Acórdão nº 384/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 384/2021

Processo n.º 165/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A. e B. foram condenados, no âmbito de processo que correu termos no Juízo Central Criminal de Penafiel, em cúmulo jurídico, respetivamente, nas penas de sete e oito anos de prisão, pela prática, cada um, de um crime de atividade ilícita de receção de depósitos e outros fundos reembolsáveis, previstos e punidos pelo artigo 200.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, de um crime de burla qualificada, previsto e punido, pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código Penal, e de um crime de branqueamento, previsto e punido, pelo artigo 368.º-A, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

Não se conformando, deduziram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 10 de julho de 2019, o julgou totalmente improcedente.

Notificados desse acórdão, vieram interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido no tribunal a quo, por despacho de 9 de março de 2020, com fundamento na sua manifesta inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), e na sua extemporaneidade.

Novamente inconformados, reclamaram desse despacho para o tribunal ad quem, ao abrigo do artigo 405.º do CPP.

A Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 10 de setembro de 2020, indeferiu a reclamação, confirmando a decisão reclamada na parte em que entendera não ser admissível o recurso do acórdão condenatório ao abrigo do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP.

2. Dessa decisão deduziram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas d) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, no qual concluíam (fls. 345-387):

«(...) 1- Com todo o respeito por melhor e mais avalizada opinião, o artigo 400º, nº 1, alínea f) do CPP é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 32º, nº 1 e nº 2, 20º, nº 1, 18º, nºs. 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2- Não houve assim a dupla conforme ou dupla jurisdição;

3- Com todo o respeito por diferente opinião, a decisão do Venerando Tribunal da Relação, demonstra in casu, total ausência de sentido crítico, desprovida de análise, pelo que, não é uma confirmação da decisão, não constitui um segundo grau de jurisdição, mas tão só, uma simples e adesão acrítica.

4- Há decisão que é um remake de uma decisão, pelo que da decisão do Tribunal da Relação do Porto, frustrou o objetivo do recurso, denegando desta forma, a justiça e, violando, o disposto nos artigos 202º, nos. 1 e 2, 204º, 205º, nºs 1 e 2, 32º, nºs. 1 e 2, 20º, nº 1, 18º, nº 1, e 2º da CRP.

5- A gestão eficiente do tribunal, não se faz por meio de diplomas legais, mas sim por uma ação eficiente e racional dos meios existentes, reivindicando os necessários e pelo respeito dos Direitos, Liberdades e Garantias, mas nunca, limitando, o exercício dos direitos fundamentais e, não permitindo a consagração das garantias constitucionais, como é o caso do artigo 400º, nº 1, alínea f) do CPP, que tem na medida da pena concretamente aplicável, o único fundamento para não permitir o recurso para o STJ.

6- Por um lado, estão os direitos, liberdades e garantias, como a liberdade, a igualdade, a dignidade humana, por outro, está o Poder Judicial, que deve garantir a Justiça, ou seja, ma decisão, em tempo útil, mas sempre, com respeito pelas garantias, como a de plena defesa, incluindo de recurso, fazendo - o em nome do Povo, na defesa da legalidade e segundo os princípios do Estado de Direito Democrático, que defende ou deve defender, a Liberdade até às últimas consequências.

7- Basta lembrar que, o STJ pode revogar as decisões do TR, em condenações tanto inferiores e iguais a 8 anos, como em condenações de 8 anos e 1 dia, por exemplo.

8- A CRP, garante, no artigo 32º, nº 1, que "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", (o sublinhado é nosso). Ou seja, só depois de se terem esgotado todas as hipóteses de recurso, a decisão condenatória (no caso), forma caso julgado e deixa o arguido de gozar a presunção de inocência, garantida no nº 2 do referido artigo 32º, "todas as garantias de defesa” que naturalmente, incluem, a faculdade de exercer todas as garantias de recurso.

10- o argumento referido, por exemplo, no Ac. STJ, de 09-10-2013 - Processo 11453/10.9TDLSB.L1.SI - A (in: www.dgsi.pt), da reserva para o STJ dos casos mais graves, sempre com o devido respeito, não colhe.

11- No caso em apreço, os crimes porque os recorrentes foram condenados, são crimes financeiros, que compõem o conceito de criminalidade altamente organizada e violenta (violência que não é só física), que revestem especial complexidade, como que se constata desde logo, pelas penas concretamente aplicadas - 13 anos e 9 meses, para a recorrente, A., 7 anos como pena única e, 14 anos e 6 meses para o recorrente B., com 8 anos de pena única - mas são crimes que revestem especial complexidade, especialidade, que não deve ser aferida, apenas, com a dificuldade e complexidade de investigação, mas pelos crimes porque os arguidos foram condenados, pela moldura penal aplicável e, pelas penas, concretamente, aplicadas, resultando estas, da apreciação da prova feita pelo tribunal, pelo critério de escolha da pena - artigo 70º e 71º do Código Penal, tendo em atenção as finalidades da pena, constantes do artigo 40º, do mesmo diploma legal, mas também, pela legislação especial aplicável.

12- O recorrente e a recorrente foram condenados em primeira instância pelos crimes de burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais, ou seja, por crimes (pelo menos, um deles) constantes de diplomas legais que visam combater a criminalidade organizada:

lei nº 36/94, de 29.09, Lei nº 47/86, de 15.10 e, lei nº 5/2002, de 11.01 e, em todos, estabelece tipificado o crime de branqueamento de capitais, e que permitem investigações encobertas, remoção do sigilo bancário e averiguações preventivas, por exemplo.

13- Daqui resulta de forma inequívoca, que face ao acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, estamos na presença dos crimes graves e, que se espelham nas penas de prisão aplicadas.

14- No caso aqui em apreço, falamos dos crimes de atividade ilícita de recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis, de burla agravada e de branqueamento de capitais.

15- Não é por isso, compreensível que, se afirme, por um lado que os crimes são graves, que revestem especial complexidade, que são de criminalidade

16- A CRP, não pactua com incongruências da lei, que o cidadão não pode compreender e, desigualdades, que permitem às autoridades judiciárias e judiciais, terem um longíssimo prazo para investigar, com o arguido preso, ainda que, presumivelmente, inocente e depois, dizer -se que não reveste de gravidade suficiente para poder recorrer ao STJ, por não revestir de gravidade suficiente.

17- Atento o elemento sistemático e histórico, é evidente, sempre com o devido respeito e creia V. Exa. é muito, não podem os artigos 432º, nº 1, alínea b) e 400º, nº 1, alínea f), serem interpretados de forma a impedir o acesso ao STJ dos arguidos condenados numa pena de prisão inferior ou igual e oito anos, porque será uma interpretação inconstitucional, por violação dos Direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas.

18 - Esta inconstitucionalidade, estende -se aos referidos preceitos legais, porque, permitem interpretações confusas, contraditórias e, incompreensíveis.

19- O Código de Processo Penal estabelece limites ao direito de recurso, tendo sobretudo em vista, para além de critérios de economia processual, de eficiência na gestão do tráfego processual nos tribunais e, evitar manobras dilatórias das partes, procurando por vai dos recursos, causar transtornos á normal tramitação processual.

20- A Justiça impõe-se, sobretudo pela sua capacidade de se fazer entender pelos destinatários, por isso, nos termos do artigo 202º nº 1 da CRP, "Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo

21- A questão principal deste recurso é o de saber que perspectiva deve prevalecer:

· a perspectiva da decisão recorrida; ou

· os interesses legal e constitucionalmente consagrados da plenitude de defesa, de acesso ao direito e à justiça, de modo a obter, através de um processo penal justo, equitativo e imparcial, obter uma decisão em tempo útil, em que o recorrente, em especial, o arguido, possa exercer todas as garantias de defesa e de recurso, porque, como no caso em apreço, a liberdade, não pode ceder em relação a objetivos, que são, á luz dos princípios fundamentais de um Estado de Direito Democrático, o objetivo essencial do processo penal.

22- O artigo 32º, nº 1 da CRP não prevê nenhuma exceção à limitação de recurso, consagra em última análise, a defesa de um direito fundamental que só pode ser restringido em virtude de uma decisão judicial - artigos 24º e seguintes da CRP - pelo que o artigo 400º, nº 1 alínea f) do CPP, em particular, é inconstitucional no sentido de permite que alguém possa ser privado da liberdade, em virtude de uma pena de prisão, não possa ver a decisão ser apreciada pelos tribunais, isto é, não possa esgotar, as hipóteses de recurso, ou seja, por violação do artigo 32º nº 1 e, artigos 20º, 18º, nº 1 e 13º, todos da CRP;

Nestes termos e nos melhores de direitos, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, consequentemente, serem julgados inconstitucionais os artigos 432º, nº 1, alínea b) e 400º, nº 1, alínea f) serem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT