Acórdão nº 395/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 395/2021

Processo n.º 954/19

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em que é recorrente A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC») da decisão do Tribunal Arbitral, de 30 de setembro de 2019, que julgou improcedente o pedido de anulação do ato de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante designado «IRC») relativo ao ano de 2015, na parte que se refere à não dedução dos montantes suportados com a contribuição extraordinária sobre o sector energético (cf. fls. 10-42).

2. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de requerimento diretamente apresentado a este Tribunal. Considerando que, conforme se decidiu no Acórdão n.º 262/2015, se impõe a desaplicação da norma extraída do n.º 4 do artigo 25.º do RJAT e a consequente aplicação do regime processual previsto na Lei do Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 1, da LTC), foi proferido despacho pela Relatora, determinando a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que este se pronunciasse sobre a admissão do recurso, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 76.º da LTC (cf. fls. 116-117). O tribunal recorrido admitiu o recurso por despacho de 28 de novembro de 2019 (cf. fl. 125v).

3. As partes foram notificadas para alegar, nos termos previstos no artigo 79.º da LTC, com a menção de que constituiria objeto do presente recurso a interpretação do artigo 12.º do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (aprovado pelo artigo 282.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril) e do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) no sentido de não ser dedutível, para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o encargo suportado com a contribuição extraordinária sobre o setor energético (cf. fl. 129).

4. A recorrente produziu alegações, concluindo, abreviadamente, o seguinte (cf. fls. 131-205):

«Conclusões

I. As inconstitucionalidades e norma em causa

A) Está aqui em causa a inconstitucionalidade da norma de indedutibilidade (desconsideração) do encargo suportado com a CESE no apuramento do lucro tributável do IRC e derramas (estadual e municipal), constante da alínea q) do n.° 1 do artigo 23.°-A do Código do IRC, e do artigo 12.° do regime jurídico da CESE,

B) por violação dos princípios do rendimento real e da capacidade contributiva, do princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade ou da justa medida, e da propriedade privada, previstos e consagrados (por ordem de numeração) nos artigos 2.° (Estado de direito), 13.°, 18.°, n.°s 2 e 3, 62.° e 104.°, n.° 2, da Constituição.

II. A actividade da recorrente e a inevitabilidade do encargo com a CESE no âmbito da mesma

C) A A. dedica-se entre o mais à "importação, distribuição e comercialização de gás de petróleo liquefeito".

D) Ora, a lei, o regime jurídico da CESE, estipulou que estão obrigados ao seu pagamento (são sujeitos passivos da mesma) as entidades, entre outras, que "sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n. ° 31/2006, de 15 de fevereiro. " (artigo 2.°, alínea k), do regime jurídico da CESE).

E) Em face desta estipulação, a A. ficou inevitável e legalmente obrigada a suportar um novo encargo na sua actividade, o encargo com a CESE, o que vem ocorrendo desde 2014 e ocorreu mais uma vez no exercício fiscal de 2015 aqui em causa (cfr. Docs. n.°s 3 e 4 do PPA, nas págs. 94 e segs. do PPA).

F) Donde a conclusão indisputável no sentido da indispensabilidade (legalmente imposta) do encargo com a CESE incorrido no âmbito da actividade da requerente de comercializadora grossista de produtos energéticos.

III. A violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação fundamentalmente do rendimento real das empresas

(…)

V) Ao vedar o direito à dedução desta contribuição enquanto gasto para efeitos de IRC, o legislador subverte o princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, inventando uma capacidade contributiva em IRC que não existe, e que não existe justamente por imposição do Estado que criou este encargo fiscal, a CESE, e o faz pagar pelo grupo de sujeitos passivos (entre os quais a recorrente) que entendeu segregar para efeitos de imposição da pesada tributação adicional sobre activos que é esta CESE.

W) A violação prima facie dos dois primeiros é autoevidente: se a lei tributa o lucro apurado de acordo com a contabilidade organizada, mas depois afasta um custo real incontrovertido e inevitável da actividade sem que se vislumbre (nem a lei apresenta) razão anti-elisiva alguma, apurando o lucro como se esse custo real e inevitável não existisse, está a tributar lucro e capacidade contributiva ficcionados, inexistentes.

X) Dito de modo equivalente, a impossibilidade de deduzir a CESE no apuramento do lucro tributável em IRC é violadora dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real: a indedutibilidade da CESE não resulta da aplicação de conceito ou critério alternativo algum àquele que busca a determinação do rendimento real. É simplesmente uma negação do critério da busca do rendimento real, porque sim, para em seu lugar tributar rendimento fictício, inexistente, porque sim, porque o legislador quer.

Y )E, mais grave (violação mais intensa do princípio da igualdade), tributação em IRC de rendimento/lucro fictício este (inexistente), que onera apenas um grupo de contribuintes segregado para o efeito, o dos sujeitos passivos da CESE.

IV. A violação do princípio da igualdade

(…)

BB) A desigualdade entre contribuintes, e mais ainda a arbitrariedade de tratamento entre contribuintes, introduz-se se e quando, como no caso, determinado custo específico da actividade de um círculo determinado de contribuintes (o encargo com a CESE) é retirado do cômputo do lucro real, é retirado da medição da capacidade contributiva real.

CC) Esse círculo determinado de contribuintes pagará na medida desse custo afastado do cômputo do lucro real, IRC sobre lucro inexistente, sobre capacidade contributiva inexistente. Os outros contribuintes não sofrerão esta tributação adicional sobre lucro fictício (ou outra equivalente ou "equalizadora").

DD) E há violação do princípio da igualdade por uma razão adicional especial (por oposição à razão estrutural que supra se explicitou): no exercício fiscal de 2015 aqui em causa, uma outra contribuição especial que o legislador entendeu criar, a contribuição especial sobre a indústria farmacêutica (CEIF) 13[13 Criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015], com nenhuma indedutibilidade em IRC foi atingido.

EE) Ora, perante as semelhanças entre as duas contribuições conforme supra detalhado, cumpre questionar a razão pela qual a CESE sempre foi considerada, desde a sua origem, como um encargo não dedutível para efeitos fiscais (cfr. disposto na alínea q) do n.° 1 do artigo 23.°-A do Código do IRC, na redacção concedida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014) e a CEIF, pelo contrário, foi considerada como encargo fiscal (até ao ano de 2017), susceptível de ser deduzida ao lucro tributável dos sujeitos passivos que a suportavam.

FF) Quer com isto a recorrente dizer que existe, pelo menos nos anos de 2015 a 2017, uma violação especial, isto é, de um prisma mais estreito, do princípio da igualdade, sem prejuízo da violação de um prisma estrutural (geral) deste e de outros princípios constitucionais, conforme supra visto e infra se complementará ainda.

V. Violação qualificada, agravada, do princípio da igualdade

GG) O princípio da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias impõe que o encargo com a CESE releve para efeitos de IRC, por maioria de razão (e não simplesmente por identidade de razão) vis-à-vis a autorizada de dedução em IRC de encargos com impostos, taxas e contribuições financeiras clássicas.

(…)

LL) Começando pelas contribuições financeiras clássicas, é aí evidente e preciso aquilo em que as contribuições são aplicadas: no funcionamento de entidades de supervisão e fiscalização prudencial e comportamental de empresas que operam em massa em áreas sofisticadas e sensíveis do ponto de vista das regras a cumprir e da protecção dos direitos dos consumidores.

MM) E é evidente igualmente que o grupo delimitado a quem são exigidas as contribuições é quem deve pagá-las: é a necessidade do seu especial acompanhamento, do especial acompanhamento e regulação da sua actividade lucrativa, que gera a necessidade de financiar entidades especializadas dedicadas a esse seu acompanhamento e fiscalização. Não há aqui presunção alguma, apenas e tão só a constatação de uma realidade por todos constatável.

NN) Com a CESE está-se, porém, fora da realidade objectivamente verificável. Está-se, como se exprimiu consistentemente o Tribunal Constitucional, perante conexões difusas e presumidas entre uma noção vaga de supostas despesas com "políticas sociais ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética 14[14 Cfr. o artigo 2.°, n.° 1, alínea a) do Decreto-Lei n.° 55/2014 que...

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