Acórdão nº 0139/20.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução26 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, na redação da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”) interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do S.T.A., da decisão arbitral proferida no processo n.º 35/2019-T, em 23/10/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida A…………, SGPS, S.A., sinalizada nos autos, no segmento em que conclui pela anulação do indeferimento da reclamação graciosa relativa ao ato de autoliquidação de IRC de 2014, na parte em que se reporta à não consideração dos encargos financeiros suportados pela requerente nos exercícios de 2004 a 2007, no valor de €2.626.128,74, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral de 17/09/2018, processo n.º 610/2017-T, que se indica como fundamento.

I.2.

Formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões: “A.

O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 39/2019 – T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no CAAD no Processo nº 610/2017–T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que a requerente teria direito a recuperar em 2014 a dedução dos encargos financeiros excluídos de dedução nos exercícios anteriores ao abrigo do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, complementado pela Circular n.º 7/2004.

B.

O Acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 610/2017-T, datada de 17-09-2018, já transitada em julgado (cfr. certidão do processo arbitral).

C.

A Recorrente defende, com o devido respeito, que o Acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral «

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de autoliquidação de IRC referente ao ano 2014, na parte em que se reporta à não consideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente nos exercícios de 2004 a 2007, no valor de €2.626.128,74», D.

    Sustentando que «a Requerente adoptou a interpretação prevista neste ponto 6 da Circular n.º 7/2004, tendo desconsiderado no exercício de 2014 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

    Uma alteração legislativa que impossibilite a obtenção do benefício fiscal de não tributação das mais-valias implica a extinção da razão que legitimava a desconsideração dos encargos financeiros, pelo que deve ser aplicada a tributação regra, isto é, a tributação nos termos aplicáveis na ausência da norma entretanto revogada.

    O que não é admissível, à luz dos princípios da tutela da confiança e da boa-fé, é o entendimento segundo o qual a revogação do regime comtemplado no art. 32.º, n.º 2, do EBF implica simultaneamente a não obtenção do benefício que o mesmo previa e a cristalização da desconsideração dos encargos financeiros, que se conexionavam com aquele benefício, o que se traduziria, verdadeiramente, numa alteração das “regras do jogo” no decorrer do “jogo”.».

    E.

    Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento, na qual o Tribunal arbitral considerou que não existe «base legal para a dedução em 2014 dos encargos financeiros não deduzidos de 2008 a 2013», porquanto «só a AT está vinculada ao teor da Circular 7/2004, mormente à disposição administrativa n.º 6 da mesma. Donde decorre que nem os particulares nem os tribunais estão vinculados à interpretação administrativa que a Circular 7/2004 faz do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

    F.

    Concluindo o Acórdão fundamento: «Nestas circunstâncias, conceder provimento ao pedido da Requerente seria admitir a dissociação, para o passado, entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas, solução essa que não encontra apoio no regime anterior nem foi salvaguardada pelo atual.

    Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, se julga improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica do ato de indeferimento da reclamação graciosa e o ato de autoliquidação de IRC, na parte impugnada, relativo ao exercício de 2014.».

    Negrito e sublinhado nossos G.

    Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida e substituição por outra que julgue improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

    H.

    In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se é de admitir a dedução de uma só vez, no exercício de 2014, da totalidade de encargos financeiros não deduzidos em exercícios anteriores ao abrigo do n.º 2 do art.º 32.º do EBF e da aplicação da Circular n.º 7/2004.

    I.

    O Acórdão arbitral recorrido julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela sociedade dominante do A…………, abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto nos art.ºs 69.º e seguintes do CIRC e anulou a autoliquidação relativa ao exercício de 2014, bem como a decisão da reclamação graciosa, na parte em que não foram deduzidos encargos financeiros respeitantes aos exercícios de 2004 a 2007.

    J.

    Na Decisão fundamento também estava em causa o acto de indeferimento de uma reclamação graciosa, cujo objecto se reportava a uma autoliquidação de IRC, e na qual a Reclamante peticionou a dedução de uma só vez, no exercício de 2014.

    K.

    Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a encargos financeiros suportados por sociedades dominantes e dominadas com a aquisição de participações sociais nos períodos de tributação de 2004 a 2007 e acrescidos ao lucro tributável ao abrigo do regime previsto no art.º 32.º do EBF.

    L.

    Procede o Acórdão arbitral recorrido à delimitação do objecto do litígio nos seguintes termos: M.

    A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se os encargos financeiros incorridos pela Requerente respeitantes à aquisição de participações sociais, no período de 2004 a 2007, podem ser deduzidos à matéria colectável, atenta a revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF [em 2014].

    N.

    O Acórdão arbitral fundamento delimitou o thema decidendum da seguinte forma: «Assim sendo, a questão central a decidir consiste em determinar as consequências fiscais da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF relativamente às participações sociais detidas àquela data. Em particular, prende-se saber qual o tratamento fiscal a dar aos gastos financeiros incorridos pela EDP Ventures desde 2008 a 2013 e imputados às referidas participações decorrentes da aplicação da limitação prevista no n.º 2 do artigo 32.º, de acordo com a aplicação que a Circular 7/2004, em especial, o seu n.º 6, fazia daquela norma.».

    O.

    Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, foi decidida a mesma questão de direito, a saber se é de admitir a dedução de uma só vez, no exercício de 2014, da totalidade de encargos financeiros não deduzidos em exercícios anteriores ao abrigo do n.º 2 do art..º 32.º do EBF e da aplicação da Circular n.º 7/2004.

    P.

    O Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento adoptaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

    Q.

    Decidiu o Tribunal arbitral no Acórdão recorrido: «Na falta de disposição transitória sobre os efeitos da revogação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, os efeitos da revogação da norma são todos os que resultam da cessação da sua vigência, sendo certo que nova norma (regime) só é aplicável aos factos posteriores, nos termos previstos no artigo 12.º da LGT.

    Na verdade, a Lei revogada cessa a sua vigência, deixando, em regra, de se aplicar para o futuro. Tendo a situação fáctica em análise ocorrido, aquando da vigência da lei antiga, o novo regime fiscal denominado de “participation exemption” só é aplicável aos factos tributários que se venham a projectar na vigência da Lei nova, sob pena de violação do princípio da proibição da retroactividade da Lei fiscal. Acresce que, os regimes em causa têm diferentes âmbitos de incidência, quer subjectivos, quer objectivos, não sendo, portanto, regimes substancialmente equiparáveis, desde logo pela diferença no que respeita à tributação/não tributação dos gastos incorridos.

    Deste modo, com a cessação de vigência do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, não mais se verificará o facto gerador de imposto subjacente ao registo e qualificação dos encargos financeiros associados às participações sociais adquiridas pela Requerente, ao abrigo da Lei antiga. Em consequência, os encargos financeiros, que foram acrescidos ao lucro tributável com base na expectativa de ser obtido o benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF (devidamente registados contabilisticamente para esse fim), aquando da verificação do facto gerador de imposto (no passado, ao abrigo da Lei antiga), estão incorretamente registados e tributados, como factos tributários isolados, isto é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT