Acórdão nº 351/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 351/2021

Processo n.º 910/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão proferido por aquele Supremo Tribunal em 30 de setembro de 2020 que julgou improcedente a pretensão do ora recorrente a ver reconhecida a prescrição de uma dívida emergente de dois atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS»), relativos a 2002 e 2003.

Com vista à cobrança coerciva desta dívida, foi instaurado em 2007 um processo de execução fiscal, para o qual foi citado o ora recorrente em 5 de março de 2007. Em 21 de dezembro de 2018, este requereu que o processo de execução fosse declarado extinto, invocando a prescrição das dívidas tributárias, pretensão que foi indeferida. O ora recorrente apresentou então reclamação do ato do órgão de execução fiscal, que em primeira instância foi julgada improcedente. O STA, no acórdão recorrido, confirmou esta decisão. Depois de citar a fundamentação de outro acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 2 de setembro de 2020 (Proc. n.º 0705/19.2BELLE), à qual aderiu, concluiu o tribunal a quo (cf. p. 27 do acórdão recorrido):

«I – A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).

II- O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.»

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, através de requerimento em que – entre outras alegações – veio questionada a validade da interpretação do artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária «no sentido de aplicar o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil e, consequentemente, atribuir às causas de interrupção previstas no n.º 1 do artigo 49.º da LGT efeito interruptivo duradouro (…)», defendendo o recorrente que esta é materialmente inconstitucional (cf. o n.º 33.º do requerimento).

2. O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo STA em 1 de setembro de 2020. Notificado para alegar, nos termos previstos no artigo 79.º da LTC, o recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«IV - DAS CONCLUSÕES E DO PEDIDO

223°

O instituto da prescrição das obrigações tributária sempre esteve regulado de forma específica no ordenamento jurídico tributário.

224°

Os normativos dos n.°s 1 e 2 do artigo 11.° da LGT estabelecem que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis e que, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

225°

O instituto da prescrição das obrigações tributárias constante da LGT, na redação anterior à Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, não garantia de forma total e integral os interesses do credor tributário e, consequentemente, o interesse público, porque, não obstante o credor tributário estar impedido de praticar os atos executivos necessários à efetivação da cobrança, por efeito da suspensão do processo de execução fiscal, em virtude de prestação de garantia ou da sua dispensa nos termos da lei, os Tribunais Tributários procediam ao reconhecimento da prescrição das dívidas fiscais, sempre que o processo tivesse estado parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo (cfr. n.° 2 do artigo 49.° da LGT, antes da sua revogação).

226º

Para além da vontade de reduzir o prazo de prescrição das obrigações tributárias, foram estas as razões que determinam que o legislador fiscal procede a alterações legais no sentido de dar uma nova conformação normativa ao instituto da prescrição das obrigações tributárias.

227.º

Não obstante as dívidas fiscais do contribuinte, ora recorrente, serem relativas aos anos de 2002 e de 2003, por força do artigo 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, aplica-se lhes o regime da prescrição inserto no artigo 49.º da LGT, na redação que entrou em vig[o]r em 01 de janeiro de 2007, e subsequentes alterações legais.

228º

Não obstante o contribuinte ter apresentado meios de reação para sindicar a legalidade dos atos de liquidação, o processo de execução fiscal nunca esteve suspenso em virtude da ausência de prestação de garantia idónea ou de dispensa de garantia, pelo que o órgão de execução fiscal sempre pôde praticar os atos executivos necessários à cobrança das dívidas exequendas.

229.°

O início do prazo de prescrição daquelas dívidas de IRS verificou-se em 01.01.2003 e em 01.01.2004, e só se verificou o ato de interrupção determinado pela citação do executado, que foi realizada em 05.03.07, sendo, assim, imperativo concluir que, à luz dos artigos 48.° e 49.° da LGT, já se verificou a prescrição das dívidas de IRS dos anos de 2002 e de 2003.

230°

O contribuinte, através de dois requerimentos, solicitou ao órgão da execução fiscal o reconhecimento da prescrição nos termos dos artigos 48.° e 49.° da LGT e do artigo 175.° do CPPT.

231.°

O órgão da execução fiscal indeferiu a pretensão do contribuinte com o fundamento de que a citação ocorreu em 05.03.2007 e que, em virtude da revogação do n.° 2 do artigo 49.° da LGT, através da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, se aplicar ao regime da prescrição das dívidas fiscais o n.° 1 do artigo 327.° do Código Civil, e, consequentemente, o efeito interruptivo duradouro da citação só terminar após o trânsito em julgada da decisão que puser termo ao processo.

232°

Na fundamentação da decisão, o órgão da execução fiscal invocou a jurisprudência firmada e consolidada no STA, tendo indicado, em concreto, os acórdãos do STA proferidos nos processos n.° 0644/18, de 05.09.2018, e n.° 0537/18, de 20.06.2018.

233.°

Foi esta mesma jurisprudência firmada no STA que foi invocada na sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância e no acórdão do STA, que consideraram improcedentes, respetivamente, a reclamação dos atos do órgão da execução fiscal (art.º 276.° do CPPT) e o recurso jurisdicional (art.º 2809.° do CPPT), meios de reação em que o contribuinte invocou a ilegalidade da decisão do órgão da execução fiscal e, outrossim, a ilegalidade e a inconstitucionalidade material da interpretação que o STA faz dos normativos do artigo 49.° da LGT, na redação introduzida pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro.

234°

Esta jurisprudência do STA considera que o regime da prescrição das obrigações tributárias, ínsito nos artigos 48° e 49° da LGT, não encerra qualquer conceito de prescrição e não atribui ou define os efeitos das causas de interrupção e das causas de suspensão previstas nos normativos do artigo 49.° da LGT, pelo que, nos termos do n.° 2 do artigo 11º da LGT, é necessário ir ao Código Civil buscar esses conceitos e a determinação dos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos.

235°

O contribuinte, ora recorrente, considera que na LGT, por força do n.° 2 do artigo 11.° da LGT, os conceitos de prescrição, de interrupção e de suspensão têm o mesmo significado que têm nos normativos do Código Civil, e que os normativos do artigo 49.° da LGT atribui e fixa, de forma clara, concreta e precisa, os efeitos das causas de interrupção previstas no n.° 1 do artigo 49, e das causas de suspensão previstas nos n.°s 4 e 5 do artigo 49.° da LGT, razão pela qual não existe qualquer fundamento legal para a aplicação subsidiária do n.° 1 do artigo 327°do Código Civil.

236°

A jurisprudência firmada no STA assenta numa posição doutrinária que considera que, antes da revogação do n.° 2 do artigo 49° da LGT, a legislação fiscal regulava o instituto da prescrição da dividas fiscais de forma completa, atribuindo efeitos às causas de interrupção, e que após 01 de Janeiro de 2007 tal se deixou de verificar, razão pela qual se verifica a existência de uma lacuna de lei, que tem de ser suprida, nos termos do n.° 2 do artigo 11° da LGT, pela aplicação subsidiária do n.° 1 do artigo 327° do Código.

237º

A jurisprudência firmada no STA sobre a prescrição das obrigações tributárias é sustentada pela posição doutrinária do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, doutrina que se encontra enunciada no texto "Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária - Notas Práticas, publicado em 2008, pela Áreas Editora;

238º

A doutrina defendida pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e subscrita pelo STA é contestada por alguns autores e, outrossim, o contribuinte, ora recorrente, discorda da mesma, logo, da jurisprudência firmada no STA.

239°

Uma adequada e correta hermenêutica interpretativa dos normativos do artigo 49.° da LGT, com efetiva e plena utilização dos elementos interpretativos (elemento gramatical, elemento racional ou teleológico, elemento sistemático e elemento histórico), isto é, a aquedada aplicação das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conduz à conclusão de que os normativos do artigo 49.° da LGT fixam e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT