Acórdão nº 2239/18.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório A...., LDA. deduziu no Tribunal Tributário de Lisboa a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC n.º .... relativa ao ano de 2014 e respectiva liquidação de juros de compensatórios sobre si emitidas, no valor global de 1.464.943,43€. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 226, datada de 18/03/2020, julgou totalmente improcedente a acção apresentada. A impugnante interpôs recurso, alegando nos termos seguintes: «I. Constitui objecto do presente recurso a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial.

  1. Os números 4, 5 e 6 da matéria de facto da sentença constituem uma mera transcrição do relatório do procedimento de inspecção tributária.

  2. Para que o julgador considere como provado determinado facto, não bastará a transcrição integral de um meio de prova, pois tal circunstância não permite dar a conhecer o percurso lógico, racional e objectivo que esteve na origem da valoração e que consequentemente permitiu adquirir uma determinada convicção probatória.

  3. Tal como se lapidarmente se escreveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte, proferido em 28 de Janeiro de 2016, no processo n.º 00479/09.5BEPRT, «[...] na declaração dos factos provados e não provados o dever de clareza implica que eles não sejam expostos em «amálgama» indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal. E muito menos que tenham conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios, porque estes são completamente inúteis para a decisão da causa (e não é lícito realizar actos inúteis no processo - art 130º do NCPC)».

  4. Também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte, proferido em 23 de Junho de 2016, no processo n.º 00383/07.1BEMDL, refere que «Em geral, pode afirmar-se que a remissão ou transcrição (integral) do RIT nos factos provados é - salvo raras excepções -, uma forma inadequada de fixação da matéria de facto, sendo que é nula a sentença que, na respectiva fundamentação, se basta com uma mera transcrição acrítica do relatório de inspecção, que nem sequer versa sobre uma das questões suscitadas pelo impugnante».

  5. E no já mencionado Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte, proferido em 28 de Janeiro de 2016, no processo n.º 00479/09.5BEPRT, sumariou-se que «8. A prática de verter nos factos provados o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre o dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença. 9. Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar - discriminar, especificar-, os factos que esses documentos comprovam. 10. Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT)».

  6. Daqui decorrendo que a sentença agora recorrida não cumpre as regras legais que presidem à elaboração da sentença, já que, ao meramente transcrever, sem qualquer selecção, sem qualquer critério discriminativo, o relatório do procedimento de inspecção tributária, assim optando por tudo amalgamar na categoria de factos provados, demitiu-se do dever de discriminar e especificar, os fundamentos de facto da decisão.

  7. Por fim, certo é que na ponderação da natureza instrumental do processo tributário e dos princípios da cooperação e da adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois apenas desse modo ficam salvaguardados os direitos das partes, nomeadamente em sede de recurso da matéria de facto, habilitando o Recorrente ao cumprimento dos ónus impostos em sede de impugnação da matéria de facto - als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.

  8. É assim, a deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados - como é o caso da sentença agora sob recurso - é susceptível de comprometer irremediavelmente o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à sua tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no artigo 20.º, da Constituição.

  9. Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou os artigos 125.º, n.º 1, do CPPT, 607.º, n.º 4 e 668.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC e 20.º, da Constituição, pelo que deve ser revogada.

  10. A sentença é ainda nula, por omissão de pronúncia.

  11. Com efeito, na p.i., a ora Recorrente suscitou as seguintes questões de Direito: XIII. O artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC, tal como está redigido, excede amplamente os seus objectivos de combate aos comportamentos evasivos dos contribuintes, estando, assim, evidenciada de per si a sua inadequação, por violação do artigo 104.º da Constituição, dos princípios da proporcionalidade e da adequação - artigos 9.º a 17.º, da p.i.

  12. Ocorreu vício de violação de lei da liquidação impugnada, por violação expressa dos artigos 23.º e 24.º do CIRC e inconstitucionalidade material por violação dos artigos 18.º e 104.º, ambos da Constituição e dos princípios comunitários da proporcionalidade e da livre concorrência - artigos 18.º a 28.º, da p.i.

  13. O princípio da livre concorrência ao nível comunitário ficou vulnerado e comprometido, dado que a restrição ao comércio com os Emirados Árabes Unidos, advinda da inclusão deste Estado na lista de jurisdições com um regime de tributação claramente mais favorável não é extensível aos restantes membros da União Europeia, que podem assim comerciar com os EAU em situação francamente mais favorável do que a aqui Impugnante - artigos 23.º a 28.º, da p.i.

  14. A remissão feita, no artigo 63.º-D, n.º 1, da Lei Geral Tributária, para a definição da lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável, mediante mero acto regulamentar, viola o artigo 165.º da Constituição - artigos 46.º a 50.º, da p.i.

  15. Inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 63.º-D, n.º 1, da Lei Geral Tributária, visto ser uma norma em branco com remissão total para outra norma de complementação - esta já materialmente administrativa -, de tal modo que o sentido concreto da norma acaba por ser definido fora do âmbito do órgão orgânica e materialmente competente, ou seja, a Assembleia da República - artigos 51.º a 54.º, da p.i.

  16. Inconstitucionalidade e desconformidade com o direito da União, do artigo 88.º, n.º 8, do Código do IRC, nos termos expressos nos artigos 57.º a 60.º, da p.i.

  17. Ora, a verdade é que a sentença recorrida não cuidou de nenhuma destas questões, expressamente invocadas na p.i., sendo certo que o artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, sanciona como causa de nulidade da sentença «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar».

  18. Cada uma das questões anteriormente enunciadas constitui uma questão autónoma das restantes e cuja procedência determinaria com evidência uma sorte diferente para o presente litígio, pelo que a não apreciação desta questão pelo Tribunal é também susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, razão pela qual o Tribunal ad quo deveria ter apreciado as referidas questões.

  19. E, em relação a todas estas questões anteriormente elencadas e que foram suscitadas na p.i. enquanto vícios próprios do acto impugnado, não é possível dizer-se que na sentença em recurso existem pronúncias tácitas (inferidas a partir da resposta ou prejudicadas pela resposta dada na análise de outras causas de invalidade) ou consequentes (decorrentes, logicamente, da resposta dada a outras causas de invalidade expressa e autonomamente tratadas), apenas existe falta de pronúncia sobre questões que, a serem decididas, poderiam ter ditado sorte diferente ao presente litígio.

  20. E que, por isso, deveriam ter sido decididas pela sentença sob recurso.

  21. Ao não o fazer, a sentença recorrida incorreu em nulidade, por violação do artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, pelo que deverá ser revogada.

  22. Pelas razões anteriormente expostas, a Recorrente expressamente impugna a matéria de facto dada como provada nos números 4, 5 e 6 do probatório, já que os denominados ‘factos’ que ali constam, mais não são do que a mera transcrição de um documento junto aos autos, não podendo, em consequência, a matéria impugnada ser considerada como factos - muito menos factos provados.

  23. A Recorrente expressamente impugna o facto dado como não provado, a saber: «os serviços descritos nas facturas n.ºs 17. 18 e 19 do ano de 2014 emitidas pela sociedade M.... sobre a Impugnante foram efectivamente prestados».

  24. Com efeito, se bem se atentar no arrazoado constante da p.i., nunca a agora Recorrente alegou, como causa de pedir, a efectividade ou a não efectividade da prestação dos serviços descritos nas facturas n.ºs 17. 18 e 19 do ano de 2014 emitidas pela sociedade M.....

  25. Bem diversamente, a agora Recorrente focou a sua argumentação num nível estritamente normativo, que respeita à cobertura normativa da actuação da Autoridade Tributária e não à apreciação, no plano dos factos, da substância dos serviços, não porque estes não tenham sido efectivamente prestados, mas porque, simplesmente, a Recorrente optou por discutir o acto impugnado apenas no plano normativo, abdicando de o discutir no plano dos factos.

  26. Deste modo, entende a Recorrente que o facto ora impugnado não deve subsistir, porque fixado para além dos factos invocados pela Impugnante na p.i. - o que configura, além do mais, nulidade processual.

  27. A isto acresce que, ao conferir relevância àquele facto, a sentença sob censura subverte toda a discussão aberta pela Recorrente na sua impugnação judicial, já que, independentemente do resultado final da discussão jurídica aberta na impugnação judicial, mantendo-se tal facto como não provado, sempre seria praticamente...

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