Acórdão nº 137/19.2T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 137/19.2T8VFR.P1 (apelação – 3ª Secção) Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – J 3 Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto I.

B…, viúva, professora, residente na Rua …, n.º .., …, ….-… Espinho, por si e na qualidade de representante dos seus filhos menores C… E D…, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra E…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede …, n.º .., ….-… Lisboa.

Alegou --- aqui no essencial --- que o seu cônjuge e pai daqueles seus dois filhos faleceu no dia 3.10.2018, na sequência e por causa de um atropelamento ocorrido no dia 26.9.2018, em que foi interveniente um veículo ligeiro de passageiros, conduzido pelo seu proprietário, F…, e a vítima quando esta fazia jogging em passo ligeiro ao longo da extremidade esquerda da plataforma da estrada, atento o sentido de marcha seguido pelo veículo ligeiro, que ali surgiu quando contornava um veículo estacionado ao seu lado direito, tendo aquela faixa de rodagem dois sentidos de marcha.

Tal acidente ficou a dever-se exclusivamente à conduta contraordenacional daquele veículo (matrícula ..-IC-..), por transitar com velocidade excessiva, numa condução imprudente.

Pela reparação dos danos, responde a R. seguradora, por o proprietário do veículo ter transferido para ela a responsabilidade civil emergente da sua circulação, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ………; daí a sua legitimidade para a ação.

Os AA. consideram verificados determinados danos, para cuja reparação invocam também o direito às indemnizações correspondentes, como se segue: Danos não patrimoniais: 1- Perda do direito à vida - € 80.000,00 2- Dano sofrido pela vítima antes de morrer - € 50.000,00; 3- Dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte - € 40.000,00 para a A. viúva e € 30.000,00 para cada um dos dois filhos; Danos patrimoniais: - Com as cerimónias fúnebres - € 1.583,20; - Danos patrimoniais por privação dos rendimentos que a vítima auferia e afetava ao sustento dos AA. - € 500.000,00 (€ 100.000,00 para o filho mais velho, € 125.000,00 para o filho mais novo e € 275.000,00 para A. B…).

Os AA. fizeram terminar o seu articulado deduzindo o seguinte pedido: «Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em conformidade, ser a Ré condenada a pagar aos Autores: i. a quantia global de € 701.583,20 (setecentos e um mil, quinhentos e oitenta e três euros e vinte cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro em crise nos presentes autos; ii. a quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento, relativamente às demais quantias peticionadas nos presentes autos; iii. no pagamento das custas do presente processo e na procuradoria devida.

» (sic) Citada, a R. apresentou contestação onde impugnou grande parte dos factos alegados na petição inicial, nomeadamente relacionados com a dinâmica do acidente, cujas circunstâncias descreveu de modo diferente, defendendo a culpa exclusiva do peão no atropelamento e a exclusão de qualquer indemnização.

O tribunal dispensou a realização de audiência prévia, proferiu despacho saneador tabelar, identificou o objeto do litígio, especificou os temas de prova e pronunciou-se sobre a admissibilidade dos meios de prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «1) Julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré E…, Companhia de Seguros, S.A a pagar a quantia global de 376.187,40€ (trezentos e setenta e seis mil, cento e oitenta e sete euros e quarenta cêntimos) aos autores, da seguinte forma (nestes valores já considerando a redução a 75% correspondente à proporção de culpa fixada): a.

Pela perda do direito à vida de G…, a quantia de 56.250,00€, a repartir igualitariamente entre os três autores; b.

Pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima G…, a quantia de 11.250,00€, a repartir igualitariamente entre os três autores; c.

Pelo dano não patrimonial sofrido pela autora B…, a quantia de 18.750,00€; d.

Pelo dano não patrimonial sofrido pelo autor C…, a quantia de 13.125,00€; e.

Pelo dano não patrimonial sofrido pelo autor D…, a quantia de 13.125,00€; f.

Pelos danos patrimoniais, a quantia de 1.187,40€, a repartir igualitariamente entre os três autores; g.

Pelo dano futuro (perda de direito de alimentos), à autora B…, a quantia de 131.250,00€; h.

Pelo dano futuro (perda de direito de alimentos), ao autor C…, a quantia de 63.750,00€; i.

Pelo dano futuro (perda de direito de alimentos), ao autor D…, a quantia de 67.500.00€; j.

Às quantias por danos patrimoniais acrescem juros moratórios de 4% desde a citação e às quantias por danos não patrimoniais, acrescem juros moratórios de 4% desde a prolação da presente sentença.

2) À quantia indemnizatória fixada deve deduzir-se o valor global pago pela ré a título de arbitramento de reparação provisória (cfr. procedimento cautelar em apenso), até ao trânsito em julgado.

3) Custas, por autores e ré, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), nestas se incluindo custas de parte (art.ºs 529.º e 533.º, do CPC), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário dos autores.

» * Inconformados, recorreram os AA., em matéria de Direito, formulando as seguintes CONCLUSÕES: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Pretendem a substituição da sentença por outra que condene a R. seguradora a pagar aos AA. as indemnizações peticionadas nos termos acima assinalados.

A R. ofereceu contra-alegações defendendo a confirmação da sentença.

*Foram colhidos os vistos legais.

*II.

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação dos AA., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Somos chamados a decidir as seguintes questões: 1. Culpa exclusiva do condutor do veículo na eclosão do atropelamento; 2. Quantificação das indemnizações atribuídas aos AA.

*III.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância: 01.

A autora B… foi casada com G… (doc. 1 junto com o procedimento cautelar).

  1. Na constância desse matrimónio nasceram em 13-4-2013 e 20-9-2015, C… e D… (doc. 2 e 3 juntos com o procedimento cautelar.

  2. G… faleceu em 30-10-2018, pelas 16:25 hr., Hospital …, em Vila Nova de Gaia, no estado de casado com a autora B… (assento de óbito, junto sob doc. 4 com o requerimento inicial do procedimento cautelar, cujo teor se considera reproduzido).

  3. No dia 26-9-2018, pelas 20:00 horas, ocorreu um sinistro na Rua …, sensivelmente em frente ao prédio urbano com o número de polícia …, na freguesia …, pertencente ao concelho de Espinho, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, modelo …, com a matrícula ..-IC-.., conduzido pelo seu proprietário F… e G…, enquanto peão.

  4. A Rua … descreve-se em reta com uma extensão superior a 400 metros e tem uma largura de cerca de 7,50 metros, sendo constituída por dois corredores de circulação, em piso betuminoso, sem qualquer marcação (à data do sinistro), cada um afeto ao seu sentido de marcha e sendo ladeada nas extremidades por muros de habitações, sendo que a via não tinha quaisquer passeios ou bermas, estando, esses muros ou essas habitações, construídos na extrema da plataforma da estrada.

  5. À data do sinistro, o limite máximo de velocidade naquela via era de 50 km/hora, tendo a via habitações com portas a dar diretamente para a estrada e situando-se dentro do perímetro urbano da localidade de ….

  6. O sinistro referido em 04) consistiu num atropelamento, circulando o veículo IC pela Rua …, no sentido norte - sul, pela hemi-faixa de rodagem mais à direita, atento esse sentido de marcha.

  7. Quando o veículo IC se encontrava a contornar um outro veículo que se encontrava devidamente estacionado, o mais próximo possível da extremidade direita da Rua … (atento o sentido tomado pelo veículo de matrícula IC), de identificação não apurada, o seu condutor transpôs o eixo imaginário da faixa de rodagem, começando a derivar para a sua esquerda, destinada ao trânsito em sentido oposto.

  8. Nas circunstâncias de tempo e lugar, seguia apeado, praticando atletismo, G…, por local concretamente não apurado próximo do limite direito — e pelo lado direito — da hemi-faixa de rodagem, no sentido sul-norte, oposto ao sentido do veículo IC.

  9. G… vestia um blusão escuro, sem qualquer refletor e estava a usar auscultadores.

  10. Após o referido em 08), o condutor do IC deparou-se com o peão G… e embateu com a frente esquerda do seu veículo automóvel no corpo do referido peão, que após ter sido projetado para o capot e vidro frontal esquerdo do veículo, caiu no solo, onde ficou imobilizado.

  11. O IC deixou marcas de rastos de travagem no pavimento da Rua … de 6,40 metros de comprimento, ficando imobilizado cerca de 8 metros relativamente ao local onde ficou o corpo do peão, em sentido oblíquo atenta a configuração da referida Rua, com a parte central e da frente do veículo na hemi-faixa esquerda.

  12. O IC circulava a velocidade concretamente não apurada, mas superior a 50 km/hora.

  13. No momento do sinistro, o estado do tempo era bom, existia visibilidade, estando a escurecer, mas ainda com luz natural, não chovia e o piso encontrava-se seco, conforme auto de participação, junto sob doc. 6 com o requerimento do procedimento cautelar, cujo teor se considera reproduzido.

  14. Após ter caído no pavimento, o G… ficou em sofrimento a aguardar a chegada dos meios de socorro, ensanguentado, ficando imobilizado sobre a plataforma da...

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