Acórdão nº 2865/10.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório J.......

veio deduzir oposição judicial aos processos de execução fiscal n.º ....... e apensos, na qualidade de responsável subsidiário das dívidas fiscais da sociedade devedora principal «D……….. Lda.», no montante de €720.676,03. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 292 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 06 de Março de 2019, julgou procedente a oposição judicial. Nas alegações de fls. 331 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formulou as conclusões seguintes: «I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, na parte em que o douto Tribunal considerou que o oponente é parte ilegítima, verificando-se assim o fundamento previsto na alínea b) do nº1 do artigo 204º do CPPT, com fundamento de que o oponente logrou nos presentes autos ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.

  1. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que da prova produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, designadamente na parte em que se decidiu pela ilegitimidade do oponente consubstanciada no facto de o mesmo ter apresentado a sociedade à falência por forma a permitir aos credores a cobrança dos seus créditos à custa do património social.

  2. Da análise da certidão de registo comercial constata-se que a ora oponente consta como o único gerente da sociedade "D......., Lda." (devedora originária), NICP ......., desde 07-03-1994. (cfr. Doe. 1 e 2 juntos com a P.1.) IV. Acresce o facto que o Oponente reconheceu que exerceu as funções de gerente da sociedade "D......., Lda."., na data do termo do prazo de pagamento das dívidas em causa.

  3. Aliás, o Tribunal "a quo" considera o oponente como o gerente de facto, à data dos factos tributários, da sociedade em causa.

  4. Pelo que o douto Tribunal fundamenta a ilegitimidade da Oponente, somente no facto de o mesmo ter apresentado a sociedade à falência, considerando dessa forma ilidida a presunção de culpa que sobre ele impendia.

  5. Ora, não pode a Fazenda Pública conformar-se com esta conclusão perante a totalidade dos factos apurados nos autos.

  6. O Oponente alega na petição Inicial (P.1.), nomeadamente nos pontos 95º a 99º, que a dificuldade ou impossibilidade de proceder ao pagamento de alguns tributos objeto da presente execução foi reconhecida pelo Oponente, tendo por essa razão decidido apresentar a sociedade à insolvência, por incapacidade de cumprimento das suas obrigações. Tais dificuldades tiveram na sua origem um conjunto de alterações do mercado objeto da atividade da devedora originária, alterações essas melhor identificadas no requerimento de apresentação à insolvência: - A criação da empresa Águas de Portugal e das suas participadas: - A partir dessa altura a atividade camarária e dos institutos estatais no sector quase desapareceu, uma vez que passou a existir um único operador no sector e, portanto um único cliente para as empresas com a mesma atividade da requerente; - Como consequência a fixação dos preços por falta de concorrência esmagaram os preços praticados pelas empresas com a atividade da devedora originária onde se incluía. (Cfr. Doc. 3, junto com a P.1.) IX. Por outro lado, face aos elementos carreados nos autos, designadamente a informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 208º do CPPT, bem como os despachos de audição prévia e de reversão proferidos contra o oponente, verifica-se que o mesmo não só não cumpriu com os pagamentos devidos fiscalmente, como também não cumpriu com todas as obrigações declarativas a que uma sociedade se encontra obrigada. (Cfr. fls. 50 a 56, 81 a 82, dos autos) X. A situação concreta demonstra, para além do incumprimento no pagamento (IVA), a inércia, o abandono ou falta de vontade do gerente e, por outro, a violação dos seus deveres para com a sociedade. E, exteriorizando o gerente ou director, a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados (cfr. Artigos 248º, 249º e 250º do Código Comercial e Artigos 191º, 192º, 193º, 252º, 259º, 260º, 261º, 390º, 405º, 408º, 470º, 474º e 478º, todos do Código das Sociedades Comerciais), é lícito que este seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele.

  7. Pelo que terá de concluir-se que a Oponente contribuiu para a insuficiência patrimonial da sociedade, pois, olhando para a dívida em causa, da atuação daquele expôs a firma aos constrangimentos gerados pela aplicação de coimas e pelas cobranças coercivas em execução fiscal.

  8. Contudo, sendo o oponente gerente da sociedade devedora originária, face ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, é a este que compete provar que não foi responsável pela falta de pagamento das dividas.

  9. Resulta que a alínea b) deste art.º 24º da LGT institui uma presunção legal de culpa a cargo do gerente que apenas pode ser ilidida mediante a prova do contrário (art.º 350º/2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (art.º 346º do Código Civil) exigindo-se antes a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (acs. do TCAN n.º 00415/05.8BEBRG de 09-02-2012 (Relator: Irene Isabel Gomes das Neves) e 00021/02 - PORTO de 06-04-2006. Relator: Moisés Rodrigues).

  10. A prova de não ter agido com culpa passa necessariamente por referenciar omissões ou ações específicas (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, in "A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedade Comerciais", Almedina, 2000, pp. 129). A alegação desses factos tem de passar, necessariamente, pela alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das (diversas) adversidades a que a devedora originária alegadamente ficou exposta.

  11. E, no caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte-, a falta de pagamento tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «Objectivos» totalmente alheios à sua finalidade.

  12. Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas não pode deixar de indiciar um comportamento censurável.

  13. Como é natural, quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção legal de culpa.

    XVIII. Essa alegação não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos actos empreendidos. Daí que, in casu, a tentativa de afastar a culpa com uma ou várias referências genéricas e imprecisas ("com a criação da empresa Águas de Portugal e das suas participadas, passou a haver um único operador no setor e, portanto um único cliente para as empresas com a mesma atividade da requerente...", "a fixação dos preços, por falta de concorrência esmagaram os preços praticados pelas empresas com a atividade da devedora originária"..., os resultados negativos consecutivos eram pronuncio da incapacidade da sociedade sobreviver no mercado...") nada diz de concreto, tornando a alegação insuficiente (e por isso também a respetiva prova) para desonerar o oponente da presunção de culpa.

  14. O que é importante para essa avaliação da culpa, é que sejam alegados factos pormenorizados, datados, consistentes e bem documentados de modo a que o julgador possa, em consciência, decidir que o responsável subsidiário ilidiu a presunção de culpa que sobre ele recai.

  15. A apresentação à insolvência, com o devido respeito, não é medida que ilida a presunção de culpa, uma vez que ela surge no final de uma cadeia de acontecimentos que se desconhecem - mas que seria importante conhecer ' assim como importante seria saber quais as medidas (concretas) tomadas para inverter o curso dos acontecimentos, porque só assim estariam reunidas condições para avaliar a razão pela qual os impostos não foram pagos.

  16. Por conseguinte, o que foi alegado de modo algum é suficiente para ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento do imposto devido.

  17. Posto isto, afere que a Oponente não demonstrou que não foi por sua culpa que o pagamento das dívidas fiscais, em causa, não se efectuou, sendo certo que lhe cabia afastar completamente essa presunção de culpa (cf. al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT) XXIII. Destarte, no entender da Fazenda Pública, e sem embargo de melhor opinião, constata-se que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, porque não procedeu ao correcto enquadramento da matéria de facto no disposto no artigo 24.º, n.º 1, b) da LGT, na medida em que desresponsabiliza totalmente o Oponente, enquanto gerente da devedora originária, pelo facto de ter apresentado a sociedade à falência.

    X O recorrido devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

    X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

    X Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

    X II- Fundamentação.

    2.1. De Facto.

    A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes: «A) Através das certidões de dívida de folhas 72 a 157 dos autos foram instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa-2 os processos de execução fiscal n.º ....... e apensos para cobrança da dívida exequenda contraída pela sociedade «D……. Lda.», no montante de €720.676,03.

    B) A inscrição de matrícula da sociedade devedora...

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