Acórdão nº 321/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução19 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

Plenário

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Maria da Graça Amaral da Silveira, invocando a qualidade de militante do CDS – Partido Popular (CDS-PP), impugnou, junto deste Tribunal Constitucional, a «decisão do Conselho Nacional de Jurisdição do CDS-PP» (fls. 3 dos autos), referente ao Processo disciplinar n.º 2/2019, datada de 4 de dezembro de 2020, invocando o artigo 103.º-D da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).

Após expor os fundamentos da impugnação, formulou o seguinte pedido:

«i) Ser julgada procedente a exceção de prescrição invocada, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS-PP;

ii) Ser declarado nulo todo o procedimento disciplinar, por violação do disposto nos artigos 4.º, 12.º, 13.º, 14.º e 16.º do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS-PP e dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e c), e artigo 46.º dos Estatutos do CDS-PP;

iii) Ser a presente impugnação julgada procedente por provada, sendo revogada a decisão proferida pelo Conselho Nacional de Jurisdição do CDS-PP, com a consequente manutenção da militância da impugnante, assim como os cargos partidários por esta desempenhados.»

2. Contestou o partido CDS-PP, concluindo no sentido da improcedência do pedido, quer de facto, quer de direito.

Porém, verificada a extemporaneidade da resposta, foi determinado, por despacho do relator, de 13 de janeiro de 2021, que o teor daquela não fosse tido em conta, sendo apenas aproveitados os documentos juntos aos autos por interessarem à instrução da causa.

3. Através do Acórdão n.º 174/2021, o Tribunal Constitucional, reunido em Secção, julgou verificada a prescrição do procedimento disciplinar e, em consequência, revogou a deliberação do Conselho Nacional de Jurisdição do CDS-PP, de 4 de dezembro de 2020.

A decisão foi fundamentada do seguinte modo:

«5. A presente ação vem interposta ao abrigo do artigo 103.º-D da LTC, sem menção de qual o número deste preceito que é invocado.

Tendo em conta o objeto da impugnação, é possível concluir que a presente ação se inscreve no artigo 103.º-D, n.º 1, da LTC, na parte em que é concedida legitimidade a militante de um partido para impugnar «decisões punitivas dos respetivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que seja arguido». É aplicável, neste contexto, ao processo, os n.ºs 2 a 8 do artigo 103.º-C, com as adaptações necessárias, por força do artigo 103.º-D, n.º 3, da LTC.

A autora vem impugnar a Decisão do Conselho Nacional de Jurisdição deste partido, datada de 4 de dezembro de 2020, referente ao Processo disciplinar n.º 2/2019, onde é visada como arguida e que a puniu com sanção disciplinar. Pode, por isso, concluir-se pela sua legitimidade ativa.

6. No seu primeiro pedido, a autora invoca a exceção de prescrição do processo disciplinar, baseada no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS-PP.

A procedência da exceção de prescrição suscitada pela impugnante justifica a emissão da presente decisão, tornando inútil a apreciação dos vícios imputados pela impugnante à decisão recorrida, e, nessa medida, dispensável a prossecução da instrução do processo para obtenção dos elementos ainda em falta.

b) Prescrição do procedimento disciplinar

7. No que diz respeito à invocação da prescrição do processo disciplinar a impugnante alega o seguinte (fls. 3-4):

«2. Em 29 de outubro de 2019, foi a Impugnante, notificada, por mensagem de correio eletrónico, e posteriormente por carta registada, nos termos do n.º 2 do art.º 11.º do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS-PP, da participação disciplinar contra si apresentada pelo Presidente do CDS-Açores, Artur Leal de Lima, a qual deu origem ao processo disciplinar n.º 2/2019.

3. Nos termos de tal participação disciplinar foi a Impugnante acusada da prática de factos alegadamente ocorridos entre 6 de março e 14 de outubro de 2019, descritos em 1.º a 23.º da participação, que configurariam - no entender do participante - violação dos deveres de militante consagrados nas alíneas a), b), d) e e) do n.º 2 do artigo 6.º dos Estatutos do CDS- PP.

4. Em 14 de novembro de 2019, a Impugnante, apresentou por escrito a sua defesa, nos termos do n.º 3 do art. 11.º do referido Regulamento do Processo Disciplinar.

5. Sendo que em 10 de dezembro de 2020 foi a Impugnante notificada, por mensagem de correio eletrónico, da decisão do Conselho Nacional de Jurisdição, subscrita pelo seu presidente, de condenar a arguida na pena de suspensão da sua militância ativa e passiva por um período de 4 anos contados da notificação da decisão. (…).

(…)

7. (…) a ter existido a referida violação dos deveres que impendem sobre a militante, sempre o direito a proceder disciplinarmente sobre tais factos se encontra precludido.

8. Com efeito, desconhece a Impugnante, nem pode conhecer, quando tais alegados factos foram comunicados pelo participante ao Conselho Nacional de Jurisdição do CDS-PP, na pessoa do seu Presidente.

9. Não circunscrevendo no tempo na sua decisão, a data em que alegadamente lhe foram comunicados tais factos, sendo que, a este tal incumbia.

10. Ora, a admitir-se que tais factos ocorreram entre os supra referidos dias 6 de março e 14 de outubro de 2019, e encontrando-se a notificação de abertura do processo disciplinar n.º 2/2019 datada de 29 de outubro de 2019, dispunha o Conselho Nacional de Jurisdição de um ano a contar do momento em que a infração disciplinar terá tido lugar, para proceder disciplinarmente contra a militante, conforme n.º 2 dó art. 3.º do Regulamento do Processo Disciplinar do partido.

11. Com efeito, nos termos de tal norma “Em qualquer caso, a infração disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar” (…).

12. Com base nos factos investigados, o Conselho Nacional de Jurisdição decidiu aplicar à militante, ora impugnante, a pena de suspensão da sua militância ativa e passiva, sendo tal decisão uma declaração escrita, reptícia, a que se aplica o disposto no art. 224.º do Código Civil.

13, Significa isto dizer que o Conselho de Jurisdição Nacional dispunha de um ano sobre o conhecimento da prática da alegada infração disciplinar e da identidade da infratora - sob pena de caducidade (ou prescrição atípica conforme o entendimento que se sufragar) para exercer o seu poder disciplinar.

14. Ou seja, para fazer chegar à esfera jurídica da militante arguida a decisão condenatória.

15. Sendo que a decisão que ora se impugna foi notificada à militante no dia 10 de dezembro de 2020, ou seja, mais de um ano após a alegada prática dos factos e do conhecimento da identidade do alegado infrator pelo Conselho Nacional de Jurisdição.

16. Prescrição aliás que já havia sido invocada pela Impugnante, por requerimento datado de 17 de novembro de 2020, não tendo, ainda assim, o Conselho Nacional de Jurisdição, se abstido de proferir decisão condenatória, de que ora se impugna (…).

17. Jamais podendo colher o argumento aduzido pelo Conselho Nacional de Jurisdição de que o prazo apenas começaria a correr a partir de 15 de novembro de 2020, para efeitos de prescrição.

18. Pois que, conforme supra, os factos imputados na participação remontam há mais de um ano, vindo agora o Conselho Nacional de Jurisdição tentar “emendar à mão” a inércia, que só a si lhe poderá ser imputada.

19. Pelo que, ainda que a Impugnante tivesse adotado tais condutas, o que não se admite, se encontra o direito a agir disciplinarmente, relativamente a tais factos, precludido, por força da caducidade ou prescrição atípica, não podendo a Impugnante ser punida pelos mesmos, o que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.»

8. A impugnante invoca, a este propósito que o prazo máximo de um ano previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS-PP já tinha decorrido. O referido artigo 3.º tem a seguinte redação:

«Artigo 3.º

(Prazos)

1. Na falta de disposição estatutária ou regulamentar em contrário, o processo disciplinar deverá ser instaurado no prazo de trinta dias, contado da data do conhecimento das infrações e da identidade dos respetivos agentes, exceto no caso previsto na alínea g) do número 2 do Artigo 6.º dos Estatutos, cujo prazo é de 6 meses.

2. Em qualquer caso, a infração disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar.

3. Salvo disposição expressa em contrário, os prazos referidos no presente Regulamento começam a correr no dia seguinte ao do facto que determina a sua contagem, são contínuos, não se suspendendo em sábados, domingos e feriados.» (sublinhado aditado)

Decorre da redação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º uma distinção entre a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (que ocorre «trinta dias, contado da data do conhecimento das infrações e da identidade dos respetivos agentes, exceto no caso previsto na alínea g) do número 2 do Artigo 6.º dos Estatutos, cujo prazo é de 6 meses») e a prescrição da infração disciplinar (que ocorre («ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar»).

A questão colocada no presente processo prende-se com este último prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS-PP, o qual, referindo-se à prescrição da infração disciplinar não pode deixar de ser entendido como impondo o prazo máximo da prescrição do respetivo procedimento disciplinar.

9. Para decidir sobre a questão aqui colocada relativa ao decurso do prazo de prescrição, importa, pois, começar por determinar...

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