Acórdão nº 330/21 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução26 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 330/2021

Processo n.º 750/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A. (a ora recorrente) impugnou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o ato de liquidação da “contrapartida anual relativa ao ano de 2015 referente à concessão da zona de jogo do Estoril, que engloba, entre outros, o Imposto Especial de Jogo”.

O processo correu os seus termos naquele tribunal com o número 601/16.5BESNT e culminou na prolação de sentença, datada de 20/06/2018, que julgou a impugnação improcedente.

1.1. A impugnante recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Das respetivas alegações de recurso consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

11.º) A Impugnante considera que a liquidação da contrapartida é ilegal porque: i) fundamentada em dois diplomas inconstitucionais – os Decretos-Leis n.ºs 422/89 e 275/2001; ii) há violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real; iii) há violação do princípio da legalidade.

[…]

28.º) Recorde-se, em primeiro lugar, que o valor dessa contrapartida é composto pelo Imposto do Jogo, previsto, como o impõe o princípio da legalidade, não no contrato de concessão, mas na chamada Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89) – ora, a recorrente considera ilegal essa liquidação porque a Lei do Jogo, na parte referente ao Imposto do Jogo, é inconstitucional.

29.º) Em segundo lugar, o valor da contrapartida pode ultrapassar ou ser superior ao valor das liquidações do Imposto do Jogo, nomeadamente em face do “mínimo de contrapartida” que está fixado no Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10 – ora, a recorrente considera ilegal a liquidação da contrapartida aqui impugnada, porque o Decreto-Lei n.º 275/2001 é inconstitucional.

[…]

40.º) Ora, ao invés do defendido na douta sentença recorrida, constata-se que a autorização legislativa estabelecida na Lei n.º 14/89 é amplamente genérica e que o Decreto-Lei n.º 422/89 disciplina, sem o respaldo dos elementos essenciais constantes da lei de autorização, o imposto do jogo, modifica as suas taxas, pelo só é possível uma única conclusão: o diploma é organicamente inconstitucional.

41.º) Daqui decorre que a liquidação da contrapartida ora impugnada, tendo na sua base o imposto de jogo, é ilegal, por a norma que respalda essa determinação de imposto ser inconstitucional.

42.º) Para além disso, a referida contrapartida, liquidada nos termos do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, é, também, por si só, ilegal, por inconstitucionalidade deste último diploma.

[…]

54.º) Mas, por si só, a “contrapartida anual” é inconstitucional por violação dos referidos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.

[…]

64.º) O princípio da legalidade, nomeadamente na sua vertente de reserva de lei, é, deste modo, violado, na medida em que um elemento essencial do imposto – a incidência – aliás expressamente referido no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, não é fixado por lei.

65.º) Essa deslegalização efetuada pelo Decreto-Lei n.º 422/89 implica, portanto, uma violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

66.º) E, na medida em que a contrapartida ora impugnada é constituída, ao menos em parte, pelo imposto especial de jogo, sendo este inconstitucional/ilegal, também o é na contrapartida.

[…]

Conclusões:

[…]

12.ª) É que a referida liquidação é ilegal, porque o diploma com base no qual foi emitida tal liquidação (Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

13.ª) É que o Decreto-Lei n.º 275/2001 foi aprovado sem ser com base em qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo.

[…]

16.ª) Porém, ao invés do decidido pela douta sentença recorrida, essa autorização legislativa é amplamente genérica, não cumprindo o requisito constitucionalmente expresso de definir com rigor e precisão “o objeto, o sentido, a extensão e a duração da mesma” (cf., à época, o artigo 168.º e hoje o artigo 165.º da Constituição).

17.ª) Na medida em que está em causa matéria fiscal, que é da competência da Assembleia da República, o referido Decreto-Lei n.º 422/89 é organicamente inconstitucional e, portanto, ilegais as liquidações de Imposto do Jogo e, deste modo, ilegal a contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto.

18.ª) Por outro lado, sendo, como é, a “contrapartida anual” um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real.

[…]

22.ª) Aliás, o próprio imposto do jogo que, conforme referido, “integra” a contrapartida anual é também inconstitucional por violação desses princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.1. Por acórdão de 24/04/2019, o STA julgou o recurso improcedente.

1.2. Desta decisão recorreu a impugnante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presente autos – nos termos seguintes:

“[…]

1.º) Estabelece o n.º 1 do art.º 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, que o recurso se interpõe “por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo do qual o recurso é interposto” – o presente recurso é interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º.

2.º) Estatui o n.º 2 do mesmo art.º 75.º-A, que “sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considere violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”.

3.º) A ora recorrente deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra uma impugnação judicial, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra a liquidação da “contrapartida anual relativa ao ano de 2015”, liquidação essa emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de outubro.

4.º) Nessa impugnação, a recorrente invocou a ilegalidade da liquidação impugnada:

a) Por o Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, com base no qual foi emitida a impugnada liquidação, ser organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e o Governo, sem autorização legislativa, ter emitido tal diploma;

b) Na medida em que uma parte da contrapartida anual é paga através do Imposto do Jogo e a lei que criou e regulou tal imposto (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12) ter sido emitido com base em lei de autorização legislativa (Lei n.º 14/89, de 30/6) que não estabeleceu os critérios mínimos constitucionalmente exigidos para as leis de autorização;

c) Por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do lucro real;

(cf. Petição Inicial da Impugnação, alegação de recurso para o STA e Acórdão recorrido - onde foram elencadas as questões objeto de recurso).

5.º) Na medida em que o artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, estabelece a obrigatoriedade de as empresas concessionárias da atividade do Jogo efetuarem o pagamento de uma “contrapartida anual” e tendo esta a natureza de um imposto, a competência para legislar sobre essa matéria é da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa, pelo que o referido artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 275/2001 é organicamente inconstitucional.

6.º) Na medida em que parte da “contrapartida anual” é paga através do Imposto Especial do Jogo e a Lei do Jogo, estabelece a incidência e as taxas de tal imposto e tais matérias foram estatuídas em termos não previstos na lei de autorização, foi violado o princípio da legalidade estabelecido nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.ºs 1, al. i), e 2, da Constituição da República Portuguesa.

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