Acórdão nº 394/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 394/2021

Processo n.º 925/19

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC») da decisão do Tribunal Arbitral, de 4 de setembro de 2019, que julgou improcedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante designado «IRC») relativo ao ano de 2015, na parte em que se decidiu que o encargo suportado com a contribuição sobre o sector bancário (doravante designada «CSB») liquidada em 2015 não podia ser deduzido ao lucro tributável, nos termos previstos na alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC (cf. fls. 3-10).

A ora recorrente pugnou por que este preceito fosse julgado materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real (artigos 13º e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), e consequentemente recusada a aplicação da norma, revendo-se o ato de liquidação de IRC em conformidade. O tribunal recorrido concluiu que a norma impugnada não padecia de qualquer dos vícios de inconstitucionalidade apontados e, consequentemente, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral (cf., em especial, as fls. 5v-10, n.º II, 6 e ss.).

2. Desta decisão veio interposto o presente recurso, admitido pelo tribunal a quo (cf. fl. 17v), tendo as partes sido notificadas para produzir alegações, com a menção de que constitui objeto do recurso o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), na medida em que impede a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, do encargo suportado com a contribuição sobre o sector bancário (cf. fl. 85).

3. A recorrente produziu alegações, que concluiu, abreviadamente, nos seguintes termos (cf. fls. 114-128):

«D. CONCLUSÕES

1º. A Recorrente colocou à apreciação do Tribunal Arbitral duas questões concernentes à conformidade constitucional da alínea p), do n.º 1, do artigo 23.º-A, do CIRC – que impõe a não dedutibilidade do gasto com a CSB no apuramento do lucro tributável daquele imposto – à luz princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, previstos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;

2º. Julgou aquele Tribunal Arbitral, na decisão de que ora se recorre, que a aludida disposição normativa não é inconstitucional por violação dos aludidos princípios fundamentais, tendo julgado como improcedente a pretensão da Recorrente;

3º. Por não concordar com tal entendimento, a Recorrente interpôs o presente recurso de inconstitucionalidade da alínea p), do n.º 1, do artigo 23.º-A, do CIRC, passando a expor os fundamentos que alicerçam o entendimento de que a norma quid do presente recurso afronta os identificados princípios constitucionais, impondo a prolação de pronúncia jurisdicional distinta;

(…)

6º. De acordo com o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do CIRC os montantes suportados a título de CSB não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;

7º. Não obstante proibir o legislador ordinário a dedução dos gastos incorridos com a CSB, este consente na dedução de todas restantes contribuições bancárias assentes nos mesmos propósitos extrafiscais, nomeadamente: as contribuições iniciais, periódicas e especiais para o Fundo de Resolução e; as contribuições para o Fundo Único de Resolução;

8º. A exceção à regra geral de dedutibilidade dos gastos sub judice padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP;

9º. A tributação pelo rendimento real traduz a idoneidade para suportar o tributo, sendo uma decorrência do princípio da capacidade contributiva, de acordo com o qual os contribuintes só podem ser tributados pela sua efetiva e real força económica;

(…)

12º. Nessa medida, o reconhecimento de todas as componentes do rendimento – incluindo as negativas – para o apuramento do IRC devido afigura-se, em regra, essencial para a concretização dos princípios constitucionais do rendimento real e da capacidade contributiva;

13º. Pelo que, as normas que obstem à dedução de gastos efetiva e legitimamente suportados pelo sujeito passivo padecerão, à partida, de inconstitucionalidade material por violação daqueles princípios;

14º. Uma vez que a CSB configura um gasto legalmente imposto de que depende o exercício da atividade bancária impõe-se constitucionalmente a sua relevação negativa no apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos (em linha, aliás, com o que sucede em relação às restantes contribuições bancárias para o Fundo de Resolução e Fundo Único de Resolução);

15º. A contrario sensu, ao proibir a dedução da CSB em sede de IRC, o legislador ordinário impõe a tributação de um custo que o sujeito passivo suportou no exercício e por força da sua atividade, sujeitando-se a imposto um rendimento superior ao efetivamente auferido;

16º. Em face do exposto conclui-se que o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p) do CIRC sujeita a tributação um rendimento empolado, à revelia dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva (cfr. artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP);

17º. A tal não obsta o facto de o 104.º, n.º 2, da CRP prever que a imposição fiscal deva fundamentalmente incidir sobre o rendimento real, não excluindo terminantemente a introdução de modulações excecionais que divirjam do mero apuramento declarativo-contabilístico do imposto;

18º. Isto porque tais modulações devem ser tendentes à tributação da real força económica do sujeito passivo ou à salvaguarda de outros valores constitucionalmente consagrados, sob pena de esvaziar aqueles princípios constitucionais de qualquer sentido útil;

19º. Nesse sentido encontra-se vedada a desconsideração como gasto da CSB caso inexista justificação adequada, razoável e proporcionada para tal (i.e. a eventual derrogação da dedutibilidade, para efeitos fiscais, do gasto com a CSB, depende de uma razão justificadora significativa, não podendo ainda exceder o necessário, adequado e proporcional à salvaguarda dessa razão);

20º. Contrariamente ao exposto na decisão arbitral recorrida, não se conjeturam motivos justificativos que validem a proibição de dedução da CSB, encontrando-se o regime ínsito no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do CIRC ferido de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação segundo o lucro real e da capacidade contributiva vertidos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;

21º. Um dos motivos justificativos abstratamente admissíveis reporta-se à dificuldade na quantificação aritmética do imposto (consentido a proibição de dedução em IRC da própria coleta do IRC);

22º. Todavia, sendo a CSB um tributo autónomo e independente do IRC – que nem incide sobre o lucro – tal motivação técnico-prática não se afigura plausível a justificar a disposição legal sub judice;

23º. Outro dos motivos reporta-se à proibição de dedutibilidade de despesas que indiciem promiscuidade entre as despesas do foro pessoal e empresarial do sujeito passivo, porquanto não se tratam de verdadeiros gastos incorridas em benefício do interesse societário

24º. Porém, sendo a CSB um tributo legalmente imposto que reverte a favor do Estado não existe qualquer benefício pessoal que algum sócio ou funcionário relacionado com instituição bancária possa obter com o incurso neste gasto, não permitindo esta justificação afastar constitucionalmente a imposição de dedutibilidade da CSB no apuramento do rendimento tributável em IRC;

25º. Um último motivo justificativo típico prende-se com o vetor moralista e sistémico da ordem jurídica, negando a dedução de gastos consequentes de comportamentos reprováveis sancionados pelo Estado (e.g. multas ou coimas);

26º. Porém, derivando a CSB tão-somente do regular exercício da atividade bancária não se divisa neste tributo qualquer comportamento ilícito que legitime a adoção, no caso em apreço, desta justificação;

27º. Conclui-se, assim, não existirem motivos justificativos que possibilitem a não dedutibilidade do gasto com a CSB em sede de IRC, padecendo o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do CIRC, na interpretação supra descrita, de inconstitucionalidade por preterição dos princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP;

(…)

32º. Em contradição com o princípio da igualdade, na alínea p) n.º 2 do artigo 23.º-A, do CIRC, o legislador ordinário previu a dedutibilidade fiscal de um custo da atividade do sujeito passivo, custo este que apenas incide sobre o sector bancário;

33º. Todavia, inexistindo um efetivo e real motivo para se impedir que a CSB seja considerada como custo fiscalmente dedutível, temos que tal norma traduz uma (proibida) arbitrariedade;

34º. Pelo que, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do CIRC padece também de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade;

35º. A decisão arbitral recorrida parece de erro de julgamento porquanto sentenciou que o artigo...

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