Acórdão nº 1407/19.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução01 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] 1 – RELATÓRIO R...

, divorciado, residente na ..., intentou a presente ação de condenação sob a forma de processo comum, contra MUNICÍPIO DE ...

, alegando para tanto e em síntese: Autor e Réu, Município de ..., celebraram um contrato de doação modal, por escritura pública de 17 de Maio de 2006; o objeto desse contrato foram os bens móveis constantes do clausulado; o Autor era dono e legítimo possuidor dos bens constantes das 567 fichas devidamente identificadas e apensas em dois dossiers rubricados pelas partes (livros, jornais, revistas e mapas, cadernos constituídas por material filatélico e numismático, medalhístico, objetos vários, revistas, jornais e outros), bens esses, na sua maioria enorme relevância histórica e elevado valor material atendendo ao facto de neles se incorporar parte do “acervo hereditário de ...

”.

O contrato de doação obedeceu a condições essenciais: o doador transferiu a propriedade dos bens ao donatário para que este edificasse um futuro museu, sendo que o donatário aceitou a doação com dois encargos: a criação de um museu e a garantir uma remuneração mensal ao doador a partir de finais de 2007, no valor de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros) por ano a pagar ao Autor, em parcelas de € 2.000,00 (dois mil euros) mensais, o que foi reciprocamente aceite pelos Autor e Réu, tendo o Autor entregue os referidos bens ao Réu e o A. doou ao Réu 1/3 da herança indivisa de ...

Mais alega que, até hoje, e apesar do doador autor ter cumprido com a sua palavra, o Réu não cumpriu os encargos da doação; o Autor por diversas vezes e de formas diferentes interpelou o R., para que este cumprisse os encargos, não o tendo feito.

Refere o Autor que foi levado a aceitar as condições do contrato sempre de boa-fé, atendendo a uma preocupação altruística por um lado e por outro lado egoística, com vista à perceção das referidas contraprestações e que seria incompaginável que alguém pudesse doar um acervo composto de relevante interesse histórico sem ter como assente uma contrapartida séria, justa e aprazada, pelo que, com a falta de cumprimento dos encargos por banda do réu, sofreu o autor um prejuízo que se pode quantificar e qualificar pela expectativa e pela certeza que se verteram no referido contrato, não se tendo conferido à violação do encargo modal o direito à resolução do contrato de doação, assistindo assim ao autor o direito de obter uma indemnização, nos termos do disposto nos artigos 801º e 966º do Código Civil, indemnização essa que ascende a €288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil euros), cujos cálculo se efetua da seguinte forma: €2.000,00 x 12 = €24.000,00 x 12 anos = €288.000,00, acrescidos dos juros legais.

Conclui que a conduta do réu causou ao autor enorme transtorno pessoal, social e tem afetado a sua saúde, pugnando assim, e na procedência da ação por provada, pela condenação do Réu a pagar ao Autor a quantia de €288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil euros) acrescido de juros à taxa legal desde a citação e na procuradoria condigna.

* Citado para contestar, o Réu ofereceu contestação, por exceção e por impugnação.

Excecionou desde logo a incompetência do Tribunal em razão da matéria do tribunal em razão da matéria, com os fundamentos constantes da contestação apresentada, pugnando pela absolvição do Réu. da instância, nos termos do nº 2 do artigo 576º e nº 1 do artigo 99º todos do Código do Processo Civil.

Excecionou ainda o Caso Julgado, alegando ter corrido termos neste juízo, ação com o nº ... finda e já transitada em julgado por transação homologada por sentença; que tal ação foi intentada pelo aqui Autor contra o Réu Município de ..., peticionado a resolução do negócio que configurou a doação do “Espólio do ...

”, definindo o seu objeto pela referência aos bens entregues constantes dos cadernos juntos na referida ação e que, por não ter sido concretizado o fim a que se destinaria tal doação viria o negócio a ser resolvido por devolução dos bens, o que se operou em conformidade com a sentença, vindo agora o Autor, com nova ação, sustentada na mesma causa de pedir mas dela pretendendo extrair outras consequências que não peticionou na anterior ação, apesar de ter transigido no sentido de que a questão do “espólio entregue/doado”, ficava definitivamente resolvida, verificando-se assim a exceção de caso julgado prevista nos artigos 576º, 577º alínea i) , 580º, todos do Código de Processo Civil, importando assim a absolvição da instância.

Em sede de impugnação, veio arguir a nulidade do contrato de doação, alegando que o aludido contrato não é escritura pública nem tão pouco poderá ser considerado como contrato de doação modal, tal com configurado pelo Autor; que as declarações subscritas pelo então Presidente do Município de ... e o Autor, sem qualquer deliberação prévia do órgão competente e sem posterior ratificação do órgão competente para tal, põe em crise toda a validade jurídica que daí se possa ou pretenda extrair por via da presente ação, uma vez que atuou o então Presidente da Câmara de ..., sem poderes para tal, agindo de modo próprio em representação do Município, aceitando a dita doação e aí consignando uma obrigação “modal” cujo conteúdo não poderia vincular então ou para o futuro, o Réu.

Alegou ainda que é inquestionável que o autor quis transferir gratuitamente para o domínio e posse do Município bens de sua pertença em momentos distintos, e que alguns deles se mantém na posse do Município, nomeadamente os que se reportam à entrega de 2002, doação manual que se consumou com a traditio, sem que tivesse sido outorgado qualquer contrato ou outra formalização, para além do inventário realizado por A. e os serviços do R. e que o que se pode e deve extrair das declarações negociais em causa é que o A. doou os bens que entendeu doar, por transmissão gratuita ao R., para que este os destinasse a um futuro museu que e se viesse a edificar e tal condição apenas se teria por incumprida pelo R. se tal museu já tivesse sido edificado e aos bens em causa tivesse sido dado destino diferente, o que não ocorreu, nem se tendo o R. vinculado perante o A. a levar a cabo tal edificação, não sendo ele o titular do direito subjetivo inerente a tal edificação, pois que a opção de tal obra caberia estritamente no âmbito dos poderes de gestão do interesse público, definidas pelos órgãos colegiais próprios (Câmara Municipal e Assembleia Municipal).

Impugnou ainda alegando que a doação do quinhão hereditário nos bens imóveis teve por base a sua incapacidade de manutenção dos mesmos e a evidência da sua degradação.

Mais alega, e em conclusão, que a opção de edificação de um museu sempre dependeria de variáveis que o Réu por si só não poderia garantir, nomeadamente as que se prendem com a colegialidade dos órgãos decisores e os ciclos políticos que lhes estão subjacentes, e bem assim por força das regras de tutela administrativa do interesse público, no que tange a opções orçamentais e de tesouraria, em cada momento e que o valor histórico e material do espólio em causa não revestia de facto o interesse e dimensão com que o Autor “o quis cunhar”, pelo que existiria um enorme desvalor entre a doação e o encargo pelo que, para além de ter sido devolvido ao Autor parte do espólio, aqui peticionado como parte da causa de pedir e que veio a revelar-se de nenhum valor, o demais fora já entregue em 2002 sem qualquer condição à data da traditio, que o Réu aceitou.

Conclui assim pela procedência das exceções invocadas, com a consequente absolvição do Réu da instância, ou, assim não se entendendo, julgada a ação totalmente improcedente e o Réu absolvido dos pedidos.

* O autor apresentou resposta às exceções.

Procedeu-se realização de audiência prévia, julgando-se improcedente a arguida exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria, relegando-se para momento ulterior o conhecimento das exceções de caso julgado e a arguida nulidade do contrato objeto dos presentes autos, fixando-se o objeto do litigio e selecionando-se os temas da prova.

Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância de todas as formalidades legais, com observância de todas as formalidades legais aplicáveis, conforme resulta das atas respetivas.

Na sentença, depois de se declarar que improcediam ambas as exceções que restavam por apreciar [a do caso julgado e a da nulidade do contrato], considerou-se, em suma, verificado o incumprimento culposo do contrato de doação modal por parte do Réu Município, já que era obrigação deste promover a constituição da sociedade nos termos ali constantes e provou-se que, o não cumprimento dessa condição causou prejuízos ao Autor na medida da sua expectativa quanto às consequências do negócio, pelo que, passando ao arbitramento de indemnização por esse incumprimento do contrato de doação modal, entendeu-se que tal devia ter lugar através da equidade, fixando-se assim o valor da indemnização a que o A. tinha direito em €150.000,00, a que acresciam juros, nestes termos se dando procedência à ação, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «Decisão Face ao exposto, julgando improcedentes as exceções arguidas e julgando parcialmente procedente por provada a presente ação, decido: 1– Condenar o Réu Município de ... a pagar ao autor R... a quantia total de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde a presente data, até efetivo e integral pagamento.

2 – No mais, absolver o Réu do pedido.

3 - Custas da ação a cargo do autor e réu, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia o autor.» * Inconformado com essa sentença, apresentou o R. recurso de apelação contra a mesma[2], terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: ...

Pelo exposto: a)-deve a decisão recorrida ser substituida por outra que dê...

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