Acórdão nº 02160/15.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCeleste Oliveira
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* 1. RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida no TAF do Porto que deu procedência à impugnação judicial intentada por R.

, relativa a IVA e juros compensatórios dos anos de 2010, 2011 e 2012, deduziu o presente recurso, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: “III - DAS CONCLUSÕES a) A RFP recorre da sentença que, proferida no TAF do Porto, em 26/12/2018, julgou procedente a impugnação deduzida por R., contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 31.732,60, e que decorreram das correções operadas com recurso a métodos indiretos.

Da Decisão da matéria de Facto b) Desde logo, a RFP considera que quanto à decisão da matéria de facto a sentença do Tribunal a quo comete um erro de julgamento, nos seguintes termos.

  1. Uma vez cruzada a decisão de facto plasmada na prancha recorrida com os depoimentos da parte e das testemunhas da mesma em sede de inquirição de testemunhas, sucede que nenhum dos factos testemunhados, nesta fase, foram dados como provados pelo Tribunal a quo, nem como não provados, ou seja, nem sequer foram levadas à prancha decisória a quo.

  2. Assim, o Tribunal a quo deveria ter levado à matéria de facto provada pelo menos os seguintes factos, conforme resulta da gravação da inquirição de testemunhas e que se encontra cristalizada nas alegações de direito apresentadas nos autos à margem melhor identificados, pela RFP, 46. Quanto aos meios de pagamento, a testemunha disse que o modo habitual de pagamento era em dinheiro ou por multibanco (cf. gravação a minutos 00.45.48).

    49. A instancias da RFP, a testemunha afirmou que a diferença entre os serviços prestados, referentes ao exercício de 2010, de € 17.894,35, e o total dos pagamentos, nesse mesmo ano, efetuados no TPA, de € 65.993,01, deve-se ao facto das duas funcionárias “brasileiras” servirem-se do mesmo TPA, quanto ao pagamento dos serviços por estas prestados (cf. gravação a minutos 00.47.17) (…) 66. O trabalho que estas funcionárias prestavam não estava reconhecido na contabilidade, não havendo documentos “nenhuns” (cf. gravação a minutos 01.03.33 a 1.03.38).

    69. As alegadas injecções de capital por parte do Impugnante no estabelecimento não eram susceptíveis de serem concretizadas e portanto serem alvo de conhecimento objectivo por parte da contabilista, aqui testemunha (cf. a gravação a minutos 01.06.44).

    70. A testemunha, face aos documentos que eram entregues pelo Impugnante, não conseguia apurar aquilo que estava relacionado com a actividade da empresa e com a pessoa do aqui Impugnante (cf. gravação a minutos 01.07.11).

    71. Mais referindo-se que não sabia se determinados pagamentos efectuados pelo aqui Impugnante eram feitos pela conta pessoal ou pela conta da empresa (cf. a gravação a minutos 01.06.53 a 01.07.10).

    72. Pelo que a testemunha teve necessidade de criar uma conta só para o Impugnante que corresponderia a pagamentos feitos pelo Impugnante (cf. gravação a minutos 01.07.16 a 01.07.22).

    73. Nessa conta, ao que parece, estavam registados pagamentos feitos em/com dinheiro do Impugnante (cf. gravação a minutos 01.08.20 a 01.08.24).

    74. Segundo a testemunha, as promoções do cabeleireiro não estavam visíveis ou “espelhadas” (cf. gravação a minutos 01.09.10 a 01.09.15).

    75. A instâncias da RFP, sobre a existência de uma conta bancaria ligada apenas à atividade do estabelecimento, uma vez que o Impugnante tinha optado pelo regime de contabilidade organizada, a testemunha disse que os pagamentos não eram todos feitos pela conta bancaria do estabelecimento (cf. gravação a minutos 01.13.20 a 01.13.50).

    76. A testemunha fala mesmo em “promiscuidade entre a conta pessoal do Impugnante e a conta da empresa” e tal acontecia justamente por causa dos valores do TPA (cf. gravação a minutos 01.13.51 a 01.14.14).

    77. A própria testemunha tem consciência que a forma como o estabelecimento estava a tratar a situação dos pagamentos no TPA não era correta (cf. gravação a minutos 01.14.14).

    78. Quanto aos meios de pagamento, a mesma testemunha disse que os pagamentos eram feitos em dinheiro e pelo TPA (cf. gravação a minutos 01.14.15 a 01.14.37).

    79. Os valores eram contabilizados quando existiam documentos e quando existiam os extractos (cf. gravação a minutos 01.13.38 a 01.14.53).

    80. A testemunha revela conhecimento consciente que os serviços não eram devidamente contabilizados, pois que a realidade de facto alegada não corresponde aquilo que aparecia na contabilidade (cf. gravação a minutos 01.15.30 a 01.15.38).

    81. Quanto à diferença de valores entre os serviços registados na contabilidade e os declarados na contabilidade, no exercício de 2010, 2011 e 2012, face à saída das funcionárias denominadas “brasileiras”, em meados de 2011, foi perguntado pelo Meritíssimo Juiz à testemunha como se explica que continue a haver valores tramitados no TPA superiores aos declarados após a saída das funcionárias “brasileiras” (cf. gravação a minutos 01.17.15 a 01.17.59).

    82. Ao que a testemunha respondeu que não sabe explicar (cf. gravação a minutos 01.18.00 a 1.18.05).

  3. Termos em que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que os factos, referidos no ponto anterior, que não foram objecto de apreciação e fixação na sentença, são bastante relevantes, não só porque correspondem à verdade dos factos alegados pela RFP, em sede de alegações de direito, como, sequencialmente, para o devido enquadramento jurídico quanto à questão do erro nos pressupostos no recurso a métodos indiretos, tal como a mesma encontra-se plasmada na douta sentença do Tribunal a quo, e como a seguir melhor se explanará.

    Da Decisão de Direito f) Quanto à decisão de direito, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que os SIT, ao não terem notificado o Impugnante para, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do artigo 32. °, do CIRS, regularizar as deficiências da sua contabilidade, não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos, pois, conforme resulta expressamente da alínea a), do artigo 88.º, da LGT, “(…) as deficiências de contabilidade ou escrituração apenas legitimam o recurso à avaliação indirecta quando não supridas no prazo legal”.

  4. Com o devido respeito que nos merece todas as decisões proferidas pelos nossos Tribunais, a RFP, defendendo uma perspetiva da realidade fenoménica mais alargada, decorrente do aditamento dos factos já acima referidos, propõe um diferente enquadramento jurídico da situação sub iudice, conforme o a seguir explanado.

  5. Em primeiro lugar, o n.º 2, do artigo 39.º, do CIRS, estabelece que só o atraso na execução da contabilidade ou na escrituração dos livros de registo ou a sua não exibição imediata, justificam a possibilidade dada ao contribuinte de, num prazo não inferior a 5 dias nem superior a 30 dias, regularizar as referidas situações de atraso na execução da contabilidade e/ou de não entrega imediata desta.

  6. Pelo que, só nas duas situações referidas no ponto anterior, os SIT têm a obrigação de notificar o sujeito passivo para proceder as devidas regularizações.

  7. Caso contrário, seguir-se-á a regra geral constante do n.º 1, do artigo 39.º do CIRS, do artigo 59.º, do CIRC, e do artigo 90.º, do CIVA.

  8. Ora, estas regras gerais não determinam a aplicação de métodos indiretos após o decurso de um prazo fixado entre 5 a 30 dias para o sujeito passivo regularizar atrasos na execução da sua contabilidade ou para apresentação da sua contabilidade, posto que estas situações estão especificamente regularizadas pelos n.ºs 2 e 3, do artigo 32.º, do CIRS.

  9. Ensina Baptista Machado que "as normas gerais constituem o direito-regra, ou seja, estabelecem o regime-regra para o selar de relações que regulam; ao passo que as normas excecionais, representando um ius singulare, limitam-se a uma parte restrita daquele setor de relações ou factos, consagrando neste setor restrito, por razões privativas dele, um regime oposto àquele regime-regra"21.

  10. Do mesmo modo, no que tange a esta distinção entre regras gerais e excecionais, considera OLIVEIRA ASCENSÃO que "duas normas podem estar entre si na relação regra-exceção: à regra estabelecida pela primeira opõe-se a exceção, que para um círculo mais ou menos amplo de situações é aberta pela segunda”.

  11. A exceção é pois necessariamente de âmbito mais restrito que a regra, e contraria a valoração ínsita nesta, para atingir finalidades particulares".

  12. Ora, socorrendo-se o intérprete e o aplicador do direito, como sempre deverá, dos critérios hermenêuticos consagrados no artigo 9.°, do Código Civil, ter-se-á, forçosamente, de concluir que o legislador ao consagrar as normas do n.º 2 e do n.º 3, do artigo 39.º, do CIRS, visou especificar as situações em que a aplicação de métodos indiretos só é determinada, após notificação do sujeito passivo, para regularizar situações de atraso na execução da contabilidade ou de não exibição imediata da mesma.

  13. Ora, estando o escopo da norma erigido no sentido de dar a oportunidade ao contribuinte para regularizar a sua contabilidade apenas nas situações em que se verifique um atraso na execução da contabilidade e/ou a sua não exibição imediata, parece-nos, com todo o devido respeito por opinião diferente da nossa, que errou a douta sentença a quo ao julgar que os SIT deveriam, nos termos...

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