Acórdão nº 5430/20.9T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 5430/20.9T8STB-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Por apenso à acção especial de insolvência, (…) veio deduzir embargos à referida decisão. Proferida decisão que julgou improcedentes os presentes embargos, a parte veio interpor recurso.

* No âmbito da acção especial de insolvência que corre termos sob o nº 5430/20.9T8STB, a requerimento do “Banco (…) Português, SA”, por sentença de 10/02/2021, foi declarada a insolvência de (…).

* O insolvente deduziu os embargos, alegando, em síntese, que é sócio gerente de diversas empresas (“…, Lda.”, “…, Restauração e …, Lda.”, “… e …, Lda.”, “…, Lda.”) e que, dada a dificuldade dos negócios em Portugal, se deslocou a Angola, onde vendeu imóveis e uma empresa. Apanhado pela pandemia, não lhe foi possível regressar em tempo útil para solver os compromissos mais urgentes.

Salienta ainda que possui os meios necessários para cumprir pontualmente as suas obrigações tem capacidade financeira, tem possibilidade efectiva de satisfazer a generalidade das suas obrigações e é proprietário de imóvel com o valor aproximado de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros).

* Devidamente notificada, a sociedade requerente da insolvência contestou, frisando que o requerido não invocou factos concretos que possam apoiar a existência de um quadro de capacidade para solver os respectivos compromissos e adianta que o único património conhecido ao embargante é a titularidade de uma quota parte de um imóvel (50%), cujo valor ascenderá a € 175.000,00, montante muito inferior ao seu passivo.

* Os autos prosseguiram para julgamento com o objectivo de apurar se se verificava a situação de insolvência do devedor, nomeadamente se este se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. * Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, mantendo a sentença embargada que decretou a insolvência de (…).

* Inconformado com a decisão em causa, o recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões: 1 – O ora recorrente é pessoa singular.

2 – Não foi citado para a acção nem ouvido nos autos.

3 – Reside na actual morada desde 2016.

4 – Tal é do conhecimento da A. na acção pois financiou a aquisição do imóvel para habitação própria.

5 – Tal é do conhecimento de todos os credores que ali o têm contactado.

6 – A recorrente só tomou conhecimento da douta sentença da insolvente após ter sido proferida, porém a tempo de deduzir embargos e recorrer, tendo desde logo arguido a falta de citação.

7 – A ora recorrente nunca cessou pagamentos e sempre negociou com os credores o pagamento dos seus compromissos tendo as necessárias condições financeiras para cumprir.

8 – A douta sentença recorrida não apreciou devidamente a prova porquanto dos docs. dos autos e dos depoimentos prestados resulta a capacidade económica e financeira para solver os seus compromissos.

9 – Dos docs. trazidos aos autos e do depoimento do embargante resulta claramente a suficiência de bens para garantir os créditos do requerente da insolvência (Banco …).

10 – Deviam dar-se por provados os factos constantes das alíneas a) b), c) e d) dos factos dados por não provados.

11 – Não se demonstrou nos autos a verificação dos requisitos invocados e constantes das alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, nem os demais.

12 – A douta sentença ora em recurso violou, pois, o disposto nos artigos 187.º, a), 188.º n.º 1, c), 197.º e 607.º, nº 4 e 5, do CPC e ainda nos artigos 12.º, 20.º, 29.º e 30.º do CIRE.

Nestes termos, deve a douta sentença ser anulada ou revogada, com todas as consequências legais.

Assim é de Justiça!».

* Foram apresentadas contra-alegações, nas quais a sociedade recorrida defende que não foi cumprido o ónus constante do artigo 640.º do Código de Processo Civil e isso impossibilita a reapreciação da prova gravada ou uma nova ponderação e avaliação da prova testemunhal.

A terminar, a recorrida refere que o recurso deve ser negado e, em consequência, confirmada a sentença recorrida * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

O thema decidendum está circunscrito à apreciação de: a) erro na apreciação dos factos.

  1. erro na interpretação jurídica quanto aos pressupostos da existência de um quadro de insolvência. * III – Dos factos com interesse para a justa solução do caso: 3.1 – Factos provados: 1. (…), contribuinte n.º (…), residente na Av. (…), lote 59, (…), 2950-276 Pinhal Novo, foi declarado insolvente por sentença proferida nos autos principais em 10/02/2021.

    1. A insolvência foi requerida pelo “Banco (…) Português, SA”, tendo a sua citação sido dispensada pelo facto de não ter sido conseguido localizar o seu paradeiro.

    2. O agregado familiar do Embargante é constituído pelo próprio e por: - … (companheira); - … (18 anos), (filha da companheira); - … (10 anos), (filha de ambos); - … (7 anos), (filho de ambos).

    3. O Embargante é proprietário de um bem em compropriedade com (…): Edifício de R/C, e 1º Andar do prédio urbano, sito em (…), Av. (…), Lote 59, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/Pinhal Novo e inscrito na matriz urbana da freguesia de Pinhal Novo sob o artigo (…), com o valor comercial de € 350.000,00.

    4. Encontra-se a trabalhar em Angola, para onde se deslocou em virtude da dificuldade dos negócios em Portugal.

    * 3.2 – Factos não provados:

  2. O Embargante regressou a Portugal para solver os compromissos mais urgentes, o que está disposto a fazer.

  3. Possui os meios necessários para cumprir pontualmente as suas obrigações tem capacidade financeira ou perspectivas económicas que permitam de qualquer forma manter o regular cumprimento dos seus compromissos, nomeadamente os avais pessoais que deu aos credores das empresas acime referidas e agora em execuções.

  4. Neste momento é absolutamente viável economicamente e tem possibilidade efectiva de satisfazer a generalidade das suas obrigações.

  5. Os empréstimos alegados pelo requerente para recheio e equipamento de restaurante/TAP foram por aquele recuperados pelo que devem ser abatidos à divida.

  6. Não detém bens em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira, ou em reserva de propriedade.

    * IV – Fundamentação: 4.1 – Erro sobre a matéria de facto: Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.

    Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.

    A discordância fundamental relativamente à decisão de facto assenta na factualidade correspondente às alíneas a)[1], b)[2], c)[3] e d)[4] dos factos não provados, sublinhando o recorrente que as suas declarações de parte e os testemunhos de (…) e de sua mãe, (…), impunham decisão diversa, devendo passar esta factualidade a fazer parte do catálogo dos factos provados.

    A sociedade recorrida defende que não foi cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

    * A parte recorrente não faz qualquer remissão para as gravações dos depoimentos em causa nem sequer promove o resumo daquilo que foi dito nas declarações de parte e pelas testemunhas no decurso das correspondentes prestações probatórias. Assim, de forma absoluta, o apelante não indica com rigor (ou, sequer, sem ele) as passagens das gravações em que fundam cada uma das diversas alterações.

    Diz a exposição de motivos da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho [Novo Código de Processo Civil] que «se cuidou de reforçar os poderes da 2.ª instância em sede de reapreaciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar que é insuficiente, obscura ou contraditória –, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material».

    Porém, este reforço de poderes e deveres não é unidireccional. Na verdade, a lei ao mesmo tempo impõe novas regras das condições de exercício do direito de recurso. Assim, os recorrentes têm agora o dever de modelar a peça...

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