Acórdão nº 02577/09.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial 2577/09.6BEPRT 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2004, após a AT ter feito correcções, com recurso a métodos indirectos, à matéria tributável declarada.

1.2 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao exercício de 2004, no montante de € 149.634, 10.

  1. O Tribunal a quo concluiu que falta um pressuposto de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, falha essa que inquina, consequentemente, a liquidação, e consequentemente decidiu pela anulação da liquidação de IRC impugnada (entendimento assente na jurisprudência existente sobre o tema designadamente a constante do Acórdão do S.T.A. de 03/12/2014, proferido no processo n.º 01262/13).

  2. Não pode, porém, a Fazenda Pública concordar com tal entendimento e entende ser imperiosa a sua revisão, sob pena de se compelir a inspecção tributária à realização de uma notificação ao contribuinte para a prática de actos que constituem uma franca violação às regras e princípios contabilísticos essenciais, pois, não pode compelir-se a IT a efectuar ao contribuinte uma notificação para a realização de uma actividade legalmente não permitida.

  3. Os erros e omissões na contabilidade só podem ser corrigidos no ano da sua ocorrência se as contas do dito ano não estiverem encerradas. Se já se verificou o encerramento, essa correcção não pode ser realizada.

  4. Os trabalhos de fim de exercício são uma das etapas mais importantes da contabilidade, sendo nesta fase que se procede à elaboração e apresentação do Balanço, Demonstração de Resultados e seus anexos, de modo a que a empresa possa apresentar a sua situação económico-financeira e o resultado das operações por ela realizadas, durante o período de tempo em causa, ou seja, o ano e efectuado o encerramento das contas, as contas ficam trancadas e não podem ser reabertas.

  5. Constatando-se a posteriori erros ou omissões na sua elaboração, a sua regularização não se faz através de alterações das contas do ano em que ocorreu o erro, mas no ano em que o mesmo foi constatado.

  6. No ano a que o imposto se reporta e no ano da inspecção, ainda se encontrava em vigor o Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47/77, de 7 Fevereiro, e na vigência deste os erros de grande relevo constatados num determinado ano, mas, indubitavelmente, imputáveis a ano(s) anterior(es)/ só podiam ser corrigidos posteriormente, através de regularizações excepcionais.

  7. Pois, não seria curial que o resultado de um dado exercício, expresso na conta POC 88 – Resultado Líquido do Exercício, pudesse ser notoriamente influenciado por acontecimentos alheios à gestão desse ano, tais erros (com significado no seio dos capitais próprios, com expressão nos resultados, mas provenientes de exercícios anteriores), deveriam ser contemplados na conta POC 59 – Resultados Transitados, por contrapartida das contas subsidiárias POC das classes 6, Custos (697 – Correcções relativas a exercícios anteriores) ou 7, Proveitos (797 – Correcções relativas a exercícios anteriores).

    I. A solução actualmente decorrente do SNC – Sistema de Normalização Contabilística é idêntica à do revogado Plano Oficial de Contabilidade.

  8. No âmbito, actual, do SNC – Sistema de Normalização Contabilística, em vigor desde 2010, as correcções de erros materiais em demonstrações financeiras de períodos anteriores devem ser efectuadas através do procedimento de reexpressão retrospectiva, conforme previsto na NCRF 4 – “Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros”.

  9. Esta Norma Contabilística e de Relato Financeiro tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 8 – Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros, adoptada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro.

    L. Em cumprimento da NCFR 4 quando esses erros afectem resultados de períodos anteriores, sendo situações materialmente relevantes, devem ser imputados à conta de resultados transitados e implicar a reexpressão retrospectiva desde o período comparativo mais antigo apresentado, conforme previsto nos parágrafos 32 a 39 da NCRF 4, e dos parágrafos 36 a 44 da NCFR4 retira-se que quando as demonstrações financeiras dos períodos anteriores já foram aprovadas pelo órgão de Gestão e publicadas (na Conservatória), as correcções desses erros materiais devem ser efectuadas no período corrente, não sendo, sequer, possível proceder à substituição do Anexo A da IES com o objectivo de proceder à alteração da prestação de contas, uma vez que essas contas já foram aprovadas pelos sócios e já estão depositadas pelo que não podem ser objecto de qualquer alteração.

  10. Existindo erros contabilísticos nas demonstrações financeiras de períodos anteriores, que sejam materialmente relevantes, a correcção desses erros materiais deve ser efectuada através dos procedimentos da NCRF 4, nas demonstrações financeiras do período corrente através da reexpressão retrospectiva, que se encontram plasmadas nos parágrafos 38 a 43 e parágrafos 45 a 48 da referida NCFR 4.

  11. A reexpressão retrospectiva implica que a correcção de erros materiais de períodos anteriores nunca deve ser reconhecida nos resultados do período corrente em que se esteja a efectuar a correcção; no período corrente, o efeito desse erro material, com influência nos resultados de períodos anteriores, passa a estar reflectido nos resultados transitados, pois decorre da correcção nos resultados desse período anterior.

  12. Quer em sede do POC, quer em sede do SNC, uma vez encerrada a contabilidade de determinado exercício, perante erros ou omissões relacionadas com esse exercício, não frequentes, mas de grande significado, detectados em período subsequente, não mais é possível “reabrir” a contabilidade do exercício ao qual tais erros ou omissões dizem respeito, procedendo-se, antes, mediante uma contabilização própria, um procedimento próprio, à sua relevação no exercício em que tal foi constatado/verificado.

  13. A correcção dos erros tem lugar no decurso do ano em que se constataram os mesmos e apenas para fornecer uma ideia mais segura e fiável das demonstrações financeiras da empresa, isto é, para fornecer uma correta informação sobre a situação da empresa.

  14. O reconhecimento dos erros não implica qualquer alteração do resultado contabilístico do ano da ocorrência do erro e, muito menos, do resultado tributável do dito ano.

  15. Contrariamente ao que vem vertido na douta sentença os SIT nunca poderiam conceder um prazo para que a impugnante pudesse suprir as irregularidades encontradas na sua contabilidade. Isto porque, apenas é possível regularizar erros de exercícios anteriores no exercício onde o mesmo é detectado.

  16. Os SIT nunca poderiam solicitar à impugnante que em 2009, ano da inspecção, fosse reabrir a contabilidade que já se encontrava encerrada em 2004. Em 2009, se a impugnante quisesse proceder à regularização, voluntariamente, ou seja, sem qualquer imposição da AT, tê-lo-ia que fazer no próprio ano de 2009.

  17. Tal regularização, a ser realizada, seria meramente informativa, mas não teria quaisquer consequências a nível fiscal.

  18. No âmbito do IRC só nos casos previstos no n.º 2 do citado artigo 52º. (actual 57.º) do CIRC deve ser concedido um prazo para que o contribuinte possa exibir a contabilidade e executar os livros e registos contabilísticos. Ou seja, este normativo legal estabelece o âmbito e a extensão do dever de notificação para regularizar a contabilidade e esse âmbito encontra-se delimitado pelos preceitos contabilísticos relativos às circunstâncias e ao modo como essa regularização deve ser efectuada e constitui desta forma o quadro que deve guiar a interpretação das alíneas a) e c) do art. 88.º, 1 da LGT.

    V. Esta é a única interpretação que a norma pode ter por razões de ordem sistemática que, como é sabido, constituem um dos elementos essenciais da interpretação.

  19. Destarte, entende a Fazenda Pública que a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do...

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