem qualquer restrição que não seja a resultante da lei e dos bons costumes.

  2. a condenação dos Réus a proceder à remoção do portão do local onde o colocaram.

  3. a condenação dos Réus a repor o acesso aos prédios rústicos da Autora, que se fazia pela estrema poente do prédio rústico designado por E…, através de portão próprio para o efeito.

  4. a condenação dos Réus a fechar, através de muro próprio para o efeito, o acesso que mandaram construir na estrema poente do prédio rústico da Autora E….

  5. a condenação dos Réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam a passagem da Autora, ou de quem esteja ao seu serviço e por sua vontade, a pé, de carro, trator ou qualquer outro meio para os prédios dela.

    * Para tanto, em síntese, a Autora alega que é proprietária de cinco prédios rústicos (inscritos na matriz sob os artigos matriciais … secção E, … secção E, … secção E, … secção E e … secção E da freguesia de …, concelho de Torres Novas) e que o primeiro Réu é dono de um prédio rústico (inscrito na matriz sob o artigo … secção E, da mesma freguesia).

    Refere que, pelo menos há 80 anos, o acesso aos prédios rústicos da Autora se fez através de um caminho que atravessa a parte nordeste do prédio inscrito na matriz sob o artigo … secção E, por os mesmos estarem encravados.

    Menciona ainda que, entre os meses de Janeiro e Julho de 2019, o primeiro Réu construiu um portão no caminho de acesso aos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … secção E e … secção E, vedando o acesso da Autora a estes dois imóveis pela referida passagem.

    * Regularmente citados, os Réus deduziram contestação, por via da qual impugnam os factos alegados pela Autora e concluem pela improcedência dos pedidos formulados.

    * Por despacho proferido em 28/09/2020, foi determinada a notificação da Autora e dos Réus para se pronunciarem sobre a possibilidade de se verificar a excepção de ineptidão da petição inicial, por contradição entre a causa de pedir alegada (constituição de uma servidão predial por usucapião) e o pedido formulado sob a aliena b) (constituição de uma servidão legal de passagem).

    * A Autora defendeu que não se verificava a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e os Réus sustentaram que existia uma notória incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido formulado pela Autora. * Em sede de despacho saneador, o Juízo de Competência Cível de Torres Novas julgou verificada a excepção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, declarou a nulidade de todo o processo, absolvendo os Réus da instância.

    * A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões: «1. Com o presente recurso pretende a ora recorrente a revogação do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo que colocou termo à causa, datado de 01/12/2020, devidamente notificado à recorrente a fls…, por notificação electrónica via plataforma informática Citius, cuja data de elaboração foi 02/12/2020, e com a ref.ª n.º 85378882, e a decisão nele contida: “Pelo que, em face do exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julga-se procedente a exceção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, declara-se a nulidade de todo o processo e absolvem-se os réus da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 186.º, nºs 1 e 2, alínea b), 576.º, nºs. 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º, todos do Código de Processo Civil”.

    1. O âmbito do presente recurso é assim o despacho saneador proferido, e a aplicação do direito realizada pelo Douto Tribunal a quo, e centra-se em quatro grandes temas/ impugnações do direito aplicado.

    2. Desde logo, pelo facto que a recorrente, na sua PI alegou factos que consubstanciam e enformam, pelo menos, duas causas de pedir, a saber, o facto dos seus prédios serem prédios encravados nos termos do artigo 1550.º e ss. do Código Civil, e usucapião, e não apenas uma causa de pedir como vem amplamente referido no douto despacho saneador ora em crise.

    3. Numa segunda dimensão do presente recurso, defendemos que os factos verificadores do instituto do usucapião alegados pela Autora, enquanto causa de pedir, não estão em contradição com os pedidos, tanto quanto ao pedido formulado na alínea b), como quanto ao pedido formulado na alínea c) do pedido da PI.

    4. Continuando, defendemos ainda, sem conceder, que mesmo que houvesse uma desconexão entre a causa de pedir que a Mmª. Juiz a quo identifica como usucapião, essa desconexão nunca consubstanciaria a verificação dos requisitos previstos no artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

    5. Finalmente, numa quarta vertente de impugnação do despacho saneador e da aplicação do direito nele contida, e mais uma vez sem conceder, a ser como defende o Douto Tribunal a quo no despacho ora em crise, sempre seria de aplicar os princípios do aproveitamento dos actos e da economia processual, e ser concedida à autora a possibilidade de aperfeiçoar a sua PI.

    6. Pelo que supra ficou dito, começaremos então por referir que o Douto Tribunal a quo defende que a Autora apenas alegou uma causa de pedir na sua petição inicial, a saber, a “constituição de uma servidão predial por usucapião” (cfr., verbi gratia, pág. 4 e pág. 7 do despacho).

    7. Com a devida vénia, não podemos partilhar de semelhante entendimento, uma vez que a recorrente, na sua petição inicial, alega factos que permitem identificar, pelo menos, mais uma causa de pedir – a constituição de uma servidão predial em consequência dos seus prédios estarem encravados.

    8. A recorrente, o longo dos artigos 18.º, 35.º, 36.º, 52.º, 67.º e 68.º da PI alega factos e junta prova documental que comprovam que os seus prédios são prédios encravados nos termos e para os efeitos do artigo 1550.º do Código Civil.

    9. Como se pode verificar pelo alegado nos referidos artigos da PI, o pedido não versa apenas na “constituição de um direito de servidão de passagem por usucapião” tal como a Mmª. Juiz a quo refere expressamente no despacho saneador, mas sim, e também, a constituição de um direito de servidão de passagem uma vez que os vários prédios da apelante, melhor identificados na PI, se encontram encravados.

    10. Neste sentido, a Autora ora recorrente, na sua PI alegou inúmeros factos que permitem identificar os seus prédios como prédios encravados, factos alegados esses para os quais a apelante apresentou prova documental e testemunhal (esta ainda não produzida), e que consubstanciam e enformam uma causa de pedir legalmente admissível e facto constitutivo do direito potestativo à constituição de uma servidão legal de passagem, tal como se encontra previsto na nossa lei substantiva (cfr. artigo 1550.º do Código Civil).

    11. Para tanto atente-se ainda no disposto no venerando aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 401/12.1TBAGN.C1, datado de 27-05-2014, no qual se defende que o ónus de alegar os factos referentes ao encravamento dos prédios pertence à Autora, de forma a se verificar e comprovar a existência do direito potestativo à constituição da servidão legal, o que sucedeu na PI dos presentes.

    12. Apesar da Autora ter alegado e comprovado na sua PI que os seus prédios são prédios encravados, o douto despacho saneador a quo é totalmente silente nesta questão.

    13. Termos em que resulta inequívoco que não existe qualquer contradição entre a causa de pedir alegada (os prédios da recorrente serem prédios encravados) e o pedido vertido na alínea b) da PI: “deve ser declarada a constituição de uma servidão legal de passagem […]”.

    14. Ainda, a acumulação das causas de pedir alegadas nos autos não são substancialmente incompatíveis entre si, pelo que não geram, elas próprias, uma excepção de ineptidão da PI.

    15. Prosseguindo, corresponde à verdade que a autora alegou, ao longo de toda a sua PI (cfr. artigos 13.º a 17.º, 30.º, 32.º, 33.º, 39.º, 42.º, 44.º, 55.º a 58.º e 64.º), que o caminho de acesso aos seus prédios E…, E…, E…, E…, E… se fazia pelo prédio dos réus, o que sucedeu durante sensivelmente 80 anos, isto porque estes prédios da recorrente estão encravados.

    16. Assim, alegou e comprovou que os prazos e requisitos necessários para a verificação do instituto da usucapião estão preenchidos, e que a posse exercida é aparente, tudo nos termos e para os efeitos dos artigos 1295.º e 1296.º do Código Civil. Defendeu ainda que as servidões prediais podem ser constituídas por usucapião (cfr. art. 63.º da PI).

    17. Pelo que se constata que a recorrente, na sua PI, alegou factos que consubstanciam e enformam duas causas de pedir e não apenas uma como a Mmª. Juiz a quo defende. Por um lado, o facto dos seus prédios estarem encravados, por outro lado, o facto de o acesso aos mesmos prédios fazer-se através de um caminho que atravessa a parte nordeste do prédio propriedade do réu 1.

    18. Como se defendeu supra, a causa de pedir a que “designemos” de causa de pedir n.º 1 (os prédios da Autora serem prédios encravados) é compaginável e conexa com o pedido elaborado na alínea b) do pedido (a constituição de uma servidão legal de passagem), não se verificando aqui nenhuma contradição entre a causa de pedir e o pedido.

    19. Por outro lado, a causa de pedir n.º 2...

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