Acórdão nº 671/10.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CARDOSO
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.º Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO 1. A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida em 27/01/2012, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por "S… M... Portugal, Lda.", contra o acto de correcção dos prejuízos fiscais por si apurados no exercício de 2005, o qual resultou da desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por excesso de endividamento, nos termos do disposto nos n.ºs 1, e 6, do artigo 61º do CIRC, por aplicação das regras de subcapitalização àquelas operações.

  1. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. No que respeita ao não cumprimento do disposto no artº 63º do CPPT, sempre se dirá, que é unânime a posição de que o regime de subcapitalização previsto no art.61º do CIRC se enquadra no conceito de abuso de direito. Mas também é posição assente da doutrina que não se tratando de uma cláusula geral anti-abuso como se encontra plasmada no nº 2 do art.38º da LGT, ela reveste a forma de uma cláusula anti-abuso específica; II. Questão diferente á a de saber se, sendo o regime de subcapitalização ínsito no art.61º do CIRC reveste a forma de uma cláusula anti-abuso especifica, exige a aplicação do procedimento previsto no art.63º do CPPT.

    III. As cláusulas anti-abuso tem por finalidade prevenir e reprimir as crescentes práticas de evasão e fraude fiscais. Cláusulas que se apresentam como cláusulas especiais e cláusulas gerais.

    IV. No entanto, nem todas estas disposições podem ser tidas por cláusulas anti-abuso, pura e simples, pois, pelo menos algumas delas como as dos artigos 59º, 60º e 61º do CIRC limitam-se a estabelecer presunções a afastar através de procedimento do art.64º do CPPT, e não cláusulas a aplicar seguindo o procedimento de aplicação de normas anti-abuso previsto no art.63º do CPPT.

    V. Tais disposições especiais usualmente qualificadas como normas anti-abuso, entre as quais se encontram os artigos 59º, 60º e 67º (anterior 61º) – subcapitalização, do CIRC, são normas que não se enquadram na hipótese do art.63º do CPPT, em face da definição dada no seu nº2.

    VI. Ora, de facto o nº 2 do art.63º estabelece quais as normas anti-abuso que seguem o procedimento estabelecido neste artigo, sendo que considera para tal ¯quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

    ‖ VII. O endividamento excessivo (subcapitalização) estabelecido no art.61º do CIRC não é uma norma que consagre ineficaz perante a AT negócios jurídicos praticados com manifesto abuso das formas jurídicas dos quais resultem redução ou eliminação de tributos.

    VIII. O art.61º do CIRC apenas se limita a estabelecer presunções, presunções que podem ser afastadas pelo sujeito passivo nos termos do art.64º do CPPT.

    IX. Sendo essa a posição assumida pela Administração Fiscal, conforme Despacho do Director Geral dos Impostos de 17-01-2004 – Proc.771/2002 X. No que respeita à invocada falta de fundamentação da desconsideração da demonstração pretendida pelo interessado a que se referem as alíneas D) e E), quanto à existência de idêntico nível de endividamento e em condições análogas, se recorresse a uma entidade independente, salvo o devido respeito não podemos concordar com o entendimento vertido na douta sentença recorrida.

    XI. Os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que o montante de 2.327.266,44€ não podia ser aceite para efeitos de dedução à matéria colectável de IRC pelo facto de ser excessivo face às regras de subcapitalização previstas no art.61º do CIRC; XII. Consideraram ainda os Serviços de Inspecção que a Impugnante não logrou provar que os empréstimos contraídos entre a Impugnante e a sociedade M... R... Inc se justificavam e que haviam sido contratados em condições e termos idênticos aos que seriam contratados em condições normais de mercado.

    XIII. Dos elementos probatórios constantes dos autos dúvidas não restam que a Impugnante no ano de 2005 excedeu o rácio de endividamento a que se refere o nº 3 do artº .61º do CIRC através de empréstimos contraídos com a M... R... Inc., sociedade que detêm 99,998% do capital social da Impugnante os quais foram considerados excessivos 68,51% dos juros no montante de 2.327.266,44€.

    XIV. Face ao exposto, bem como ao disposto no artº 61º, nº 6º do CIRC, contrariamente ao invocado na douta sentença recorrida, cabia à Impugnante, e não à Administração Fiscal, provar que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento em condições análogas de uma entidade independente, o que não logrou fazer.

    XV. No que respeita ao juros indemnizatórios que a douta sentença entende serem devidos, entendemos, salvo o devido respeito, que não existe fundamentação legal para tal decisão; XVI. Resulta da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo entendeu que assistia razão à impugnante, em virtude da Administração Fiscal não ter dado cumprimento ao disposto no artº 63º do CPPT, o que consubstancia uma preterição de formalidade essencial; XVII. Considerou ainda que a desconsideração da demonstração pretendida pelo interessado a que se referem as alíneas D) e E), quanto à existência de idêntico nível de endividamento e em condições análogas, se recorresse a uma entidade independente, não se encontra devidamente fundamentada, sendo certo, embora a douta sentença recorrida não o invoque, que tal situação consubstancia uma preterição de formalidade essencial; XVIII. Pelo que, no caso em apreço não se verifica nenhuma situação subsumível à previsão do artº 43º da LGT, pelo que, a verificar-se a procedência da impugnação, não deverá a Administração Fiscal ser condenada no pagamento de Juros Indemnizatórios.

    XIX. Assim, face ao exposto entendemos que a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, e violação do disposto nos artºs 63º do CPPT, 61º do CIRC e 43º da LGT razão pela qual deverá ser revogada.

    Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.» 3. A recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: «A. Deve ser mantida a douta sentença recorrida, que decidiu pela anulação do ato de liquidação impugnado pela ora Recorrida por preterição de formalidades essenciais, consubstanciadas na violação do procedimento especial previsto no artigo 63.º do CPPT.

    B. Isto porque a norma da subcapitalização é considerada unanimemente pela doutrina como uma cláusula específica antiabusiva, de onde se pode concluir que se insere no âmbito de aplicação do referido artigo 63.º do CPPT.

    C. Caso assim não se entenda (o que apenas se admite por mero dever de patrocínio), deverão ser conhecidas as restantes ilegalidades suscitadas na p.i., nos termos do n.º 3 do artigo 149.º do CPTA, ex vi artigo 2.º do CPPT.

    D. A Recorrente apresenta doutrina contra a aplicação do procedimento especial previsto no artigo 63.º do CPPT ao presente caso, sem no entanto se dar conta que esta mesma doutrina apenas assim o faz porque considera que o regime de subcapitalização não é mais do que uma presunção legal, sendo-lhe aplicável o regime do artigo seguinte, ou seja, o artigo 64.º do CPPT.

    E. Acontece que, também pela aplicação do artigo 64.º do CPPT, a liquidação é ilegal visto que a Recorrida apresentou requerimento de abertura de procedimento contraditório próprio, nos termos do n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC e do artigo 64.º do CPPT, tendo o mesmo sido tacitamente deferido, por força do n.º 3 desta última norma.

    F. Assim, a liquidação impugnada ou é ilegal por preterição de formalidades essenciais previstas no artigo 63.º do CPPT ou é necessariamente ilegal por violação do artigo 64.º do CPPT e dos artigos 108º, 140º e 141º do CPA, sendo que o próprio RFP reconhece, nas suas alegações de recurso, que era aplicável o artigo 64.º do CPPT.

    G. Qualquer interpretação do artigo 64.º do CPPT que exclua da sua aplicação o presente caso configurará uma inconstitucionalidade, por violação do princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos por parte da Administração neste caso concreto, e ainda da atuação com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 266.º da CRP.

    H. Isto porque, ao nunca responder ao requerimento de abertura de procedimento contraditório próprio apresentado pela Recorrida, para vir quase 4 anos depois desconsiderar o aí exposto por via de inspeção, configura um venire contra factum proprium inaceitável e inconstitucional por parte da Administração Tributária.

    I. A sentença recorrida não considerou provado, nem considerou especificamente por provar, o facto de as condições estabelecidas nos empréstimos entre a Recorrida e a sua casa-mãe serem ou não análogas às condições estabelecidas entre entidades independentes, que é a questão substantiva central nos autos, por força do n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC.

    J. No entanto, a sentença recorrida considera que "dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita", tendo no entanto...

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