Acórdão nº 02127/20.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*1. RELATÓRIO A Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação interposta nos termos do art.º 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do ato do órgão da execução fiscal, no processo n.º 1902202001023977 e apenso (1902202001024922), instaurados para cobrança coerciva de dívida de IRC, dos anos de 2016 e 2017, no montante de €70.435,68 por A. Lda.”, contra o despacho de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia idónea, proferido em 02.10.2020, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, no processo de execução fiscal.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que se reproduzem:”(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no art. 276º do CPPT, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1902202001023977 e aps., pendente pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde, que visou o ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferido em 02.10.2020.

  1. Ressalvado todo o respeito devido, a AT não pode conformar-se com a sentença exarada nos autos, discordando do direito aplicado, face ao probatório fixado, por haver considerado, face à factualidade provada, que se mostravam preenchidos os requisitos para dispensa de prestação de garantia, considerando que: “a reclamação deverá proceder, com a consequente anulação do acto reclamado, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, uma vez que, por um lado, a fundamentação constante do mesmo não espelha o requisito cumulativo previsto na última parte do artigo 52.º, n.º 4 da LGT e, por outro lado, a Requerente logrou fazer prova do requisito atinente à insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.”, C. A douta sentença recorrida julgou a reclamação procedente, determinando, consequentemente, a anulação do despacho reclamado, não se conformando a Fazenda Pública com a decisão anulatória, por considerar verificar-se erro de julgamento de facto e de direito, discordando face ao probatório fixado, do direito aplicado, com fundamento no não preenchimento do requisito previsto no artigo 52º, nº 4, da Lei Geral Tributária, quanto à atuação dolosa do interessado, pelo que não pode resultar a conclusão de que se mostravam preenchidos os requisitos para dispensa de prestação de garantia.

  2. Com efeito, nos termos do disposto nos artigos 52º, nº 4, da Lei Geral Tributária, e 170º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Autoridade Tributária pode isentar o contribuinte de prestar garantia, pelo que a isenção da prestação de garantia substitui a própria prestação, devendo ser-lhe atribuídos os mesmos efeitos suspensivos.

  3. Na verdade, a Autoridade Tributária, em circunstâncias excecionais, pode isentar o contribuinte de prestar garantia, nos casos em que a sua prestação causa (i) prejuízo irreparável ou se verifique (ii) manifesta falta de meios económicos, revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens (iii) não seja da responsabilidade do executado, estabelecendo-se a necessidade da verificação cumulativa de dois requisitos, um objetivo e outro subjetivo, para o deferimento da pretensão.

    I. No entanto, além da verificação de um daqueles requisitos, é necessário que cumulativamente, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, (Fernanda Esteves, “A prestação de garantia na execução fiscal”, in Revista CEJ, 2º semestre 2013, nº 2).

    K.

    Destarte, o executado, quando pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária, nos termos previstos no artigo 170º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (Acórdão do STA de 22/5/2019, Processo nº 0827/18.7BELRA).

  4. Importa assim, aferir da verificação dos requisitos enunciados.

  5. Com efeito, como referido supra, o nº 4 do artigo 52º da Lei Geral Tributária consagra, alternativamente, a situação em que a prestação de garantia cause prejuízo irreparável e a situação em que há manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

  6. Demonstrada que esteja uma das situações, apenas se tem de aferir da existência ou não de atuação dolosa do interessado. Ora, tendo sido demonstrada a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, afigura-se irrelevante apreciar a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia.

  7. No que concerne à atuação dolosa do interessado na ocorrência de situação de insuficiência patrimonial da Reclamante, como referido supra, o artigo 52º da Lei Geral Tributária consagra dois requisitos cumulativos, um objetivo e um subjetivo.

  8. O requisito subjetivo, ora em apreciação, respeita à imputação dolosa na ocorrência da insuficiência ou inexistência de bens do executado.

    V. Na redação conferida pela Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, o nº 4 do artigo 52º configurava esse requisito nestes termos: “desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”. No período de vigência desta redação, entendeu-se que caberia ao executado o ónus de alegação e de demonstração da verificação de todos os pressupostos, objetivo e subjetivo.

    X. Assim sendo, ao nível da irresponsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens e da dificuldade na prova desse facto negativo, era entendimento da doutrina e da jurisprudência que tal dificuldade não conduzia a qualquer dispensa ou inversão do ónus da prova, entendendo-se a acrescida dificuldade da prova de factos negativos tendo como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”, entendimento consignado no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 17/12/2008 (Processo nº 327/08) e reiterado nos Acórdãos do Pleno da mesma Secção do Contencioso de 5/7/2012 (Processo nº 286/12) e de 17/10/2012 (Processo nº 414/12), (Neste sentido vide Fernanda Esteves, “A prestação de garantia na execução fiscal”, in Revista CEJ, 2º semestre 2013, nº 2) Z. Posto isto, a jurisprudência propugnava no sentido de que não bastava o executado alegar e demonstrar o prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, tendo também de demonstrar as causas objetivas que levaram à insuficiência de bens e que dificultam a prestação da garantia, de modo a permitir concluir que aquele não teve participação culposa nessa insuficiência patrimonial.

    AA. Portanto, o executado teria de demonstrar que as dificuldades na prestação da garantia não advieram de conduta culposa, praticada com intuito de diminuir a garantia dos credores, ou seja, de modo a inviabilizar a realização de penhora ou prestação de garantia para posteriormente poder beneficiar de uma dispensa de prestação desta.

    BB. Todavia, com a Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, houve uma maior circunscrição deste requisito, passando a exigir-se “… que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”. Esta nova redação evidenciou uma mudança de paradigma relativamente a este requisito subjetivo, passando a entender-se que deixa de ser um requisito que cabe ao interessado alegar e provar, e passou a recair sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova da sua demonstração, através da evidenciação de indícios de atuação dolosa do interessado.

    CC.

    Neste sentido alinha o mencionado Acórdão do TCAS de 5/2/2020, Processo nº 2056/19.3BELRS, que refere: “II. Demonstrada a manifesta falta de meios económicos pelo executado, ao mesmo não é exigível que demonstre igualmente que a situação que causa prejuízo irreparável, dado que o requisito objetivo em causa tem duas formulações alternativas, bastando a demonstração de uma...

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