Acórdão nº 2126/19.8T8OER.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

J… (A), residente na Avenida …, Algés, intentou ação especial de acompanhamento de maior, requerendo o suprimento da autorização da sua irmã M…, residente na …, Sousel, para a propositura da ação e, bem assim, que seja decretado o acompanhamento da mesma.

Alegou, para tanto e em síntese, que a beneficiária sofre de sintomas de sintomas demenciais compatíveis com a doença de Alzheimer, em fase moderada, condição que reveste caráter permanente e irreversível, encontrando-se a mesma totalmente dependente de terceiros e incapacitada para tomar decisões sobre a sua vida.

Citada, a beneficiária apresentou contestação (cf. ref. citius n.º 1436907), admitindo necessitar de acompanhamento, embora requerendo que lhe seja aplicada um regime de acompanhamento ponderado, limitado ao necessário, de acordo com as suas atuais necessidades.

Realizou-se a audiência final, no âmbito da qual se procedeu à audição da beneficiária.

Foi proferida sentença, que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência (transcrição): 1 - Declara-se suprido o consentimento da beneficiária M… para a propositura da presente ação.

2 - Decreta-se a aplicação do regime de maior acompanhado à beneficiária M… e determina-se como medida de acompanhamento a representação geral, consignando-se que tal medida se tornou necessária desde Julho de 2018.

3- O exercício de direitos pessoais pela acompanhada fica restringido da seguinte forma:

a) A acompanhada é incapaz de testar (cf. artigo 2189.º, alínea b) do Código Civil); b) A presente decisão impede a acompanhada de pessoal e livremente providenciar acerca da aceitação ou rejeição de liberalidades a seu favor (cf. artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro); c) Para os efeitos previstos no artigo 5.º, n.º 3 da Lei n.º 36/98, de 24 de Julho (Lei da Saúde Mental), a presente decisão não faculta o exercício direto de direitos pessoais; d) Com a presente decisão e para os efeitos do artigo 13.º da Lei da Saúde Mental, ocorre a restrição de direitos pessoais, pelo que os acompanhantes detêm legitimidade para requerer as providências previstas no referido diploma.

4 - Nomeia-se J…, funcionário da acompanhada, com residência na …, Fronteira, para exercer o cargo de Acompanhante, ao qual compete assegurar o bem-estar e o pleno exercício dos direitos da beneficiária, sendo conferido ao mesmo os necessários poderes para proceder (i) à gestão das herdades da A… e da R…, ambas pertencentes à beneficiária, bem como dos respetivos instrumentos e objetos de trabalho que se encontram afetos às referidas explorações, (ii) das contas bancárias abertas na Caixa … e tituladas pela beneficiária, com o n.º … e com o n.º …, e, por fim, (iii) dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, propriedade da beneficiária.

5- Nomeia-se J…, irmão da acompanhada, com residência na Avenida …, Algés, para exercer o cargo de Acompanhante, ao qual compete assegurar pela gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, com exclusão das herdades, contas bancárias e veículos automóveis acima discriminados.

6- Para integrarem o Conselho de Família, nomeia-se S…, cunhada da acompanhada, e A…, funcionária da acompanhada.

Inconformada com a sentença, veio a acompanhada interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): “ESTRUTURA DAS ALEGAÇÕES: 1- QUESTÃO PRÉVIA: DAS NULIDADES DA SENTENÇA (Artºs 1º a 38º)

  1. Nulidades do Artº 615º/1 als. c) e d) do CPC; b) Nulidades do Artº 662º/2 al. c) CPC.

    2- DOS FUNDAMENTOS SUBSTANTIVOS DO RECURSO PROPRIAMENTE DITOS (Artºs 38º a 88º) 1- DAS NULIDADES DA SENTENÇA

  2. Nulidades do Artº 615º/1 als. c) e d) do CPC; 1ª- Tendo em conta os factos dados como provados sob os pontos 14, 19 a 22 e 25 dos factos provados, não podia o douto tribunal a quo ter dado como não provado que que a beneficiária apenas dispusesse dos cuidados que o seu funcionário Joaquim Brito e os seus familiares lhe prestam.

    2ª- Constitui um vício insanável do chamado “silogismo judiciário” dar-se como provado que O Requerente visitou a beneficiária pela última vez no início do ano de 2020 (portanto há mais de 1 ano) e, simultaneamente, dar como não provado que O Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico.

    3ª- Padece do mesmo vício/contradição a decisão que dá como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano e, simultaneamente, dá como não provado que O Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico.

    4ª- Tais contradições consubstanciam não só uma contradição com a decisão final de nomear o Requerente como Acompanhante da Beneficiária mas também uma construção viciosa na medida em que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

    5ª- - Considerando os interesses a acautelar com os presentes autos, tendo o douto Tribunal a quo dado como provado que que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros e tendo sido juntos aos autos elementos documentais que fazem recair sobre o Requerente (nomeado Acompanhante) suspeitas de actos ilícitos contra o património da Beneficiária, não podia o douto Tribunal a quo deixado de ordenar oficiosamente prova e de se pronunciar sobre tais factos (valor/tipologia do património e actos perpetrados pelo Requerente contra esse património).

    6ª- O douto Tribunal a quo omitiu por completo qualquer determinação acerca da periocidade da revisão das medidas de acompanhamento, o que era especialmente relevante in casu tendo em conta a situação clínica da Beneficiária e que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros (exigindo uma gestão corrente e assídua).

    7ª- Não obstante o douto Tribunal a quo tenha dado como provado que “O Requerente realizou diversos pagamentos/transferências bancárias, em número e valor não concretamente apurados, a partir das contas bancárias da beneficiária” na parte dispositiva da sentença decidiu “cumpre apenas consignar que, tendo em vista a natureza das medidas de acompanhamento ora aplicadas – as quais visam, no essencial, conservar a situação fática vigente –, julga-se não se afigurar necessária a aplicação de qualquer medida cautelar, nos termos previstos no artigo 891.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.

  3. Nulidades do Artº 662º/2 al. c) CPC.

    8ª- O douto Tribunal a quo deu como provado que que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros e tomou conhecimento de factos praticados pelo Requerente que podem consubstanciar violação dos interesses da Beneficiária, mas considerou desprovido de interesse e irrelevante as transferências realizadas a partir das contas bancárias da beneficiária pelo Requerente, nomeando-o – ainda assim – Acompanhante da Beneficiária para gerir precisamente todo esse património (que o Tribunal não indagou saber qual era).

    9ª- O douto Tribunal a quo deu como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano, instituiu um regime de administração de bens e nomeou o Requerente como Acompanhante da Recorrente atribuindo-lhe poderes para assegurar gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, mas nem sequer se pronunciou sobre o domicílio legal da Acompanhada, pelo que da conjugação dos nºs 5 e 6 do Artº 85º CC resulta que a Beneficiária «fica sem» domicílio legal.

    10ª- O douto Tribunal a quo deu como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano, mas na parte decisória nomeou o Requerente como Acompanhante indicando como residência do mesmo Algés; 2- DOS FUNDAMENTOS SUBSTANTIVOS DO RECURSO PROPRIAMENTE DITOS I- Suprimento do consentimento da Beneficiária para a propositura da presente acção.

    11ª- O Requerente não solicitou o consentimento da Requerida para a propositura da presente acção, e na sua Contestação a Beneficiária não só não prestou tal consentimento como recusou as medidas de Acompanhamento propostas pelo Requerente.

    12ª- Do Relatório de Avaliação Neuropsicologia Forense de fls. 146ss e do Relatório de Natureza Pericial Psiquiátrica e de Avaliação de Capacidade Civil de fls 155ss resulta que a Beneficiária apresenta capacidade para escolher os seus acompanhantes e da Motivação da douta sentença recorrida consta que “Sem prejuízo de tudo quanto se disse, não poderá deixar de se assinalar a vontade manifestada pela beneficiária – vontade essa, diga-se, que não se vislumbra encontrar-se colocada em causa pela incapacidade supra referida”.

    13ª- Assim, e não tendo o Acompanhamento sido requerido pelo MP, carecia o douto Tribunal a quo de legitimidade para suprir o consentimento da Beneficiária para a propositura da presente acção.

    II- Retroacção dos efeitos da medida decretada a Julho/2018; 14ª- O douto Tribunal a quo não tinha fundamento legal nem elementos de prova para fazer retroagir a Julho/2018 a produção de efeitos das medidas decretadas.

    15ª- Ao contrário do que se alega na motivação da douta sentença relativamente aos pontos 10 e 11 dos factos provados, dos relatórios juntos a fls 146ss e 155ss dos autos não resulta que a Recorrente padecesse de incapacidade generalizada em Julho/2018.

    III- Nomeação do Sr. J… para exercer o cargo de Acompanhante e gerir as herdades 16ª- A Recorrente nada tem a opor à nomeação do funcionário J… como seu Acompanhante nos moldes em que o foi, considerando contudo que essa gestão não deve ser atribuída única e exclusivamente ao referido funcionário, porquanto na eventualidade de uma fatalidade (acidente, doença, …) toda a «empresa» (ENI) ficaria bloqueada, sem gestão, com impossibilidade de realização de pagamentos fornecedores e...

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