Acórdão nº 01112/16.4BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução26 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I. Z…………, SGPS, LDA, melhor identificada nos autos, vem ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo nº 39/2016-T, o qual indeferiu o pedido por ela formulado contra a decisão da Senhora Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa que por sua vez, indeferiu a reclamação graciosa apresentada do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012, na parte em que incorpora a correcção ao lucro tributável no valor de € 485.161,14.

Considerou que a referida decisão arbitral está em oposição com os seguintes acórdãos fundamento: - Com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 8 de Abril de 2015, proferido no processo nº 0427/12, na parte em que considerou que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento em falta ou insuficiência de prova não é ilegal.

- Com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 3 de Junho de 2015, proferido no processo nº 0793/14 quanto à questão de saber se a (i)legalidade do ato de autoliquidação deve ser aferida exclusivamente com base nos fundamentos da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou se, ao invés, como vem estabelecido no referido Acórdão, os órgãos jurisdicionais (incluindo os tribunais arbitrais) estão obrigados a tratar de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato de autoliquidação.

II. A recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 1 a 35 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: 1) Como decorre da leitura da decisão arbitral recorrida, o tribunal arbitral manteve parcialmente na ordem jurídica o ato de autoliquidação sub judice por considerar válido um dos fundamentos que sustentaram o indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3107201504001940, em concreto por ter entendido que a RECORRENTE não demonstrou que os financiamentos que geraram encargos suportados em 2012 não foram contraídos para a aquisição de participações sociais.

2) Porém, sobre a mesma questão fundamental de direito, verifica-se que o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu, no Acórdão de 8 de abril de 2015, proferido no referido processo n.º 0427/12, no sentido de que a Administração Tributária está, sempre e em qualquer caso, obrigada a convidar o contribuinte a aportar para o procedimento gracioso a documentação que considere relevante (só se os documentos forem especificamente solicitados ao contribuinte e este não os apresentar é que a Administração tributária pode indeferir a pretensão do contribuinte, com fundamento em falta ou insuficiência de prova).

3) Por seu turno, como decorre, igualmente, do identificado aresto, o Supremo Tribunal Administrativo também considerou que a circunstância de o ónus da prova dos factos alegados pelo contribuinte impender sobre este último, «não permite que a Administração tributária possa deixar de realizar todas as diligências instrutórias possíveis, entre as quais, notificação do sujeito passivo para juntar os documentos que repute relevantes, em momento prévio ao projeto de decisão final», sendo que se estas diligências não forem realizadas, a decisão do procedimento com fundamento na inexistência de prova dos factos alegados é ilegal e tem que ser anuladas.

4) Significa isto, por conseguinte, que o Supremo Tribunal Administrativo, quando foi chamado a pronunciar-se sobre a mesma questão fundamental de direito — relativa à (i)legalidade de uma decisão de indeferimento proferida pela Administração tributária no âmbito de um procedimento gracioso com fundamento na falta ou insuficiência de prova da dedutibilidade de determinado gasto —, tomou uma posição diametralmente oposta à adotada na decisão arbitral recorrida, verificando-se, assim, oposição clara entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão de 8 de abril de 2015, proferido no referido processo n.º 0427/12.

5) Isto visto, verifica-se, igualmente, que a decisão arbitral recorrida padece, quanto a esta concreta questão, de manifesto erro de direito, devendo, por isso, ser substituída por decisão judicial que perfilhe a posição seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão fundamento.

6) Com efeito, nos termos do disposto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa — e, bem assim, nos termos do artigo 55.º da Lei Geral Tributária —, a Administração pública deve exercer as suas atribuições tendo em vista o interesse público, respeitando os direitos e interesses dos contribuintes, e prosseguindo os princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade, proporcionalidade e da justiça.

7) Complementarmente, verifica-se que o artigo 58.º da Lei Geral Tributária consagra o princípio do inquisitório no domínio do procedimento gracioso.

8) Significa isto que, no procedimento gracioso, a tarefa da Administração tributária não consiste na maximização da receita tributária, mas na descoberta da verdade material.

9) Noutros termos, em sede de procedimento gracioso a Administração tributária não é uma parte em litígio, mas a entidade decisora, que tem que decidir imparcialmente e de acordo com os princípios a que está vinculada.

10) Assim, como tem vindo a ser assinalado, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, a Administração tributária está obrigada, no âmbito do procedimento gracioso, a considerar todos os elementos que lhe são apresentados pelos contribuintes, e de, pelos seus próprios meios ou com recurso à colaboração dos interessados ou de terceiros, recolher os elementos adicionais necessários a uma boa decisão.

11) De resto — e como também se lê no Acórdão fundamento — «O ónus da prova não permite que a Administração Tributária possa deixar de realizar todas as diligências instrutórias possíveis, entre as quais a notificação do sujeito passivo para juntar os documentos que repute relevantes, em momento prévio ao projeto de decisão final»… 12) Conclui-se, portanto, com DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, que — se não existir uma recusa de colaboração por parte do contribuinte — «a falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados dos elementos necessários à instrução do procedimento constitui vício deste, suscetível de implicar a anulação nele tomada» (cf. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária - Comentada e anotada, 4ª edição, Lisboa, 2012, página 488).

13) Transpondo estas conclusões para o presente caso, é forçoso considerar que a decisão de indeferimento proferida pela Administração tributária no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º 3107201504001940, com fundamento na falta de elementos de prova de que os financiamentos obtidos pela RECORRENTE que geraram encargos suportados em 2012 não foram contraídos para aquisição de participações sociais detidas no final daquele ano, é ilegal e devia ter sido anulada pela decisão arbitral aqui recorrida.

14) Com efeito, e como resulta da decisão administrativa junta ao processo arbitral, a Administração tributária não solicitou à RECORRENTE qualquer documento adicional, nem sequer identificou os documentos em falta; pelo contrário, a Administração tributária limitou-se a fazer referência à disponibilidade que a RECORRENTE manifestou para juntar documentação adicional, indicando (erradamente), a este respeito, que, considerando o disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, «nunca competiria à AT indicar qual essa documentação (…)» 15) O mesmo é dizer, portanto, que a Administração tributária não cumpriu os deveres que, de acordo com a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo Sul e de acordo com a doutrina que se pronunciou sobre este assunto, resultam da sua vinculação ao princípio do inquisitório.

16) Em face do exposto, a decisão arbitral recorrida deve ser anulada, e substituída por um acórdão que conclua pela ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (n.º 3107201504001940) com base no fundamento de falta ou insuficiência de prova...

17) … e que, em consequência, determine a anulação do ato de autoliquidação sub judice, na parte em que este incorpora o acréscimo (indevido) do valor de € 458.161,74, relativo a encargos financeiros alegadamente relacionados com a aquisição de participações sociais.

18) Sem prejuízo do que antecede, e ainda que assim não venha a ser entendido — hipótese admitida em mero benefício de raciocínio, sem conceder — sempre se diz que, in casu, verifica-se, igualmente, quanto a uma segunda questão fundamental de direito, uma (outra) contradição entre a decisão arbitral recorrida e jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

19) Como referido, a parte decisória da pronúncia arbitral assenta no pressuposto de que a (i)legalidade do ato de autoliquidação de IRC deve ser aferida exclusivamente em função da fundamentação da decisão de indeferimento proferida pela Administração tributária no âmbito da reclamação graciosa e tendo em conta os vícios invocados e a prova feita no âmbito daquele procedimento administrativo.

20) Porém, sobre esta específica questão o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se, de forma lapidar, no Acórdão datado do dia 3 de junho de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 0793/14, no sentido de que «na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT