Acórdão nº 347/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 347/2021

Processo n.º 1205/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 11 de outubro de 2019, que: (i) recusou a aplicação «da norma contida no artigo 3.º, n.º 1 do regime do FGS quando estabelece como critério de fixação do limite de garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador», por determinar «um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor», em violação do «princípio da igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1 da CRP)»; e (ii) em consequência dessa recusa, anulou o despacho impugnado pela ora recorrida, condenando o Fundo de Garantia Salarial (doravante «FGS») no pagamento do montante ilíquido de € 3.007,66, bem como dos correspondentes de juros de mora, a acrescer ao montante já deferido pela instituição de garantia.

2. A ora recorrida, cuja entidade empregadora foi declarada insolvente em 21.12.2015 e na sequência de ação instaurada em 21.08.2015, apresentou junto do FGS requerimento destinado a obter o pagamento dos respetivos créditos laborais, que assim discriminou: i) vencimento do mês de outubro de 2015, no valor de € 515,00; ii) vencimento do mês de novembro de 2015, no valor de € 515,00; iii) vencimento do mês de dezembro de 2015, no valor de € 515,00; iv) ssubsídio de alimentação dos meses de outubro a dezembro de 2015, no valor de € 176,40; v) 50% dos duodécimos do subsídio de férias dos meses de janeiro a setembro de 2015 vencido em agosto de 2015, no montante € 193,14; vi) 100% dos duodécimos do subsídio de Natal dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2015, vencido em dezembro de 2015, no valor de € 128,76; vii) subsídio de férias do ano de 2014, no montante de € 468,18; viii) ssubsídio de Natal do ano de 2014, no valor de € 472,08; ix) 10 dias úteis de férias vencidas e não gozadas em 2015, no valor de € 234,09; x) 140 horas de trabalho prestado em 2015, no montante de € 415,80; xi) férias vencidas em 01.01.2016 e não gozadas, relativas ao trabalho prestado no ano de 2015, no valor de € 530,00; xii) ssubsídio de férias vencido em 01.01.2016 relativo ao trabalho prestado no ano de 2015, no montante de € 530,00; xiii) vencimento do mês de janeiro de 2016, no valor de € 530,00; xiv) 3 dias de retribuição referente ao mês de fevereiro de 2016, no valor de € 53,00; xv) ssubsídio de alimentação do mês de janeiro de 2016, no montante de € 56,00; xvi) 3 dias de subsídio de alimentação do mês de fevereiro de 2016, no valor de € 8,40; xvii) proporcionais de férias de 01.01.2016 a 03.02.2016, no valor de € 49,23; xviii) proporcionais do subsídio de férias de 01.01.2016 a 03.02.2016, no montante de € 49,23; xix) proporcionais do subsídio de Natal de 01.01.2016 a 03.02.2016, no valor de € 49,23; e xx) 3 meses de indemnização a 45 dias nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho, no valor de € 2.385.00, num total de € 8.195,44.

No despacho que incidiu sobre tal requerimento, o FGS recalculou, «por força dos dispositivos legais vigentes», o valor da indemnização peticionada, que fixou em € 405,13, e atribuiu à ora recorrida, a título de créditos emergentes do contrato de trabalho, uma prestação no valor ilíquido de € 3.842,39 (correspondente ao valor líquido de €3.440,04), considerando, por um lado, que parte dos créditos reclamados se havia vencido «em data anterior ao período de referência previsto no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril», e, por outro, o «plafond legal, no seu limite mensal», fixado no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma legal.

3. Por sentença de 11 de outubro de 2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a ação procedente, anulando o despacho impugnado e condenando o FGS no pagamento à ora recorrida do acréscimo ilíquido de € 3.007,66 relativamente aos valores já pagos, bem como dos correspondentes juros de mora.

Com relevo para a decisão a proferir, lê-se na referida sentença:

«De acordo com o requerimento apresentado, a autora peticionou, a título de indemnização, o pagamento de € 2385,00.

A decisão impugnada atribuiu à autora o montante de € 405,13.

Importa desde logo começar por referir que não cabe nas competências da entidade demandada questionar os valores reclamados pela autora. Dos normativos referidos supra resulta que a entidade demandada apenas pode verificar três aspetos: se os créditos reclamados são emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação; se os créditos se venceram nos 6 meses anteriores à propositura da ação; e se os créditos respeitam os limites legais.

Não é atribuída à entidade demandada competência para discutir qual o valor da indemnização devida à autora em decorrência da cessação do contrato de trabalho. Repare-se que tendo a autora reclamado os montantes nos valores que reclamou, e tendo estes sido reconhecidos na insolvência, não pode a entidade demandada negar-se, por entender que o valor da indemnização deveria ser inferior, a que a sub-rogação legal abranja o montante reclamado nos limites legalmente estabelecidos.

Efetivamente, no processo de insolvência não foi questionado o direito da autora ao montante de indemnização no valor reclamado. Assim, no que às competências da entidade demandada respeita, a autora apenas tem que demonstrar que está em causa uma indemnização emergente da violação ou cessação do contrato de trabalho. De outro modo, estaríamos a transformar o procedimento junto da entidade demandada numa instância laboral, sendo que tal possibilidade constitui uma violação dos limites ao disposto nos artigos 387.°, n.° 1 e 388.°, n.° 1 do CT que impõem que as matérias da regularidade, licitude ou ilicitude dos despedimentos só podem ser apreciadas por Tribunal Judicial, ou seja, a admitir-se a possibilidade de a entidade demandada questionar os valores de indemnização (e reduzi-los por alegada aplicação de normas legais, que nem sequer especifica), colocar-se-ia a autora perante uma situação de total desproteção jurídica, já que os Tribunais Administrativos não poderiam reconhecer, por exemplo, a ilicitude do despedimento para efeitos de determinação do valor de indemnização devida ou graduar o valor da indemnização no caso de resolução com justa causa pelo trabalhador. E de qualquer modo, o reconhecimento dos créditos laborais, incluindo o valor da indemnização, sempre tem lugar junto de Tribunal Judicial, e não tendo tal valor sido questionado não pode por imposição dos normativos referidos, colocar-se agora em causa esses montantes.

Assim, não existe qualquer fundamento para que o valor da indemnização reconhecido à autora deva ser de € 405,13.

[…]

Analisada a decisão impugnada, verifica-se que um dos fundamentos expressamente indicados pela entidade demandada é que os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, nos termos do artigo 3.° do regime do FGS.

[…]

Efetivamente, o artigo referido estabelece como limite quantitativo o equivalente a 6 meses de retribuição. Refere ainda que a retribuição a considerar não pode exceder o triplo da retribuição mínima mensal.

[…]

Face ao referido, parece pacífica a aceitação de que a interpretação do artigo 3.º, n.º 1 do Regime do FGS deve ser a de que o limite mensal a ter em consideração é calculado em função da multiplicação por 6 da retribuição mensal (salário) do trabalhador.

Afigura-se, no entanto, que tal interpretação é de afastar pelas razões que de seguida se aludirá.

O regime do FGS visa transpor para o direito nacional a Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22.10.2008 relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador. De acordo com os considerandos da Diretiva referida, o regime a instituir visa concretizar o ponto 7 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adotada em 09.12.1989, estabelecendo um regime de proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador que lhes assegure «um mínimo de proteção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade e um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade». É importante notar que a própria Diretiva nos seus considerandos prevê a possibilidade de existirem «limites à responsabilidade das instituições de garantia, que devem ser compatíveis com o objetivo social da diretiva e podem tomar em consideração os diferentes valores dos créditos.»

Ora, o artigo 3.º, n.º 1 do regime do FGS estabelece um limite máximo à responsabilidade da entidade demandada que é variável em função do salário dos trabalhadores: quanto maior o salário maior a responsabilidade que o FGS assume no pagamento dos créditos laborais em caso de insolvência.

É certo que há um limite máximo intransponível que é 6 vezes o triplo da retribuição mínima mensal garantida, o que significa que em nenhuma situação a entidade demandada deve assegurar o pagamento de montantes superiores a € 9540,00. Portanto, relativamente a todos os trabalhadores que recebam salário superior ao triplo do salário mínimo nacional, apenas está garantido o pagamento do montante máximo de € 9540,00. Mas para quem aufira mensalmente de salário inferior ao triplo do salário mínimo, a garantia de pagamento pelo FGS vai variar em função unicamente do salário recebido pelo trabalhador: quanto menor o salário menor o nível de proteção.

Para estes últimos, não se estabelecendo um limite...

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