Acórdão nº 235/19.2BGABT-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No Juízo Local Criminal de Abrantes, do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, procedeu-se a julgamento em processo comum VMSA, com os sinais dos autos, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, § 1.º e 2.º do Código Penal (CP), com referência aos § 4.º e 5.º do mesmo retábulo

O arguido não apresentou contestação nem meios de prova

A final o tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 3 anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima e obrigação de frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica (§ 4.º e 5.º do artigo 152.º CP), mais arbitrando, nos termos previstos nos artigos 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e 82.º-A do Código de Processo penal (CPP), uma indemnização à vítima, que fixou em 3 000€, a liquidar em prazos ali concretamente determinados

Na sentença o tribunal entendeu rever a situação coativa do arguido, o qual até então se encontrava sujeito às obrigações do Termo de Identidade e Residência (TIR). Ali logo se determinou a sua sujeição a prisão preventiva, por se considerar emergirem perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas

Na sessão de audiência marcada para a leitura da sentença, após a realização desta, o tribunal deu a palavra ao Ministério Público e ao arguido para se pronunciarem «sobre a eventual aplicação de prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 202.º, § 1.º, al. d) CPP», a que se seguiu despacho a determinar (outra vez) a prisão preventiva, com fundamento no perigo de fuga, perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas! 2. Inconformado com a medida de coação aplicada nestas circunstâncias recorre o arguido (1), apresentando as seguintes conclusões (transcrição): «1.ª O tribunal ao quo procedeu à alteração da medida de coação aplicada ao arguido de TIR, substituindo-a por uma medida de prisão preventiva, nos termos do artigo 204.º do CPP, com base nas alíneas a) e b)

  1. A decisão foi devidamente fundamentada, no entanto, entre o seu depósito e o presente recurso ocorreram circunstâncias inovadoras e de facto de maior relevância que impõem uma consideração distinta a aplicar ao arguido, designadamente, de necessidade e adequação da prisão preventiva

  2. Tais circunstâncias que seguidamente enumeraremos justificam antes como necessário e adequado ao arguido a aplicação de uma medida de coação de obrigação de permanência na habitação, nos termos do artigo 201.º do CPP

  3. A primeira circunstância inovadora – a institucionalização da ofendida no … - …, conforme despacho constante do sistema Citius com a referência … de 15.03.2021

  4. Facto, entre outros, que altera a ideia de perigo de continuação da atividade criminosa. 6.ª Segunda circunstância inovadora – O consentimento e apoio familiar de sua irmã MJSA a qual em caso de aplicação da medida de permanência na habitação, e que reside fora da do juízo local criminal de Abrantes, aceita acolher o arguido/recorrente na sua habitação propondo-se prestar todo o apoio social e legal necessário

  5. Não havendo, por isso, não só perigo da continuação da atividade criminosa como, também, perigo de fuga por o arguido passar a estar inserido familiarmente no agregado familiar de sua irmã

  6. Estas circunstâncias inovadoras justificam a aplicação do princípio da necessidade consagrado no artigo 193.º, n.º 1 do CPP em que o fim visado pela concreta medida de coação não pode ser obtido por um meio que onere os direitos do arguido

  7. A excecionalidade da prisão preventiva deve revestir uma proporção necessária ao acautelamento do perigo de fuga e ao perigo de continuação da atividade criminosa, que no presente caso pode ser perfeitamente obtida, em termos de objetivo, através da medida da permanência na residência

  8. E ainda, obtendo-se as demais obrigações, não só de afastamento do arguido da vítima, como também, do seu tratamento de patologia alcoólica, para o qual já deu o seu consentimento em sede de audiência de julgamento, e a que pode ser acrescentado frequência em programa de sensibilização e consciencialização para a problemática da violência doméstica

  9. E finalmente o apoio psiquiátrico aos seus problemas de saúde mental e/ou de saúde física

  10. Pelo que, em face do resumo supra exposto, a douta decisão que aplicou a medida de prisão preventiva ao arguido, violou o disposto nos artigos 193.º, 204.º, alíneas a) e c) e 212.º, todos do CPP, pela errada interpretação da sua aplicação

  11. Devendo, ao arguido se aplicada, a medida de permanência na habitação, artigo 201.º do CPP, por ser necessária, adequada e proporcional ao caso concreto, conjuntamente com a aplicação das medidas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de frequentar programa específico de prevenção de violência doméstica e ainda de tratamento para a problemática do álcool e das patologias de que padece o arguido/recorrente

  12. Em face do supra alegado e das conclusões proferidas, deverá ser revogada a medida de coação aplicada ao recorrente, de prisão preventiva, substituindo-a por medida de coação de permanência na habitação

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a medida de coação aplicada ao recorrente, de prisão preventiva, substituindo-a por medida de coação de permanência na habitação.» 3. O Ministério Público respondeu ao recurso, dizendo em síntese que: - inexistem nos autos factos que demonstrem que o arguido dispõe de apoio e suporte familiar, uma vez que dos factos provados resultou o contrário; – a institucionalização da vítima não se verificou, pelo que se mantêm inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação daquela medida de coação; - atenta a necessidade premente de proteger a vítima, ainda mais neste caso de extrema vulnerabilidade da mesma, somos do entendimento que bem andou o tribunal a quo ao determinar a prisão preventiva do arguido, porquanto é a medida necessária, adequada e proporcional às necessidades cautelar do caso concreto; - a douta sentença não violou o disposto nos artigos 193.º e 204.º, alíneas a) e c) CPP; - não há qualquer fundamento para revogar a douta decisão proferida

  1. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público secundou a posição já sustentada na 1.ª instância, no sentido de o recurso não merecer provimento

  2. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido não apresentou resposta

  3. Foi realizado o exame preliminar, os autos tiveram vistos e foram à conferência

    II – Fundamentação O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2), estando suscitada uma só questão: se estão verificados os pressupostos da medida de coação aplicada ao recorrente (prisão preventiva). 1. Requisitos da alteração da medida de coação De acordo com o disposto no artigo 194.º, § 1.º e 4.º CPP o juiz na fase de julgamento pode alterar a medida de coação, a qual implica, obrigatoriamente a audição do Ministério Público e do arguido, sendo que a falta de audição deste constitui nulidade, prevista no artigo 120.º, § 2.º, al. d) CPP

    Este dever de audição decorre dos princípios da imparcialidade, do contraditório e do processo equitativo, os quais têm assento normativo expresso nos artigos 2.º e 20.º, § 1.º e 4.º da Constituição, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 41.º, § 1.º e 47.º, § 2.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (que constituem direito interno infraconstitucional, por força do disposto no artigo 8.º, § 2.º e 3.º da Constituição)

    O processo equitativo é, por seu turno, uma decorrência do estado de direito, que pressupõe a efetividade dos direitos de defesa. Tem por corolário o acesso à jurisdição, pressupondo-se nesta os atributos de isenção (e confiança nessa isenção) face às partes, aos litígios e às paixões de toda a sorte. Por sua vez o princípio do contraditório é um corolário da igualdade de todos perante a lei e, por força, das partes ou sujeitos processuais no processo, preconizando a possibilidade de estes poderem expor as suas razões antes de ser tomada decisão que os afete

    Vêm estas considerações a propósito de uma tramitação a vários títulos singular e, como se verá, vulneradora de direitos e garantias fundamentais pressupostas pelos princípios referidos, pois que, pese embora o presente recurso se reporte ao agravamento da situação coativa do arguido, oficiosamente determinada na fase de julgamento, não é indiferente para a análise que cumpre realizar o relato do que consta da sentença e da ata da última sessão de julgamento, no respeitante ao temário do recurso

    1. Da sentença: Na pp. 25, a propósito do arbitramento de indemnização à ofendida, a Mm.a Juíza anuncia que irá prender preventivamente o arguido: «(…) encontram-se inexoravelmente preenchidos os requisitos previstos neste regime, dado que a pena de prisão aplicada ao arguido e a aplicação da medida de coação de prisão preventiva colocam a vítima numa grave situação de...

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