Acórdão nº 37/08.1TBSCD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução15 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO A…, Lda., intenta a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B… , Pedindo: a condenação do Réu a pagar à autora a quantia de 832.920,00 €, ou aquela que efetivamente se vier a provar corresponder aos seus reais prejuízos por aquele causados, assim como os futuros que no seu decurso se apurem, bem como nos que se vierem a liquidar.

Alegando, para tal e em síntese: o réu é seu sócio desde janeiro de 2012, detendo 66% por seu capital; apesar de a gerência de direito se encontrar atribuída ao sócio D… , o Réu B… arrogou-se da qualidade de gerente, passando a gerir os destinos da sociedade; no exercício de tal gerência, praticou atos que lesaram o património da sociedade, nomeadamente: levou, sem documentação, quantidades significativas de produto da autora, provavelmente para a G… , sem que haja efetuado os respetivos pagamentos, colocando a autora em infração perante as autoridades alfandegárias e fiscais com o risco das inerentes responsabilidades fiscais, contraordenacional e civil, e prejudicando a A…, Lda ao não ver pagas as quantidades de matérias primas por si produzidas e das quais o Réu se apropriava, usando a sua qualidade de gerente; nomeadamente, apurou-se a falta de inúmeras faturas que identifica, relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006, correspondentes ao que supostamente seriam as vendas de mercadorias da Requerente para a G… , além de faltas de entrega em IVA e IEC, sem os consequentes débitos à G… e sem os devidos pagamentos, concluindo-se haverem sido omitidos à autora valores no montante estimado de 395.212,00 €, apenas para estes tres anos, sem que os mesmos lhe tenham sido pagos; nas relações entre a A., como cliente, e a G… como fornecedora, esta faturou à Autora inúmeros produtos que nunca deram entrada nos armazéns da Autora, encontrando-se, de qualquer modo, em falta os correspondentes valores, que ascendem a 25.065,09 €; um dos funcionários da autora passou a estar diariamente ao serviço da G… , continuando a A. a suportar os respetivos salários, até agora estimados em 41.880,00€, sendo igualmente debitados à autora custos em combustíveis e refeições, no valor de 23.240,00 €, quando tais custos se reportam a viaturas ao serviço exclusivo da G… ; os elevados valores de receitas omitidas à autora conduziram à contração de sucessivos empréstimos, gerando encargos financeiros muito desfavoráveis, dadas as taxas de juros à razão de 10,5 % anuais, na ordem dos 95.840,00 €, evitáveis por desnecessários; tornando a G… o seu único cliente da Ginja V, vinha transacionado os seus produtos com uma escassíssima margem de lucro, no exercício de 2002 encontra-se contabilizada na rubrica honorários o valor global de 13.875,82 €, sem referência à sua natureza e em documentos não válidos ou sem qualquer documento, sendo o seu beneficiário o Réu; no site da DGCI apurou-se a existência de dívidas fiscais e coimas por infrações fiscais em mora e coimas por infrações fiscais, alcançando mais de 120.000,00 €, sendo certo que a quantia de 58.837,95 € de IEC em falta, resulta da ilegal introdução no consumo e comercialização pelo Réu, em benefício seu ou da G… , de cerca de 36.112,22 L de licor de Ginja da A., no período compreendido entre 1 de janeiro de 2003 e 31 de abril de 2004; produto este num valor não inferior a 50.000 €, fora uma coima no montante de 30.000,00 € que, por consequência de tal introdução ilegal no consumo, foi então aplicada à A.; acresce que, em agosto de 2007, levou 888 caixas de Ginja, em setembro mais 235 caixas, e pediu para embalarem mais 300 caixas, tudo num valor aproximado de 70.182,36 €, sem que a A tenha recebido qualquer valor como contrapartida devida; em novembro de 2007, voltou o R. a levar 5.652 garrafas de Licor de Ginja, agora no valor global de 23.252,33 €, com IEC e IVA incluídos, sem proceder ao respetivo pagamento e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades alfandegárias; prejuízos que poderão ascender a mais de 832.920,00 € e pelos quais o réu é responsável ao abrigo do disposto no artigo 72º nº1, por violação do artigo 64º, ambos do CSC, aplicáveis por analogia aos administradores de facto.

* A 11 de setembro de 2008, a sociedade autora propõe uma segunda ação – Processo nº 549/08.7TBSCD –, contra o aqui Réu, cuja apensação aos presentes autos veio a ser determinada, e na qual pede: a exclusão da qualidade de sócio da autora, assim perdendo a titularidade e o domínio das suas participações sociais/quotas da autora, no valor nominal de 12.469,98€, alegando, em síntese: aproveitando a sua qualidade de administrador de facto da autora, entre fevereiro de 2002 e outubro de 2007, o réu procedeu ao levantamento e apropriação de Licor Ginja V produzida pela autora, aproximadamente num total de 65.750 garrafas, sendo não faturadas, pelo menos, 57.407 garrafas e cerca de 10.488 faturadas mas sem lugar à emissão das respetivas DIC’s, em qualquer das situações sem pagamento do respetivo produto assim como do correspondente IABA e do respetivo IVA, alcançando globalmente (produto, IABA e IVA) valores de cerca de 300.000,00 €; tais apropriações, correspondendo a introduções ilegais no consumo, geraram coimas e dívidas fiscais, as quais viriam a ser parcialmente detetadas numa 1ª ação de fiscalização até ao período de 24 de maio de 2004, apurando-se uma falta nas existências da autora de 6.500,20 L de álcool puro, correspondendo a um valor de IABA devido ao Estado de 58.371 €, e de onde resultou a aplicação de coima fixada no valor de 30.000 €; acresce que, em Agosto e Setembro levou mais caixas num valor aproximado de 70.182,36 €, e em novembro de 2007, voltou a levar mais 5.652 garrafas de Licor de Ginja num valor global de 23.252,33 €, sem declaração de introdução no consumo; realizado novo varejo à autora, compreendendo um período entre 31.05.2004 e 07.08.2008, veio de novo a concluir-se que ocorreu introdução irregular no consumo de 42.444 garrafas de licor de ginja, e em consequência uma dívida de IABA, no montante de 113.108,78 €, acrescida de 5.782,63 €; do controlo cruzado que aí se fez com a G… apurou-se a existência de 26.605 garrafas de Ginja V suas instalações sem qualquer documento de venda, pelo que resulta certo ter a A., por consequência da conduta do R. de pagar mais 58.770 de IABA, juros e coimas, para além do respetivo IVA; mais alega todos os demais factos por si alegados na 1ª ação para sustentar o pedido de indemnização civil formulado contra o Réu; Conclui que o R., fosse pela obtenção de vantagens económicas à conta da A., fosse pela criação injustificada de encargos, pela descapitalização, pelo uso de bens sociais ou dos seus capitais para fins estranhos e prejudiciais aos interesses da A. e fraudes na contabilidade e na administração, o Réu visou satisfazer apenas interesses pessoais, conduzindo à quebra da confiança entre ele e a autora e os demais sócios.

* O Réu contesta ambas as ações, alegando, em síntese: o Réu viu-se obrigado a intervir na gerência da autora, porquanto, o seu gerente D… não praticava os atos necessários à gestão da sociedade; todas as decisões da gerência foram tomadas com o conhecimento e o acordo do gerente D… ; todos os produtos alegados nos arts. 65º a 69º da P.I. foram efetivamente fornecidos e deram entrada nas instalações da requerente; quanto às dívidas fiscais apenas subsiste uma dívida de 14.341,85 €, encontrando-se em contencioso uma possível dívida de 59.000 €, relativa a factos que têm a ver com a alegada falta de álcool em stock, sendo que pode reportar-se a período anterior a janeiro de 2002 por não ter havido controle de stocks aquando da aquisição das quotas por parte do Réu; com exceção dos 43.443,84 € relativos ao último fornecimento de 2007, a que se refere o artº 97 da P.I., todos os produtos entregues pela autora à G… foram faturados e pagos.

O réu conclui pela improcedência de ambas as ações e pela sua absolvição do pedido e, ainda, na ação principal, alegando ter, como representante da G… , procedido ao pagamento de todos fornecimentos à autora, sendo obrigado ao longo dos anos a efetuar suprimentos à autora, sendo credor da mesma de avultadas quantias, como resulta do balancete de 31-12-2007, valor que não pode liquidar, formula pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a pagar ao réu o valor que exceder a compensação e que afinal se apresente como crédito do Réu sobre a autora, e, alegando ainda que, pretendendo a autora ser ressarcida pela gestão levada a cabo entre 2002 e 2007, altura em que a autora teve como gerente, de direito e de facto, D… e como alegado gerente de facto o aqui réu, e que o referido D… , por ação ou omissão, participou na boa ou má gestão da autor, pelo que, pretendendo acautelar o seu direito de regresso, requer a intervenção provocada passiva do sócio gerente D… , a fim de este ser admitido na causa como associado do réu, com as legais consequências.

A 14 de julho de 2008[1], foi proferido despacho a admitir o incidente de “intervenção principal provocada” de D… , que citado nos termos do artigo 327º do anterior CPC, interveio nos autos aderindo ao articulado da autora.

Realizada audiência de julgamento, cuja última sessão teve lugar no dia 5 de julho de 2018, a 7 de março de 2019, foi proferida sentença a: I. Julgar a presente ação principal parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia líquida de €309.918,38.

II. Condenando o Réu a pagar à Autora a quantia que se liquidar em execução de sentença, no que tange aos acima elencados prejuízos não quantificados, com o limite relativo ao montante total do pedido da ação principal.

  1. Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu, dele absolvendo a autora.

  2. Julgar a procedente a ação apensa, declarando excluído o Réu B… da qualidade de sócio da Autora A… LDA, pelo que os produtos que fabrica “Licor de Ginja V”– com a consequente PERDA DA TITULARIDADE E O...

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