Acórdão nº 178/20.7SJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO |
Data da Resolução | 09 de Junho de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso nº178/20.7SJPRT.P1 Acórdão deliberado em conferência na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
*I. O MºPº veio interpor recurso da sentença proferida no processo comum singular nº178/20.7SJPRT do juízo local criminal do Porto- Juiz 4, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que: 1. não conheceu a factualidade da acusação relativa ao crime de violência doméstica, julgando verificada a excepção da violação do princípio ne bis in idem, e em consequência, absolveu o arguido B… da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CP; 2. operou a alteração da qualificação jurídica nos termos do art.º 358.º, n.º 1, 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal, condenando o arguido B… na pena de 14 (catorze) meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al.a) e n.º 2, por referência ao art.º 132.º, al. b) do Código Penal, suspensa na sua execução pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, sujeita a regime de prova e deveres específicos.
*I.1. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente, nos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).
(…)III - FUNDAMENTAÇÃO: 3.1- Matéria de facto provada:Discutida a causa ficaram provados e assentes os seguintes factos: 1 - A ofendida C… conheceu o arguido B… no ano de 2017, 2 - Tendo, desde logo, iniciado uma relação amorosa com o mesmo.
3 - Nessa sequência, passaram a viver juntos como se marido e mulher fossem, tendo fixado residência na Rua …, …, Porto.
4 – Deste relacionamento tiveram uma filha de nome D…, 5 – A qual nasceu em 11/01/2018, a qual está registada como filha do arguido B… e da ofendida C…. – cfr. fls. 40.
6 – Na constância do casamento, o arguido infligiu maus tratos físicos à ofendida, como puxões de cabelo e pontapés e maus tratos psicológicos, apelidando-a de “puta”, “vaca”, e acusando-a de ter outros homens, bem como mexendo na sua carteira e consultando o seu telemóvel.
7 - Tais situações deram origem ao inquérito n.º 1555/19.1PIPRT, no qual foram aplicadas ao arguido as medidas de coação de afastamento da residência e proibição de contactos com a ora ofendida.
8 – Tendo sido condenado na pena de dois anos e cinco meses de prisão efectiva, por sentença já transitada em julgado.
9 – Na sequência de um desentendimento, o arguido e a ofendida terminaram o relacionamento em dezembro de 2019.
10 - Todavia, em Janeiro de 2020, o arguido e a ofendida reataram a relação, passando a viver novamente juntos, na mesma residência.
11 – Nas primeiras duas semanas após o reatar da relação, o arguido manteve comportamento adequado com a ofendida.
12 – Após reatou os comportamentos descritos no ponto 6) dos Factos Provados.
13 - No dia 08/03/2020, pelas 05h40, ao chegar a casa vinda de um jantar da empresa onde trabalha, C… foi abordada pelo arguido que, incomodado pelo horário de chegada da ofendida puxou-lhe os cabelos e desferiu-lhe estalos, em número não concretamente apurado, na zona da sua cabeça, 14 - Tendo, ainda, tentado furar a sua cara com um objecto, cuja natureza concreta não se logrou identificar.
15 – Logo após, e apesar de alcoolizado, o arguido saiu de casa, levando consigo a sua filha menor e a mala da ofendida que, no seu interior, continha cartões e os óculos da mesma.
16 - Entretanto, C… contactou a policia, pedindo o seu auxilio.
17 – Logo de seguida, o arguido regressou a casa e continuou a agredir a C…, desferindo-lhe bofetadas na cara, puxões de cabelo e murros na barriga, em número não concretamente apurado.
18 – Finda a agressão, o arguido voltou a sair de casa, levando consigo o passaporte e o cartão de residência e o cartão de acesso à empresa, bem como o cartão multibanco e o cartão de alimentação da empresa todos pertencentes à ofendida.
19 - Após a chegada, os agentes da PSP entregaram a filha menor D… à ofendida, tal como o passaporte, o cartão de residência e o cartão de alimentação.
20 - O arguido quis molestar fisicamente a sua companheira e mãe da sua filha menor, sabendo que com tal conduta lhe causava dor, pretendendo magoá-la, o que conseguiu.
21 - O arguido atuou livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
22 – Do CRC do arguido consta que o mesmo já foi condenado: - por sentença datada de 03/07/2012, transitada em julgado em 23/07/2012, proferida no âmbito do Proc. n.º 1193/11.7PCBRG, foi o arguido condenado pela prática, em 05/01/2012, de um crime de violência doméstica e um crime de dano na pena de 3 anos de prisão suspensa por 3 anos com regime de prova e com a obrigação de proceder ao pagamento à ofendida do montante de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) e com a proibição de a contactar por qualquer forma durante o período da suspensão e a pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis), no montante total de €600,00, penas estas já extintas pelo cumprimento; - por sentença datada de 11/01/2018, transitada em julgado em 14/02/2018, proferida no âmbito do Proc. n.º 1800/16.5PIPRT, foi o arguido condenado pela prática, em 26/10/2016, de um crime de violência doméstica na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por igual período com regime de prova.
- por sentença, datada de 20/06/2020, e transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo n.º 1555/19.1PIPRT, foi o arguido condenado pela prática de um crime violência doméstica, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão efectiva.
23 - A ofendida apresentou queixa no âmbito do processo n.º 1555/19.1PIPRT em 15/09/2019.
24 - E apresentou queixa, nestes autos, em 13/03/2020.
25 - No âmbito do processo n.º 1555/19.1PIPRT foram dados como provados os seguintes factos: i) A ofendida C… conheceu o arguido B… no ano de 2017, em Portugal, tendo, desde logo, iniciado uma relação amorosa com o mesmo.
ii) Nessa sequência, passaram a viver juntos na Rua …, n.º …, apartamento …, no Porto.
iii) Deste relacionamento tiveram uma filha de nome D…, nascida a 11/01/2018.
iv) Há cerca de seis meses mudaram-se para a Rua …, n.º … no Porto.
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Nos primeiros três meses a relação decorreu dentro da normalidade, mas, após tal período de tempo, ainda antes da filha D… nascer, o arguido começou a ser verbalmente agressivo para com a ofendida, injuriando-a de: "puta", “maluca”, mais lhe dizendo "és brasileira és puta", situação essa que ocorreu praticamente todos os dias.
vi) Também motivado por ciúmes, o arguido começou a controlar o telemóvel da ofendida, vendo o registo das chamadas recebidas e efetuadas e também entrou na sua conta de “facebook”, sem o seu consentimento, uma vez que tinha a respetiva “password”.
vii) Com efeito, a ofendida viu-se forçada a divulgar-lhe a referida “password” para que o arguido parasse de a acusar de ter relações extraconjugais, pretendendo, assim, aquela esclarecer tal situação.
viii) Também durante a gravidez da menor D…, a ofendida deixou de trabalhar por lhe ter sido diagnosticada uma gravidez de risco, ficando de baixa médica durante todo o período gestacional.
ix) A partir de então, o arguido passou a cuidar da casa e a providenciar pela alimentação e outras necessidades básicas do casal.
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Devido a tais circunstâncias, arguido passou a dizer, por diversas vezes, à ofendida, que ela não fazia nada e que como era ele que mantinha a casa tinha que viver de acordo com as suas regras.
xi) Em datas que não se logrou precisar, mas quando a ofendida estava a meio do período da gravidez, por diversas vezes, o arguido agrediu-a, designadamente com puxões dos cabelos, atirou-lhe água à cara, cuspiu-lhe também na rosto e desferiu-lhe pontapés nas suas pernas.
xii) Na passagem de ano de 2017/2018, o arguido recebeu uma filha de uma outra relação anterior na casa de morada de família.
xiii) Deste modo, a ofendida providenciou por um colchão para a menina aí dormir durante essa noite, colocando-o no chão do quarto.
xiv) Todavia, o arguido obrigou a ofendida a dormir nesse colchão apesar de, na altura, estar de gravidez de risco e sofrer de asma, faltando apenas 11 dias para a D… nascer, facto de que o arguido tinha perfeito conhecimento.
xv) Em datas não concretamente apuradas, mas durante o ano de 2019, sempre que a ofendida anunciou vontade de se separar de si, o arguido ameaçou-a de que iria tirar-lhe a filha, acusando-a de ser maluca e por ser estrangeira.
xvi) Para além disso, o arguido ameaçou, mais do que uma vez, ligar à filha mais velha da ofendida, que reside no Brasil com os avós maternos, tendo dito que ela era uma drogada e uma alcoólatra.
xvii) Em final de maio de 2019, quando a ofendida começou a trabalhar num call center da operadora "E…", o arguido acusou-a de ter relações amorosas com o chefe e também com colegas de trabalho do sexo masculino arguido também passou a controlar a hora de chegada da ofendida, chegando-lhe a ligar dois minutos depois do fim do seu horário de trabalho; e caso a ofendida não lhe atendesse a chamada, o arguido continuava a telefonar-lhe de forma insistente.
xix) Nos dias em que a ofendida chegou a casa cerca de 20 minutos após o fim do horário de trabalho, o arguido apelidou-a de “puta”, “vaca”, e “de estar metida com o chefe”.
xx) Nas últimas semanas, o arguido dizia a iria vigiar e verificar se não estava com outras pessoas, designadamente amigas/os ou colegas, que o próprio apelidava de "vacas” e “bois".
xxi) Em data que não se logrou apurar, mas que se situa em finais de agosto e princípios de setembro de 2019, o arguido chegou a casa alcoolizado, continuando a beber cerveja na residência do casal e a consumir produto estupefaciente ("ganza") o arguido ordenou-lhe que tirasse as calças do pijama, o que a mesma fez, com receio da sua reação xxii) Depois do jantar, na sala de estar, o arguido manifestou vontade de ter relações sexuais com a ofendida, o que a mesma recusou porque ele estava embriagado e porque não tinha vontade de o fazer.
xxiii) Como...
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