Acórdão nº 955/20.9BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório A FAZENDA PÚBLICA vem deduzir recurso da sentença proferida pelo TAF de Sintra, que considerou procedente a intimação requerida pelo MUNICÍPIO DE CASCAIS para a prestação de informações, pedindo a intimação do Ministério das Finanças a “fornecer a informação relativa ao domicílio fiscal das pessoas singulares” que indica, e que, em consequência, intimou o Ministério das Finanças, a fornecer ao Município de Cascais, a informação solicitada, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões : “63.º A sentença ora posta em causa ao decidir como decidiu, interpretando a redação do artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, e qualificando-a como norma habilitante para a cessação do dever de sigilo fiscal, violou de forma grosseira o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto).

  1. Não se reconhece ao MC, apesar de integrar a administração tributária para aplicação das normas da LGT e CPPT, as mesmas atribuições e competências que a autorize legalmente a aceder à base de dados da AT.

  2. A recolha de dados pessoais pela AT não tem a finalidade de identificar os cidadãos perante toda e qualquer entidade administrativa.

  3. A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.

  4. Conforme se defende, para a cessação do dever de confidencialidade na cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto na al. b) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT, é necessário a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, sendo que, o artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, exige a publicação de uma Portaria que regulamente a forma de acesso e, na sua falta, por força do artigo 23.º da Lei da Proteção de Dados Pessoais, deverá ser elaborado um Protocolo entre o MC e a AT.

  5. Não estando na disponibilidade do MC a aprovação da Portaria, estará, no entanto, a elaboração do Protocolo.

  6. Salienta-se que existe uma outra base de dados - BDIC (Base Dados de Identificação Civil) - que tem por finalidade organizar e manter atualizada a informação necessária ao estabelecimento da identidade dos cidadãos, que contém, entre outros, o dado residência e na qual é reconhecida a possibilidade de acesso a outras entidades, aos dados nela constantes, cfr. alínea f) do artigo 5.º e alínea d) do artigo 22.º da Lei n.º 33/99, de 18 de maio, alterada por último pela Lei n.º 32/2017, de 01/06, configurando a morada, livremente escolhida pelo cidadão, para ser contactado pelos serviços de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços da segurança social, igualmente o seu domicílio fiscal.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso por a transmissão dos dados solicitado pela Recorrida configurar violação do previsto no artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.º, artigo 35.º, n.º 4 e artigo 266.º, todos da Constituição da República Portuguesa, absolvendo a AT do pedido, com as legais consequências.” O Requerente apresentou contra-alegações em que sustenta nas respectivas conclusões o seguinte: “A sentença recorrida deve ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso interposto e mantendo-se a intimação ao Ministério das Finanças a prestar as informações requeridas, no prazo máximo de dez dias, como de seguida se conclui, em síntese. Vejamos: 1. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido de intimação apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal de oito contribuintes executados no âmbito dos correspondentes processos de execução fiscal por si instaurados, em razão de existir, por um lado, norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever de cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto no artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da LGT e, por outro, que ainda que não existisse teria que considerar-se as autarquias locais como parte da AT quando no exercício de competências tributárias em tudo idênticas, como o são as relativas à cobrança coerciva dos tributos da sua titularidade.

  1. Como resulta da sentença recorrida existe, ao contrário do que insiste em defender a Recorrente, «norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b), do n.º 2, do artigo 64.º da LGT» – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30 de setembro de 2020, proferido no processo n.º 108/20.6BEFUN.

  2. A Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, procedeu à alteração do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, passando a facultar expressamente às autarquias locais o acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados, prevendo, no seu n.º 6, o direito de consulta nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre o domicílio fiscal e a identificação e a localização dos bens do executado.

  3. As alterações a que o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro foi sujeito, visaram esclarecer os contornos do dever de confidencialidade, imposto pelo artigo 64.º, n.º 1 da LGT à administração tributária face às autarquias locais, tornando, simultaneamente, efetivos e praticáveis os poderes tributários relativamente aos impostos e outros tributos a cuja receita estas tenham direito, nos termos do disposto no artigo 15.º do RFALEI, os quais compreendem, nomeadamente, a possibilidade de cobrança coerciva desses mesmos impostos e tributos, como determina a alínea c) do mesmo normativo, através do processo de execução fiscal previsto e regulado no CPPT, tal como postula o artigo 12.º, n.º 2 do RGTAL e como passou igualmente a prever, de forma mais genérica, o próprio artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação inicial.

  4. Com efeito, de pouco serviria a atribuição de uma competência específica no âmbito da execução coerciva dos tributos a cuja receita os municípios têm direito, se depois se vissem estes impedidos de levar a cabo as diligências necessárias, por falta de informação fidedigna relativamente ao domicílio fiscal dos executados e, bem assim, aos bens suscetíveis de penhora.

  5. Acresce que não é diferente, no que respeita ao seu peso jurídico, o interesse da AT em conhecer o domicílio fiscal dos contribuintes no âmbito de uma execução fiscal, do interesse das autarquias locais em obter essa mesma informação para esse mesmo efeito, no domínio dos tributos por si administrados, não fazendo qualquer sentido conferir tratamento díspar à AT e às autarquias locais, permitindo à primeira o conhecimento do domicílio fiscal dos devedores e vedando essa mesma informação às segundas, tal como decidiu o Tribunal a quo (cf. p. 13 da sentença).

  6. Neste contexto, irreleva a necessidade de regulamentação, via Portaria ainda não aprovada, dos termos em que poderá decorrer a consulta informática direta àquelas bases de dados, como dispõe o n.º 8, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, pois que, o facto de a consulta informática direta às bases de dados se encontrar carecida de maiores desenvolvimentos legislativos, em nada belisca a legitimidade dos municípios no que respeita à consulta não direta, ou seja, por meio dos serviços da AT (como, de resto, vinha acontecendo, sem qualquer oposição, até outubro de 2020, conforme se demonstrou e se pretende que se dê como provado).

  7. Esta é a única conclusão que se coaduna com os princípios subjacentes à interpretação da Lei, vigentes no nosso ordenamento jurídico e plasmados no artigo 9.º do Código Civil: desde logo, os elementos literal e lógico favorecem o entendimento do ora Recorrido, na medida em que o termo ‘consulta’, referido no n.º 6 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro é um termo que abrange qualquer tipologia de consulta, seja ela direta informática, direta não informática, indireta informática ou indireta não informática, e na medida em que, permitindo-se o ‘fim’ consulta, necessariamente se permitem os meios necessários à sua consecução, não se restringindo os mesmos à aprovação de sistema informático próprio para o efeito – como foi igualmente decidido pelo Tribunal a quo no âmbito da intimação que correu termos sob o n.º 130/21.5BESNT e cuja sentença se encontra junta como doc. n.º 1 (p. 30).

  8. Também os elementos sistemático e histórico validam a autonomia do direito à consulta das bases de dados da AT independentemente da instituição de um sistema informático para consulta direta, como se retira da análise do regime de consulta instituído para os agentes de execução e previsto no artigo 749.º do CPC (cuja redação é, atualmente, bastante próxima da que veio a ser conferida ao artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), de onde resulta que a Lei já previa a possibilidade de consulta a determinadas bases de dados antes mesmo de conceber a possibilidade de a mesma ser efetuada informática e diretamente pelos agentes de execução, não tendo esse direito sido suspendido durante o tempo em que aquela não se encontrou regulamentada por Portaria.

  9. O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na redação que lhe foi dada pela LOE para 2018 é claro ao afirmar que apenas a consulta informática direta – e não a consulta em...

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