Acórdão nº 379/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 379/2021

Processo n.º 213/2020

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), o Ministério Público interpôs recurso, para si obrigatório, da sentença proferida em 27 de novembro de 2019 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel.

No requerimento de interposição de recurso, peticiona a apreciação da norma do artigo 3.º, n.º 1, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril (doravante NRFGS), «quando estabelece como critério de fixação do limite de garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador, determinando um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor».

2. Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, foi determinado o seu prosseguimento. O Ministério Público apresentou alegações, concluindo pela procedência do recurso de constitucionalidade, com os seguintes fundamentos:

«34. Este recurso tem por objeto o “disposto no art.º 3.º, n.º 1, do FGS (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril), (…) quando estabelece como critério de fixação do limite de garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador, determinando um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor (…)”.

35. O parâmetro constitucional cuja violação se invoca é identificado como o “(…) princípio da igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1 da CRP)”.

36. Conforme resulta com evidência do conteúdo da decisão impugnada, imputa esta à norma legal contestada, a ínsita no n.º 1, do artigo 3.º, do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, a violação do princípio da igualdade, na medida em que “estabelece um limite máximo à responsabilidade da entidade demandada que é variável em função do salário dos trabalhadores: quanto maior o salário maior a responsabilidade que o FGS assume no pagamento dos créditos laborais em caso de insolvência”.

37. Todavia, distintamente do pressuposto pelo Mm.º Juiz “a quo”, que afirma que “o mecanismo de proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência da entidade empregadora tem objetivos marcadamente sociais de quem pode ficar mais fragilizado, ou em maiores dificuldades, na sequência da declaração de insolvência”, o legislador do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, esclarece que o Fundo de Garantia Salarial não integra o âmbito de proteção social garantido pelo sistema de segurança social.

38. Para além disso, clarifica, igualmente, o legislador ordinário no n.º 1, do artigo 1.º do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, que o Fundo de Garantia Salarial “(…) assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação”.

39. Ou seja, os créditos cujo pagamento é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, dos quais os trabalhadores são titulares, correspondem a dívidas pré-existentes emergentes de contratos de trabalho, contraídas pelos empregadores, nos casos em que ocorra uma das situações elencadas no n.º 1, do artigo 1.º, do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

40. Tais créditos, os previstos na norma legal geral e abstrata agora contestada, porque potencialmente emergentes de distintos contratos de trabalho, celebrados com diferentes trabalhadores, virtualmente possuidores de inúmeras e díspares competências académicas e aptidões profissionais e tendo por objeto as mais heterogéneas funções e tarefas, nunca poderiam deixar de se consubstanciar em pagamentos «quantitativamente» desiguais e em garantias desses pagamentos também «quantitativamente» desiguais.

41. Aliás, adiantemo-lo já, se a lei ordinária tratasse todos os trabalhadores, independentemente das suas tarefas, obrigações laborais, competência, formação, responsabilidades, riscos de atividade, tempo de serviço ou experiência profissional, do mesmo modo, em termos «quantitativamente» iguais, aí sim, deparar-nos-íamos com uma evidente violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, na sua dimensão de igualdade da retribuição do trabalho, proclamada na alínea a), do n.º 1, do artigo 59.º, do Texto Fundamental.

42. Ora, no que concerne ao tratamento distinto de situações qualitativa e quantitativamente distintas, como as que se alicerçam no prescrito no n.º 1, do artigo 3.º, do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ele, não se revelando infundadamente discriminatório, dá, ao contrário do sustentado na douta decisão recorrida, cumprimento ao imposto pelo princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa.

43. Princípio da igualdade este que, no domínio laboral, exibe como seu afloramento o conteúdo da alínea a), do n.º 1, do artigo 59.º, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o sub-princípio de que «para trabalho igual salário igual».

44. Ora, no caso vertente, estabelecendo a norma legal desaplicada – a ínsita no n.º 1, do artigo 3.º, do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril - como valor de referência para o pagamento assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação o da remuneração auferida mensalmente pelo trabalhador requerente, com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, limita-se o legislador ordinário a reconhecer, em tal regime garantístico, as desigualdades resultantes das diferenças salariais decorrentes das regras inerentes ao funcionamento do mercado laboral (que, idealmente, refletem as diferenças de quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado por cada trabalhador), que não podem deixar de se refletir na solução normativa consagrada, e nos montantes dos valores a prestar, sob pena de violação do afloramento do princípio da igualdade proclamado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

45. Não faria sentido, dizemos nós, que visando o Novo regime do Fundo de Garantia Salarial criado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, assegurar aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, em caso de incumprimento pela entidade patronal, conduzisse a sua execução ao pagamento de valores quantitativamente iguais a todos os trabalhadores, independentemente dos valores das suas remunerações e das circunstâncias das suas relações laborais.

46. Ou seja, atento o acabado de exibir, não se vislumbra que a norma ínsita no n.º 1, do artigo 3.º, do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, “quando estabelece como critério de fixação do limite de garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador, determinando um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor (…)” se revele suscetível de violar o princípio da igualdade, proclamado, conjuntamente nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição da República Portuguesa.

47. Por força de tudo o exposto, entende o Ministério Público que deverá ser tomada decisão no sentido de não julgar inconstitucional a impugnada interpretação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, revogando-se a douta decisão “a quo”, concedendo-se, consequentemente, provimento ao presente recurso.»

3. A recorrida contra‑alegou, formulando as seguintes conclusões:

«1. O Ministério Público interpôs, em 1 de dezembro de 2019, a Fls. 154 dos autos supra referenciados, recurso obrigatório, para o Tribunal Constitucional, do teor da douta sentença de Fls 144 a 152 proferida no Processo n.º 607/19.2BEPNF, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

2. Este recurso tem por objeto "o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do FGS (aprovado pelo Dec. Lei n.º 59/2015, de 21 de abril quando estabelece como critério de fixação do limite da garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador, determinando um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor (…)”

3. O princípio constitucional cuja violação se invoca na douta sentença recorrida é o "PRINCÍPIO DA IGUALDADE” (artigos 13.º e 59.º n.º 1 da C.RP).

4. Há um limite máximo intransponível que é de 6 vezes o triplo da retribuição mínima mensal garantida, o que significa em nenhuma situação a entidade demandada deve assegurar o pagamento de montantes superiores a 9540,00€ (ao momento, e face ao salário mínimo nacional atual de 635,00€, corresponde a 11.430,00€ o limite dos valores a assegurar pelo FGS.

5. Relativamente a todos os trabalhadores que recebem salário superior ao triplo do salário mínimo nacional, apenas está garantida o pagamento do montante máximo de 9.540,00€ (neste momento 11.430,00€).

6. Para quem aufira mensalmente de salário inferior ao triplo do salário mínimo, a garantia de pagamento pelo FGS vai variar em função unicamente do salário recebido pelo trabalhador: quanto menor o salário menor o nível de proteção.

7. Para estes últimos, não se estabelecendo um limite máximo fixo para todos os trabalhadores, o legislador faz variar a responsabilidade da entidade pública criando um sistema que oferece um menor nível de proteção quantitativo aos trabalhadores...

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