Acórdão nº 135/20.3GCABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca Faro - Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 1 - correu termos o processo sumário supra numerado, no qual o arguido (…) a quem foi imputada a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03/01.
Por sentença de 16 de Dezembro de 2020 foi decidido julgar a acusação pública não provada e improcedente e, em consequência foi absolvido o arguido da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 03/01.
* Da sentença proferida recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1.ª (...) foi acusado pela prática, no dia 5 de dezembro de 2020, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
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Conduziu no dia 5 de dezembro de 2020 fazendo uso de uma carta de condução emitida pela República Federativa do Brasil caducada desde o dia 4 de fevereiro de 2020.
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Foi absolvido da prática do crime por se ter considerado como não provado que “o arguido não era titular de carta de condução válida para conduzir” e que o arguido apenas praticou a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 130.º, n.º 7 do Código da Estrada.
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O título de condução caducado habilitou-o a conduzir em Portugal por estar inserido no universo de títulos definido pelo artigo 125.º, n.º 1 al. d) e e) do Código da Estrada.
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Contudo, a validade de título de condução estrangeiro ao abrigo do artigo 125.º do Código da Estrada, é um pressuposto para que os seus titulares possam conduzir em Portugal sem restrições durante determinado período (185 dias após a entrada em território nacional) ou até adquirirem residência.
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Segundo o despacho n.º 10942/200 do Diretor-geral da DGV, publicado no DR, 2.ª série de 27-5-2000 a validade do título constitui pressuposto para o reconhecimento feito em termos de paridade de tratamento entre os dois Estados. O mesmo resulta do artigo 41.º, n.º 2 da Convenção de Viena sobre a Circulação Rodoviária, celebrada em Viena em 8 de Novembro de 1968, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 107/2010, a que o Brasil aderiu.
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Para além do artigo 125.º, n.º 3 e n.º 8, também o pressuposto da validade surge expresso no artigo 128.º do Código da Estrada (como condição para a troca) e no artigo 37.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (como condição para a substituição).
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Por ter um título caducado desde 4 de fevereiro de 2020, quando conduziu no dia 5 de dezembro de 2020, já não estava em condições de obter a sua troca ao abrigo do disposto no artigo 128.º do Código da Estrada, já não estava habilitado a conduzir em Portugal com a sua carta Brasileira.
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A situação destes autos não se insere, como o considerou o tribunal, na previsão do artigo 130.º, n.º 3 al. d) do Código da Estrada, que supõe a possibilidade/faculdade legal de o titular do título caducado diligenciar pela revalidação. O arguido não a tinha.
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O artigo 130.º do Código da Estrada não se aplica aos títulos de condução, estrangeiros, abrangidos pela previsão do artigo 125.º, n.º 1 do Código da Estrada e, portanto, ao do arguido.
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Por não se aplicar o artigo 130.º do Código da Estrada aos títulos não emitidos por Portugal, a conduta do arguido ao ter conduzido com uso de título brasileiro caducado não se reconduz à prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 130.º, n.º 7 do Código da Estrada, 12.ª Com a carta caducada o arguido conduziu sem habilitação legal e preencheu a tipicidade do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
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Ao absolver afastando a aplicação do artigo 3.º indicado na conclusão 13.ª, o tribunal errou na concretização do elemento típico objectivo – falta de habilitação legal. Deve inserir-se nos factos provados que conduziu sem habilitação legal.
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O arguido praticou um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro e deve ser condenado ao abrigo deste tipo incriminador.
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O facto que se inseriu nos factos não provados deve ser levado aos factos provados.
Nestes termos, deverá o persente recurso ser julgado procedente e o arguido (...) condenado pela prática do crime previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro.
Respondeu o arguido, concluindo: 1- No âmbito dos presentes autos, o arguido foi absolvido da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2 do D.L. 2/98, de 03/01. 2- Isto porque o Tribunal “a quo” entendeu, nomeadamente, que o art. 130º do C.E. aplica-se aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, bem como aos títulos de condução estrangeiros reconhecidos em Portugal, no âmbito de convenção ou tratado internacional celebrado, e é desta decisão, com a qual não se conformou, que o Ministério Público interpôs o presente recurso.
3- Entende o arguido que na Douta Sentença recorrida, não se verificam os vícios apontados pelo Ministério Público na sua motivação de recurso, tendo o Douto Tribunal “a quo” feito uma correta interpretação e aplicação do direito.
4- Em face do Direito aplicável e da prova produzida em juízo, não poderia a Mmª. Juiz “a quo” decidir de outra forma, e a Douta Sentença recorrida respeita a prova produzida, bem como todas as normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
5- A Douta Sentença recorrida mostra-se bem fundamentada de facto e de direito e expõe de forma elaborada, completa e compreensível porque foram dados como provados e não provados os factos descritos na acusação, e, de que forma foi fundamentada a convicção do tribunal, designadamente, quando decidiu dar como não provado que o arguido conduziu sem habilitação legal em Portugal.
6- Decidiu bem o Tribunal “a quo” quando decidiu que não se mostraram preenchidos todos os elementos objetivos do tipo de crime pelo qual se encontrava acusado o arguido, nomeadamente no art. 3º, nº 1 do D.L. 2/98, de 03/01, por referência aos arts. 121º, nº 1, 122º, nº 1, 125º, nº 1 e 130º, nº 7, todos do C.E.7- Devendo a Douta Sentença manter-se tal como foi proferida, nomeadamente que os factos dados como não provados sejam mantidos como não provados e absolvendo-se o arguido da prática do crime que lhe era imputado.
8- Da prova produzida no âmbito dos presentes autos resultou que o arguido tem carta de condução emitida pelas entidades competentes do Brasil, tendo a mesma caducado em Fevereiro de 2020, que o arguido encontra-se a tratar da renovação do seu título de condução no Brasil e que não tem antecedentes criminais.
9- Dispõe o art. 125º, nº 1, na sua al. d), que habilitam à condução no território nacional, as licenças de condução emitidas por Estado estrangeiro que o Estado Português se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional.
10- Quer Portugal, quer o Brasil, subscreveram a Convenção de Viena de 1968-Convenção sobre Trânsito Rodoviário e o Estado Português reconheceu os documentos brasileiros (Carteira nacional de habilitação brasileira) equivalentes às cartas de condução portuguesas (Despacho nº 10942/2000, publicado em Diário da República, 2ª série, em 27/05/2000). 11- A carta de condução brasileira do arguido integra os títulos de condução previstos nas als. c) e d) do nº 1 do art. 125º do C.E., e reconhecidos, como tal, pelo nosso Estado.
12- Ao ter um título de condução reconhecido pelo Estado Português, deverá ao arguido ser aplicado precisamente o mesmo regime que se fosse titular de carta de condução portuguesa, designadamente o artigo 130º, nº 7 do C.E., e neste sentido, decidiu, e bem, o Douto Tribunal “a quo”.
13- Quem conduzir com a sua carta de condução caducada há menos de 5 anos, pratica uma contraordenação (art. 130º, nº 7 C.E.). 14- Sendo a carta de condução do arguido reconhecida em Portugal, por efeito da Convenção de Viena e do Acordo Bilateral de reconhecimento mútuo, e conduzindo o arguido com tal título caducado há menos de 5 anos (desde Fevereiro de 2020), só podemos concluir que o arguido praticou uma contraordenação e não um crime. 15- Se o título de condução emitido pelo Brasil é reconhecido em Portugal por efeito de convenção internacional vinculativa de ambos os Estados, daí têm de ser retiradas todas as consequências inerentes a tal reconhecimento.
16- Decidiu bem o Douto Tribunal “a quo” quando decidiu que a conduta do arguido não preenche os elementos típicos do crime de que vinha acusado - condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3/01 - e absolveu o mesmo.
17- Esteve bem o Douto Tribunal “a quo” ao decidir que deverá constar nos factos não provados que há data dos factos descritos o arguido não era titular de habilitação legal para o exercício da condução. 18- Entende o arguido, que só poderia ter sido decidido, tal como foi na Douta Sentença recorrida, que não estão preenchidos os elementos típicos do crime sub judice - condução sem habilitação legal – p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3/01, concluindo-se pela absolvição do arguido.
19- Devendo manter-se a Douta Sentença tal como foi proferida, absolvendo-se o mesmo da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2 do D.L.2/98, de 03/01. 20- Não tendo, desta forma, o Tribunal “a quo” violado quaisquer normas jurídicas, nomeadamente, os arts. 3º, nº 1 e 2, 121º, nº1, 122º, nº 1, 125º, nº 1, al. d) e 130º, nº 7 do C.E., e a Douta Sentença recorrida respeita a prova produzida, bem como todas as normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá o recurso apresentado pelo...
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