Acórdão nº 00284/14.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução21 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO O., devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos presentes autos, que, em, 30.03.2019, para o que ora nos interessa, julgou a presente ação administrativa comum improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu, aqui Recorrido, ESTADO PORTUGUÊS do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: ”(…) I - O Apelante discorda parcialmente da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo.

II - O ofício enviado pelo Serviço de Finanças de Cantanhede ao Tribunal não cumpre com o disposto no artigo 232.°, al. c) do CPPT, porquanto se limitou a solicitar informações sobre a existência de algum processo de inventário em nome de A., não dando a conhecer ao Tribunal a penhora sobre o direito e ação a herança indivisa, nem tampouco solicitando que aquele Tribunal o informasse oportunamente sobre quais os bens adjudicados ao executado.

III - Tendo, ainda, em consideração o texto daquela disposição, sempre se diga que nas obrigações do Serviço de Finanças devem incluir-se a verificação do estado do processo de inventário, de forma a certificar-se de que o direito que penhorou é o correto, o que não sucedeu.

IV - Acresce que, no momento da venda, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, existia um quinhão hereditário totalmente preenchido.

Vejamos: V - Com efeito, em 23/03/2010, foi elaborado o mapa de partilhas, onde foram adjudicados a J. bens no montante global de 35.973,30 €, o que nunca foi reclamado.

VI - Considerou o Tribunal a quo que, não havendo despacho de homologação de partilha, aquilo que existia no momento da venda era o direito e ação à herança indivisa.

VII - Sucede que a homologação não passava de uma mera formalidade, tanto que o legislador não deu a possibilidade ao julgador de não homologar a partilha e, mesmo no que respeita ao recurso, aquela possibilidade cingia-se à forma e nunca ao conteúdo da partilha.

VIII -- Por fim, entendeu o Tribunal a quo que o Apelante deveria ter requerido ao Serviço de Finanças de Cantanhede o prosseguimento da execução, de acordo com o disposto nos artigos 901.° e 930.° do antigo Código de Processo Civil.

IX - Todavia, certo é que, como ficou devidamente provado nos autos, o Apelante solicitou ao Serviço de Finanças o prosseguimento da execução, em maio de 2012, sendo que aquele serviço lhe indeferiu o requerimento, porquanto entendeu que os artigos 901.° e 930.° do antigo Código de Processo Civil se aplicavam apenas à entrega de bens na execução do foro civil e ainda que se encontrava em curso uma ação declarativa destinada ao reconhecimento do direito para poder intentar ação executiva, bem sabendo que o que afirmava não correspondia à verdade.

X - Em Novembro do mesmo ano, o Apelante solicitou, uma vez mais, o prosseguimento dos autos de execução e, bem assim, a entrega dos bens adquiridos, o mesmo sucedendo em julho de 2013, não tendo obtido qualquer resposta.

XI - Quem andou mal e agiu de má-fé foi o Serviço de Finanças de Cantanhede, ao invocar, no seu despacho, a não aplicabilidade dos artigos 901.° e 930.° do Código de Processo Civil à execução fiscal (mesmo que assim fosse, não parece que o Serviço de Finanças estivesse vinculado ao direito invocado pelo Apelante) e, bem assim, a existência de uma ação declarativa de condenação, onde se peticionava a entrega dos bens adjudicados ou a condenação no pagamento do valor correspondente ao da avaliação feita aos bens.

XII - Assim sendo, é seguro concluir-se que, devido à atuação negligente e de má-fé do Serviço de Finanças de Cantanhede, o Apelante ficou sem qualquer garantia de vir a receber os bens que compõem o já mencionado quinhão hereditário, tanto que até hoje nada lhe foi entregue, devendo o Estado ser condenado no pagamento do valor correspondente ao valor dos bens que lhe foram adjudicados (35.973,30 €)(…)”.

*Notificado da interposição do recurso jurisdicional, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma: ”(…) 1. Nos presentes autos, o Autor sustenta a sua pretensão indemnizatória em responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos emergentes de pretensos factos ilícitos praticado pelo Serviço de Finanças de Cantanhede no âmbito do processo de execução fiscal n° 0710200001011510.

  1. Reconduzido esses pretensos factos ilícitos à violação de normas procedimentais no âmbito de tal processo de execução fiscal.

  2. Acontece que, como exaustivamente se demonstra na sentença recorrida (cujos argumentos, por mera economia processual aqui nos abstemos de reproduzir), aquele serviço cumpriu escrupulosamente com o disposto nas disposições legais em causa.

  3. Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, e se concluísse, como pretende o Autor, que o Serviço de Finanças de Cantanhede tinha violado, nos termos alegados por aquele, as citadas disposições legais, ainda assim teríamos de concluir não ter aquele Serviço de Finanças praticado qualquer ato ilícito.

  4. Isto porque a ilegalidade do ato administrativo não é suficiente para preencher a ilicitude, uma vez que só a violação direta de normas substantivas poderá ser geradora de ilicitude responsabilizante.

  5. E já não quando ela emerge - como seria o caso, na versão do Autor - da violação de normas meramente procedimentais.

  6. Assim, os atos administrativos em causa, praticados pelo Serviço de Finanças de Cantanhede, mesmo que considerados ilegais e que, repita-se, não se concede, não traduzem, em si mesmos e por si, uma qualquer violação, direta e imediata, das normas invocadas que, no âmbito do processo de execução fiscal em causa, visem tutelar direitos ou posições subjetivas do A.

  7. Motivo por que, não é possível imputar ao Serviço de Finanças de Cantanhede qualquer atuação/omissão ilícita.

  8. Pelo que ao julgar improcedente a presente ação administrativa comum absolvendo o R. Estado Português do pedido efetuado pelo A., a Mma Juiz mais não fez do que a correta aplicação da lei devendo, assim, ser confirmada, nos seus precisos termos, a decisão em crise (…)”.

* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.

Assim, será esta a questão a apreciar e decidir.

* * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado [e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…) 1) Em 13/10/2000 foi instaurado no Serviço de Finanças de Cantanhede o processo de execução fiscal n.° 07102000001011510, contra o executado J., para cobrança de dívida de IRS do ano de 1996, no valor de € 104.126,82 (acordo).

2) No âmbito do referido processo de execução fiscal, foi efetuada a penhora do quinhão hereditário do executado sobre a herança aberta por óbito de A., falecido em 03/10/1995, correspondente a 1/9 dos bens relacionados no processo sucessório (cfr. docs. de fls. 169, 179 e 189 a 198 do suporte físico do processo).

3) Pelo ofício n.° 11, de 03/01/2008, o Serviço de Finanças de Cantanhede notificou a co-herdeira A., para os efeitos previstos no então art.° 862.° do CPC, da penhora do quinhão hereditário do executado sobre a herança aberta por óbito de A., ficando o direito ao referido quinhão à ordem da entidade exequente desde a data da primeira notificação (cfr. doc. de fls. 179 do suporte físico do processo).

4) Em 22/10/2008 foi instaurado no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de A., o qual correu termos sob o n.° 1009/08.1TBCNT (cfr. doc. de fls. 171 a 174 do suporte físico do processo).

5) Pelo ofício n.° 3633 de 16/12/2008, o Serviço de Finanças de Cantanhede notificou a co-herdeira A., nos termos do art.° 249.°, n.° 7, do CPPT, de que, por despacho do Chefe de Finanças, foi designado o dia 30/01/2009, pelas 11h00, para a realização da venda por meio de propostas em carta fechada do bem penhorado (quinhão hereditário) e para exercer, querendo, o direito de preferência previsto no art.° 1409.° do Código Civil (cfr. doc. de fls. 188 do suporte físico do processo).

6) Através de requerimento apresentado no âmbito do processo de inventário, foi requerida a notificação do Serviço de Finanças de Cantanhede “com o propósito de o informar que foi aberto o inventário para partilha da herança aberta pela morte de A., e que aí foi exatamente explicado sem quaisquer margens para dúvidas que existe um quinhão hereditário penhorado pela Administração Fiscal, através do qual a mesma poderá preencher com a parte da herança que lhe é devida” (cfr. doc. de fls. 187 do suporte físico do processo).

7) Pelo ofício n.° 1318, de 09/04/2009, o Serviço de Finanças de Cantanhede solicitou ao Tribunal Judicial de Cantanhede informação sobre se foi instaurado algum processo de inventário em nome de A. e, em caso afirmativo, qual a sua identificação e indicação dos bens relacionados pelo cabeça-de-casal, pedido que obteve o seguinte despacho, de 04/05/2009: “Satisfaça” (cfr. docs. de fls. 199, no verso, e 200 do suporte físico do processo).  8) Pelo ofício n.° 791, de 11/03/2010, o Serviço de Finanças de Cantanhede notificou a cabeça-de-casal da herança, M., e fiel depositária no processo de execução fiscal, nos termos do disposto no então art.° 854.° do CPC, de...

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