Acórdão nº 378/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 378/2021

Processo n.º 1167/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., S.A., B., C., D., E. e F. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei Orgânica n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), de despacho proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em 24 de setembro de 2019, no âmbito do processo contraordenacional movido pelo Banco de Portugal, em que os arguidos são recorridos.

Essa decisão julgou improcedente a impugnação judicial de medida administrativa (processada em separado e deduzida em paralelo com o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, que prosseguiu os seus termos), com referência ao despacho proferido pelo Banco de Portugal que indeferiu os pedidos de prorrogação do prazo para interposição de recurso de decisão final.

2. No requerimento de interposição de recurso apresentado em conjunto pelos recorrentes A., S.A., B., D., peticiona-se a apreciação da «inconstitucionalidade da norma que resulta do n.º 1 do artigo 228.º do RGICSF, interpretado no sentido de que não pode o prazo aí contemplado ser prorrogado». Por seu turno, em peça autónoma, a recorrente, F. formula a pretensão de ver apreciada a conformidade constitucional «da norma extraída do artigo 228.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), no sentido de não ser prorrogável o prazo de 15 dias úteis para apresentação de impugnação judicial da decisão em processo contra-ordenacional».

3. Admitidos os recursos pelo tribunal a quo e determinado neste Tribunal o respetivo prosseguimento, os recorrentes apresentaram alegações.

4. Os recorrentes A., S.A., B., C., D. e E. sintetizaram a sua argumentação nas seguintes conclusões:

«A) O presente Recurso tem por objeto a questão de (in)constitucionalidade da norma resultante do artigo 228.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, interpretado no sentido de que não pode o prazo aí contemplado ser prorrogado.

B) O presente Recurso enuncia como parâmetros de constitucionalidade (i) as garantias de defesa em processo contraordenacional, (ii) o direito a um processo justo e equitativo e a uma tutela jurisdicional efetiva, (iii) os princípios da necessidade e da proporcionalidade, (iv) o princípio da igualdade, (v) o princípio do Estado de Direito e (vi) o princípio da dignidade da pessoa humana.

As garantias de defesa em processo contraordenacional

C) Quanto às garantias de defesa em processo contraordenacional, é certo que estas valem não só na fase administrativa do procedimento contraordenacional, mas também na fase jurisdicional desse processo, devendo também esta fase significar um especial reforço daquelas garantias.

D) A negação da prorrogabilidade do prazo de impugnação judicial por interpretação normativa inconstitucional do artigo 228.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras constitui, em si mesma, uma negação dos direitos de defesa de qualquer arguido num processo por contraordenações financeiras de especial complexidade.

E) Reconhecendo a possibilidade de existência de processos penais de especial complexidade, o legislador dotou o sistema jurídico da possibilidade de prorrogação dos prazos consagrados para a prática de atos processuais por parte dos arguidos, sendo certo que tal solução, à custa de um sacrifício insignificante e imaterial da celeridade processual, potencia os valores da equidade, da justiça e também da descoberta da verdade material.

F) No domínio das contraordenações financeiras tais processos de excecional complexidade também existem - como é reconhecido pelo artigo 219.º-A, n.º 4, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras -, sendo certo que os mesmos, atendendo à respetiva dimensão, extensão, tecnicidade e pluralidade subjetiva e de infrações são suscetíveis de impedir o exercício dos direitos de defesa dos arguidos no prazo normalmente previsto para a impugnação judicial.

G) De acordo com a interpretação normativa do Tribunal a quo, que só pode redundar em norma materialmente inconstitucional, o sistema jurídico é indiferente e insensível a tal situação de incapacidade de defesa do arguido, excluindo de forma universal e indiscriminada qualquer ponderação do caso concreto, para efeitos de prorrogabilidade do prazo de impugnação judicial.

H) Numa abordagem teleológica-constitucional, da mesma forma que, no âmbito do processo penal, a garantia da prorrogabilidade dos prazos sempre que as características de complexidade do processo assim o exijam, não se revela disruptiva ou sequer minimamente perturbadora dos fins desse mesmo processo penal, antes permitindo uma compatibilização ótima entre os valores constitucionalmente protegidos da celeridade processual e do exercício efetivo e útil dos direitos de defesa do Arguido,

I) Também no âmbito do processo contraordenacional, tal garantia de prorrogabilidade de prazos (sempre que as características de complexidade do processo assim o exigissem) não causa qualquer disrupção ou perturbação, mínima que fosse, à prossecução dos fins associados à ação sancionatória no quadro do sistema financeiro e à sua integridade e funcionalidade.

J) A interpretação normativa do Tribunal a quo esquece que a impugnação judicial em processo contraordenacional representa a primeira oportunidade - a única, se atentarmos nas limitação do posterior recurso para o Tribunal da Relação às questões-de-direito - em que os arguidos podem levar o processo ao conhecimento de uma entidade diferente daquela que investigou, acusou e tomou a decisão a impugnar, abrindo o processo contraordenacional ao controlo judicial de plena jurisdição.

K) Adicionalmente, o momento da impugnação judicial é a primeira vez que o arguido se confronta com a apreciação crítica da prova, para efeitos de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, e com a fundamentação jurídica realizadas, também pela primeira vez, pela autoridade administrativa, na sua decisão final,

L) Sendo absolutamente irrelevante a argumentação do Tribunal a quo no sentido de que o artigo 219.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras já assegura o direito de defesa na fase administrativa do processo contraordenacional, permitindo ao Banco de Portugal fixar um prazo para defesa administrativa entre 10 (dez) a 30 (trinta) dias úteis.

M) Destarte, o artigo 228.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretado e aplicado no sentido de que o prazo para impugnação judicial de contraordenações constantes daquele diploma nunca pode ser prorrogado, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa.

O direito a um processo justo e equitativo e a uma tutela jurisdicional efetiva

N) No que ao direito a um processo justo e equitativo e a uma tutela jurisdicional efetiva diz respeito, o seu âmbito de proteção abrange a extensão de garantias do processo penal para o processo contraordenacional além dos direitos de audiência e de defesa expressamente conferidos pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

O) As exigências de fair trial, incluindo as suas nucleares dimensões de efetivação dos direitos de defesa, de (tendencial) igualdade entre as partes e de presunção de inocência, são fortemente restringidas quando, no âmbito de um processo contraordenacional, se impede normativamente que o prazo de impugnação judicial de Decisão condenatória possa ser prorrogado, criando- se, dessa forma, a suscetibilidade de colocar o Arguido numa situação de incapacidade de apreciação bastante de todos os elementos da Decisão e do processo, com sacrifício dos direitos de defesa.

P) A liberdade de conformação legislativa do regime processual das contraordenações não pode ser arvorada em critério último e decisivo do nível de garantias constitucionais suficientes.

Q) A interpretação normativa feita pelo Tribunal a quo é desajustada da realidade atual do direito das contraordenações económico-financeiras, já longe das eticamente neutras contraordenações "bagatelares" e portadoras de semelhanças inegáveis com as infrações do direito criminal, inclusivamente ao nível da complexidade das condutas e da magnitude das sanções aplicáveis que podem ascender a milhões de euros.

R) Estas apenas podem ser constitucionalmente admissíveis no ordenamento jurídico sancionatório nacional se forem salvaguardadas as garantias de defesa dos arguidos, designadamente através da prorrogabilidade do prazo de impugnação judicial, sempre que a mesma se revele necessária em função da especial complexidade do processo.

S) Consequentemente, o artigo 228.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretado e aplicado no sentido de que o prazo para impugnação judicial de contraordenações constantes daquele diploma nunca pode ser prorrogado, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

Os princípios da necessidade e da proporcionalidade

T) No que toca aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, a interpretação normativa do Tribunal a quo baseia-se, uma vez mais, na alegada não previsão propositada pelo legislador da prorrogabilidade do prazo de impugnação judicial, no contexto...

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