Acórdão nº 675/20.4T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação acima identificados, do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Setúbal, as arguidas (…) foram, na parte que agora interessa ao recurso, condenadas pela Polícia de Segurança Pública – Direcção Nacional, Departamento de Segurança Privada pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art.º 159.º, 160.º, n.º 1, 161.º, n.º 1 e 163.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 422/89, de 2-12 (Lei do Jogo), na coima de 2.500,00 € e 250,00 €, bem como na perda a favor do Estado do equipamento apreendido e, bem assim, a quantia monetária de 2 € que se encontrava no interior da máquina de jogo.

c) Não há matéria de facto dada como provada, em decisão de fato, que permita a verificação do elemento essencial subjetivo da previsão legal dos art.ºs 159.º e seguintes do DL 422/89, e a integração da previsão legal na contraordenação / infração pela qual vem a recorrente condenada.

d) Ora analisando os fatos que a decisão judicial recorrida deu como provados desde logo se verifica que não constam fatos descritivos relativos ao conceito legal constante da previsão da norma no que toca / respeita à “operação oferecida ao público”. A sentença recorrida é nula porque corrige a decisão administrativa e trata questão que não consta da decisão administrativa, nomeadamente a da total omissão da decisão de fato quanto ao elemento subjetivo do tipo contraordenacional.

A decisão recorrida é nula quando trata questão relativa a esse elemento (subjetivo do tipo), quando na verdade não resulta da decisão administrativa sindicada, o mesmo.

e) f) A sentença recorrida viola o art.º 374.º, n.º 2 do CPP; o art.º 283.º do CPP, aplicável ex vi art.º 41.º do RGCO; o art.º 205.º da CRP; os art.sº 159.º, 160, 161, 162, e 163 todos do DL 422/89, sendo que o sentido com que essas normas deveriam ter sido, conjunta e conjugadamente, interpretadas era o de que na decisão judicial recorrida deveriam constar fatos que permitissem a verificação dos elementos essenciais da previsão legal do tipo contraordenacional que conduzisse à aplicação da norma punitiva, ou seja, a sentença recorrida, ao omitir na decisão de fato esses elementos essenciais, deixa de dar cumprimento aos art.ºs 283.º do CPP, porque não obriga a que na acusação (decisão administrativa convertida em acusação aquando da receção em juízo dessa decisão administrativa) estejam vertidos os fatos essenciais à verificação da infração, dando cobertura a uma decisão administrativa omissiva, também ela dessas obrigações, sendo que a sentença recorrida por esta omissão faz a verificação da violação da previsão legal do 374.º, n.º 2 do CPP e a nulidade que lhe acarreta, prevista no art.º 379.º, n.º 1 al. a) do CPP, em clara violação das normas previstas nos arts.º 159.º, 160, 161.º 162 e 163 todos do DL 422/89, porque o sentido a conferir a essas normas não foi o que se mostra expresso na sentença recorrida, mas sim aquele em que só existe infração a estas normas, nas formas de jogo em que se dê como provado serem operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho resida na sorte ou na perícia e na sorte e que ocorra álea na esperança de ganho.

f) Acresce que a perícia foi “escondida” da recorrente; não lhe foi comunicada a data, hora e local da sua realização em violação dos art.ºs 151.º, 154.º ambos do CPP ex vi art.º 41.º do RGCO; a realização à traição e “nas costas” da recorrente de uma perícia, cujo relatório não lhe foi notificado posteriormente, nem junto com a decisão administrativa constitui também a violação do principio do contraditório e bem assim a violação do art.º 32.º da CRP, determinando a invalidade por ilegalidade da mencionada perícia, por estar inquinada e em consequência da decisão recorrida, que nela se suporta. Não comunga a recorrente de que na fase administrativa de instrução, não é necessário dar cumprimento à revisão legal do art.º 154.º do CPP ex vi art.º 41.º do RGCO, quanto à notificação para presença em perícia que seja determinada pela autoridade administrativa, atenta a especificidade de tal meio de prova. Na produção da decisão administrativa há diversos meios de prova que não necessitam de ser notificados quanto à sua produção, à arguida, nem há necessidade de assegurar o contraditório, como por exemplo a produção de prova testemunhal, mas a especificidade da produção de uma perícia deve ser objeto de contraditório e nomeadamente deve ser cumprido o previsto o art.º 154.º do CPP, ta como o é nos processos crime, sob pena de invalidade dessa mesma prova.

g) Por fim, diga-se que a coima aplicada pela entidade administrativa não o foi pelo mínimo e não se consegue descortinar, nem da decisão administrativa nem da decisão judicial recorrida os fundamentos da aplicação da coima; a decisão judicial recorrida comunga da arbitrariedade da decisão administrativa quanto a este aspeto, não se podendo manter porque todos os processos devem cumprir o principio da legalidade (art.º 9.º da CPP), o que torna, também por este fundamento, a decisão recorrida nula, assim como o é a decisão administrativa.

Pelo exposto, deve proceder o presente recurso e a sentença recorrida ser declarada nula e a recorrente absolvida, por tanto ser coincidente com a Justiça e com o Direito!#O Exmo. Procurador da República do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma: 1.ª A decisão-acusação contém factos que integram o tipo subjectivo da contra-ordenação em causa, só não estando “arrumados” numa sistemática conveniente, como a da Sentença do Tribunal a quo.

  1. Todavia, não é exigível, às autoridades administrativas, o rigor e perfeição sistemáticos empregues pelos Tribunais na elaboração das Sentenças.

  2. Afirmações como “escondida”, “traição” e “nas costas” forçam os limites da boa fé processual e encontram-se no limiar do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva.

  3. A Recorrente, que nada requereu ou indagou, poderia ter exigido esclarecimentos à perícia, ou mesmo uma nova perícia, com o respaldo do art. 158.º do C.P.P.

  4. Parece resultar, da fundamentação da conclusão g), que a coima mínima constituirá a “coima-regra” ou “coima-prototípica”, o que não tem assento legal.

  5. Em concreto, o Tribunal a quo expôs, de forma exaustiva, os fundamentos da dosimetria da coima.

  6. Consequentemente, deve o recurso ser indeferido, mantendo-se a Sentença em crise, a qual fez uma prudente apreciação dos factos e uma sábia aplicação do Direito.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

IINa sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: 1. No dia 08 de Fevereiro de 2017, pelas 12h00, foi efectuada uma ação de fiscalização ao estabelecimento comercial denominado (…), sito na (…); 2. As autoridades policiais, ao entrar no supra mencionado estabelecimento, verificaram que se encontrava uma máquina de jogo, extratora de cápsulas, acessível a qualquer cliente que aí entrasse; 3. Os agentes policiais apuraram, assim, que se desenvolvia uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar no local fiscalizado; 4. Ao inserir uma moeda de € 1,00 (um euro) no mecanismo existente na máquina extratora e, seguidamente, rodar o manípulo até ao seu bloqueio, o jogador recebe, de forma completamente aleatória, uma cápsula plástica que contém três senhas numeradas. Se existir correspondência entre as numerações existentes nas senhas, com as terminações vencedoras inscritas no cartaz de prémios, que se encontram sob o brinde, o jogador receberá o valor monetário aí mencionado. Se não houver coincidência, não tem direito a qualquer prémio; 5. Logo, do exterior da máquina, antes da introdução da moeda, não era possível prever o prémio a que o jogador se habilitava; 6. À data dos factos, o explorador do estabelecimento e responsável pela exploração do jogo era (…), por tal ter consentido; 7. A máquina em causa era pertença da firma (…) e era explorada sem qualquer autorização administrativa; 8. No local procedeu-se à apreensão dos bens constantes do auto, todos associados à exploração da modalidade afim de jogo de fortuna ou azar acima descrita; 9. O objectivo da modalidade afim de jogo de fortuna ou azar descrita consistia em aliciar o público a pagar um determinado montante, introduzindo essa quantia na ranhura existente na máquina, na esperança de ganhar um prémio de valor superior ao gerado pela utilização, isto é, lucrar relativamente ao valor despendido, sendo que os arguidos, deste modo, obtêm proventos monetários para si.

  1. Cada uma das arguidas agiu livre, voluntária e conscientemente, querendo obter proveito económico em resultado das jogadas efectuadas pelos clientes, benefício que sabiam ser ilegítimo por ser proibido por lei o desenvolvimento de tais modalidades afins de jogo de fortuna e azar, bem sabendo também que as suas condutas eram punidas por lei.

  2. A firma arguida tem três funcionários e declarou para efeitos fiscais, por referência ao exercício de 2019, prejuízo na...

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